Acórdão nº 777/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução01 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 777/2021

Processo n.º 410/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em que é em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão daquele Tribunal de 11 de março de 2021, que manteve a decisão de julgar improcedente a impugnação de atos de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético («CESE») relativos aos anos de 2014 e 2015.

2. Apreciada a questão, observou-se que o objeto do recurso era idêntico ao de outros processos recentemente apreciados por este Tribunal. Assim, e ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, foi proferida a Decisão Sumária n.º 379/2021 (cf. fls. 2-14TC) em que, citando a fundamentação do Acórdão n.º 303/2021, se concluiu que «Os fundamentos que sustentam a posição adotada no Acórdão n.º 7/2019 (e reiterada nos Acórdãos n.os 597/2020, 301/2021 e 303/2021, bem como na Decisão Sumária n.º 11/2021 - todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) mantêm-se inteiramente transponíveis para o caso dos autos, a tal não obstando a circunstância de o ato de liquidação aqui impugnado se reportar (também) ao ano de 2015.» (cf. II, 5).

Consequentemente, foram julgadas não inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, e cuja vigência foi prorrogada pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (cf. III, 6).

3. A recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos (cf. fls. 18-29TC com verso):

«A., S.A., Reclamante nos autos, notificada da Decisão Sumária neles proferida, melhor identificada em epígrafe, vem pelo presente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78ª-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), dela deduzir RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional já apreciou a inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso no Acórdão n.º 7/2019, no qual se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º. 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, criado pelo artigo 228º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro.

2. Mais diz a Decisão que aquele Acórdão foi reafirmado na Decisão Sumária n.º 11/2021 e nos Acórdãos n.ºs 301/2021 e 303/2021.

3. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma “questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal”.

4. Não é verdade.

5. A Reclamante não ignora que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, no Acórdão n.º 7/2019, sobre a conformidade do regime jurídico da CESE com o texto e princípios constitucionais, tendo aí julgado que o regime jurídico que criou o referido tributo não padecia de inconstitucionalidade – tendo depois fundamentado a Decisão Sumária n.º 11/2014 e os Acórdãos n.ºs 301/2021 e 303/2021.

6. Trata-se de um Acórdão proferido num processo de recurso interposto de uma Decisão de um Tribunal constituído no Centro de Arbitragem Administrativa, em que esteve em análise uma liquidação da CESE relativa ao ano de 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo).

7. O Acórdão em causa merece a maior discordância da Reclamante; porém, o que mais releva sublinhar nesta sede é que o seu conteúdo não é inteiramente transponível para o presente processo.

8. Com efeito, o Acórdão em causa não é um precedente válido porque limita o objecto do respectivo recurso ao ano de 2014, uma vez que o processo diz respeito a uma liquidação relativa à CESE desse ano (cfr. ponto 6, pág. 14, do Acórdão).

9. Ou seja, trata-se de uma liquidação que tem por base o regime do tributo que vigorou em 2014.

10. Nos presentes autos está também causa outra liquidação da CESE (aprovada ou criada pelo artigo 228º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2014), relativa ao ano de 2015, para o qual o tributo foi prorrogado por força do artigo 237º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015).

11. O facto de os presentes autos dizerem respeito não só à CESE vigente em 2014 mas também à CESE vigente em 2015 é claro desde o início do desenrolar dos autos, isto é, desde que o objecto do processo foi identificado na petição inicial entrada no TAF de Leiria, com identificação também daquela lei.

12. A Reclamante deixou-o claro também no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.

ORA:

13. É precisamente por o Acórdão n.º 7/2019 não ser um precedente válido para qualquer CESE posterior a 2014 que o Tribunal Constitucional não tem resolvido por Decisão Sumária os recursos relativos a qualquer um dos anos pós-2014, ordenando sempre a notificação dos recorrentes para produzirem alegações.

14. Veja-se, a título de exemplo do que se acaba de dizer, o que se passou nos seguintes autos de recurso no Tribunal Constitucional:

· n.º 965/20;

· n.º 82/21;

· n.º 93/21; e

· n.º 101/21.

