Acórdão nº 772/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução01 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 772/2021

Processo n.º 591/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Vem o recorrente A. reclamar, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, da decisão sumária n.º 478/2021, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade por aquele interposto, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 28 de abril de 2021, o qual, negando provimento ao recurso, confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que havia condenado o aqui recorrente a pagar à autora B., S.A., a quantia de € 44.410,46, acrescida de juros de mora desde a citação.

2. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente, formulou a seguinte pretensão:

«b) Pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da al. c) do n.º 1 do art.º 27.º do Dec.-Lei n. 291/2007, de 21.8;

c) Essa disposição legal viola o princípio da pessoa humana, consagrado no art.º 1.º; o princípio do Estado de direito, do qual emanam os princípios do contraditório e da segurança jurídica, consagrados no art.º 2.º; o princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º e os princípios do direito ao direito e do seu exercício em processo equitativo, consagrados no art.º 20.º, 1 e 4 – todos estes artigos da Constituição».

A decisão sumária reclamada afastou o conhecimento do recurso, com os seguintes fundamentos:

«3. No sistema jurídico-constitucional português, os recursos de fiscalização concreta, pese embora incidam sobre decisões dos tribunais, conformam-se como recursos normativos, ou seja, visam a apreciação da conformidade de normas ou interpretações normativas, e não das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Como tem sido reiteradamente salientado, não incumbe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário, sendo a sua cognição circunscrita à questão normativa que lhe é colocada. Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar a atuação dos demais tribunais, a partir da direta imputação de violação da Constituição - mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, para além da efetiva aplicação da norma sindicada, em termos de a mesma constituir fundamento jurídico determinante da decisão proferida no caso concreto, (i) a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e (ii) o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam.

4. No caso, considerando a forma como o recorrente delineou o requerimento de interposição de recurso, é manifesto que o seu objeto não foi configurado como questão normativa, dirigida a controlar a conformidade de um ato do poder normativo com parâmetros constitucionais; trata-se, antes, de sindicar o mérito da decisão judicial, em si mesma – i.e. o controlo da legalidade, como se de mais uma instância ordinária de recurso se tratasse.

Com efeito, e desde logo, o pedido é dirigido à apreciação do próprio preceito normativo, e não de um qualquer sentido normativo nele contido, apurado pelo tribunal recorrido por via interpretativa e aplicado como determinante do julgado, o que ignora a distinção operativa entre os conceitos de disposição normativa e de norma (ou interpretação normativa) no âmbito do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade. Isso mesmo tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência deste Tribunal. Como é referido no Acórdão n.º 768/2020:

«[N]ão deve confundir-se norma com o preceito, regime ou diploma de que é extraída; a norma, como se referiu, consubstancia-se no binómio composto por um ou mais preceito legais e um determinado conteúdo normativo. O enunciado deste último é indispensável, pela meridiana razão de que, «a pronúncia do Tribunal Constitucional incide, não sobre preceitos (mormente preceitos legais), mas sobre normas.»

Todavia, essa confusão não seria inibitória do prosseguimento do recurso, caso se mostrasse que o recorrente havia suscitado previamente perante o tribunal a quo, de modo claro e processualmente adequado, uma questão normativa de inconstitucionalidade, idónea a ser conhecida pelo Tribunal, havendo, então, que dirigir convite ao recorrente, nos termos do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, para que pudesse suprir a omissão da indicação da norma-objeto do recurso, imposta pelo disposto no n.º 1 desse mesmo preceito.

Sucede, porém, que o recorrente, quer no requerimento de interposição de recurso, quer nas alegações do recurso de revista que dirigiu ao tribunal de recurso, não coloca em crise um qualquer sentido normativo. Desenvolve argumentação em defesa de uma certa interpretação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, e imputa genericamente o vício de inconstitucionalidade à adoção pelo julgador de interpretação distinta. A crítica toma como pressuposto que o «Legislador não quis» outro sentido, referenciando assim o vício de inconstitucionalidade diretamente aos julgadores, por «não repararem neste facto, desenvolvido nos parágrafos precedentes [das alegações da Revista], e que são supostos».

Trata-se, como é bom de ver, de procurar que este Tribunal declare qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional, objeto inidóneo a ser conhecido nesta sede, mesmo que por via da convocação do artigo 204.º da Constituição e do apelo a interpretação conforme à Lei Fundamental, como é feito nas alegações da revista e renovado no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.

Impõe-se, assim, concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do recurso, proferindo, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, decisão sumária.»

3. Na peça de reclamação, alega-se como segue:

«(...)

3 Na economia do discurso de rejeição do recurso parece pontificar a distinção entre preceito e norma (as referências a regime ou diploma são aqui despiciendas).

4 Ora, gramaticalmente (em semântica) preceito e norma são vocábulos que significam ou nomeiam o mesmo conceito.

Diz o Dic. da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências...

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