15. A Decisão ora reclamada é totalmente contraditória com esta prática do Tribunal.

16. O que vem dito aplica-se igualmente à Decisão Sumária n.º 11/2021 e aos Acórdãos n.ºs 301/2021 e 303/2021, que, como já dissemos, também concernem apenas a liquidações de 2014.

17. Aliás, é só por isso – por dizerem respeito a 2014 – que a Decisão e os Acórdãos se limitam a remeter para o Acórdão n.º 7/2019.

POIS BEM:

18. Apesar de, por lei, a presente Reclamação não servir de alegação, importa dizer que o Acórdão n.º 7/2019 (aquele que está essencialmente aqui em causa), na medida em que o Tribunal se julgou limitado a 2014, não teve em consideração qualquer elemento da realidade jurídica ou factual posterior àquele ano.

19. E isso implicaria que não pudesse ter baseado a Decisão Sumária reclamada.

20. É que, desde logo, o Acórdão não atribui relevo, nessa sede,

(i) às sucessivas prorrogações da CESE;

(ii) ao facto de não existir ainda um horizonte de vigência definido; ou

(iii) à circunstância de, até ao momento – quando vamos já no oitavo ano de vigência da medida –, a receita da CESE não ter praticamente sido utilizada para os fins legalmente previstos (sendo certo que em 2015, ano a que também respeitam os presentes autos, a CESE não cumpriu, de todo, nenhum dos seus objectivos legais).

21. Assim, não se debruça sobre algumas das questões mais problemáticas para a conformidade constitucional da CESE.

22. É obrigatório, portanto, considerar que a argumentação utilizada pelo TC, designadamente aquela que é utilizada reconhecidamente para compensar os riscos de inconstitucionalidade da medida, não é válida quando em causa está uma liquidação de qualquer outro ano posterior a 2014, como acontece nos presentes autos,

23. O que determina que o Acórdão n.º 7/2019 está seguramente muito longe de ser uma decisão última sobre a constitucionalidade da CESE.

VEJAMOS MELHOR:

a) Primeiro exemplo: o TC não quis saber se, de facto, a receita da CESE tem servido ou não para os fins legalmente prescritos

24. O TC entende que a CESE a) é uma verdadeira contribuição e b) respeita o princípio da equivalência porque a sua receita serve para financiar medidas de que os sujeitos passivos são presumíveis beneficiários (políticas de sustentabilidade do sector energético, incluindo a redução da dívida tarifária).

25. No entanto, o TC não considera a circunstância de a receita da CESE praticamente nunca ter sido transferida para o Fundo de Sustentabilidade do Sector Energético (nos termos da obrigação legal de que adiante melhor daremos conta), ou seja, que praticamente nunca serviu para a redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) nem para o financiamento de outras políticas de sustentabilidade do sector energético.

26. Ou seja, durante basicamente toda a sua vigência, a CESE serviu praticamente apenas para financiar as despesas gerais do Estado, como qualquer imposto, devendo ser considerada, nessa medida, um verdadeiro imposto.

27. Aliás, em até ao fim de 2016, período que inclui o ano aqui em causa (2015), nada tinha sido transferido.

28. Este facto é público e notório, e é reconhecido expressa e publicamente pelo Governo, pela ERSE e pelo Tribunal de Contas.

29. Note-se, por exemplo, que a 1 de janeiro de 2018 (quatro anos depois da entrada em vigor do tributo), do terço da receita da CESE (estimado em € 50.000.000,00 por ano) que deveria ser transferido para o Fundo, nos termos legais, no montante total de cerca de € 200.000.000,00, apenas haviam sido transferidos (na totalidade dos 4 anos, sublinhe-se) cerca de € 29.200.000 (e apenas em dois dos anos – 2016 e 2017).

30. Assim se comprova que, aquando da criação da CESE em 2014, o Governo nunca teve realmente a intenção de afectar a respectiva receita ao objectivo de redução da dívida tarifária do SEN.

31. Como nota exemplar do que vem dito, veja-se que no dia 12 de Julho de 2016 o Exmo. Senhor Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços...

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