Acórdão nº 01235/09.6BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 06 de Outubro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1235/09.6BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência de indeferimento do recurso hierárquico, contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que lhe foi efectuada em 2008 com referência à importação de uma embarcação, em 2004, no valor global de € 118.722,90, manteve a liquidação do imposto (€ 102.526,50) e anulou a liquidação dos juros compensatórios (€ 16,176,40).
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «
-
Vem o presente recurso interposto de parte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 31 de Agosto de 2020, nos autos do processo de impugnação n.º 1235/09.6BESNT, que correu termos junto da 2.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, através da qual julgou o Tribunal a quo a presente impugnação parcialmente procedente, anulando-se a liquidação impugnada apenas na parte referente aos juros compensatórios, mas, no mais, manteve a liquidação impugnada de IVA.
-
O presente recurso é assim deduzido apenas relativamente à parte da sentença que manteve a liquidação de imposto – IVA – aceitando o Recorrente o doutamente decidido relativamente à liquidação de juros (anulada).
-
Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com os fundamentos ali enunciados, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.
-
Com efeito, entende o ora Recorrente, salvo o devido respeito, que há na decisão recorrida normas jurídicas violadas, as quais obstam ao decidido.
-
O Tribunal a quo julgou a legalidade da liquidação de IVA em crise, considerando, designadamente, o preceituado nos artigos 201.º e 202.º, do CAC, uma vez que (alegadamente) o Recorrente introduziu irregularmente a embarcação “.........” em território comunitário, em 16 de Julho de 2004.
-
Sucede, contudo, que resulta da matéria de facto dada como provada – vide alínea E) – que “(A) 16.07.2004, a embarcação “.........”, com bandeira do Reino Unido e registo n.º ........., deu entrada na Marina de Vilamoura, proveniente de Barbate, pelo Capitão (“Skipper”) A………… – cf. fls. 68 do PA (2.a parte) apenso aos autos.
” (Realçado nosso) G) Da factualidade dada como provada em sede da sentença recorrida resulta inequívoco que, a ter ocorrido introdução (irregular) no território aduaneiro da Comunidade (TAC), essa introdução não ocorreu em Portugal, mas, outrossim, em Barbate, Espanha (alínea E) da matéria de facto provada).
-
A embarcação era, ao tempo dos factos e pelo menos desde 15 de Abril de 2004, propriedade de uma sociedade comercial denominada “B............ LIMITED”, com sede em Guernsey, território que não faz parte do espaço fiscal comunitário, equiparado a território terceiro, onde não se aplica a Directiva 2006/112/CE do Conselho, o que significa que as operações realizadas a partir dele ou tendo-o como destino são tratadas, face às normas fiscais, como importações ou exportações respectivamente, ou seja, quando a embarcação deu entrada no porto de Barbate, terá que se ter verificado (aí) uma introdução irregular no TAC (cfr. alíneas B) e D) da matéria de facto assente).
-
A importação de um bem ocorre no Estado-Membro em cujo território o bem se encontra no momento em que dá entrada em território comunitário, pelo que, nessa medida, a sujeição a IVA operou no Estado-Membro em que se produziu a entrada do bem (embarcação) procedente de território terceiro: Espanha.
-
In casu, não existe dívida aduaneira nos termos do preceituado no artigo 202.º, do CAC, uma vez que, repete-se, não ocorreu em Portugal a introdução irregular no TAC de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.
-
O ponto de partida da viagem até Vilamoura foi o porto de Barbate, Espanha e, portanto, de TAC (cfr. alínea E) da matéria de facto dada como assente).
-
O Recorrente não pode ser qualificado enquanto importador, residente em território nacional, para efeitos do preceituado na alínea b), do n.º 1, do artigo 2.º, do CIVA.
-
A importação da mercadoria (embarcação) a um território terceiro (Guernsey), a ter ocorrido, já se teria consolidado em território espanhol, no Porto de Barbate.
-
O Recorrente não podia, em 16 de Julho de 2004 importar mercadoria que já havia sido introduzida no TAC.
-
Nesse mesmo sentido, o Recorrente também não pode ser considerado devedor da alegada dívida aduaneira, já que não foi ele quem introduziu irregularmente a mercadoria, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 202.º, n.º 3, primeiro travessão (-), do CAC.
-
Por todo o exposto, a sentença recorrida ao decidir nos termos em que o fez (relativamente) à liquidação de IVA) violou disposições legais, maxime o preceituado nos artigos 201.º e 202.º, do CAC. IV - Pedido: Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso seja julgado procedente, por provado e, em consequência, deve ser revogada a decisão proferida em 31 de Agosto de 2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que manteve a liquidação impugnada (de IVA), tudo com as necessárias consequências legais».
1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da incompetência em razão da hierarquia. Isto, após enunciar os termos do recurso e enunciar as regras da competência em razão da hierarquia, com a fundamentação de que nos permitimos salientar o seguinte excerto: «[…] Dos termos conclusivos das Alegações de Recurso apresentadas pelo Recorrente verifica-se que este, para além de considerar errada a interpretação efectuada das normas legais aplicáveis entende que o Juiz [do Tribunal] “a quo” decidiu contra factos provados, divergindo das ilações facto que deles se retiraram.
Com efeito, designadamente, dos pontos F), G), H), K), M),N) e O) das Conclusões do Recurso apresentadas pelo Recorrente verifica-se que este alega que da factualidade dada como provada em E) e também em B) e D) do probatório resulta que não ocorreu em Portugal a introdução (irregular) no território aduaneiro da comunidade da embarcação em causa mas sim em Barbate, Espanha pelo que a importação da embarcação a território terceiro (Guernsey) já se teria consolidado em território Espanhol, não podendo o Recorrente em 16-07-2004 importar mercadoria que já havia sido introduzida no TAC nem podendo ser considerado devedor da dívida aduaneira porque não foi ele que procedeu à introdução irregular da embarcação.
Acresce que conjugando o teor das Conclusões de Recurso com o teor do alegado pelo Recorrente em 25. e 26. das Alegações de Recurso, verifica-se que ele refere também ter a sentença recorrida omitido na matéria de facto “quem e quando deu entrada da embarcação em Barbate, assim como, quanto tempo a embarcação ali foi usada e por quem”.
Ora, tais factos não vêm dados como provados e não podem ser considerados, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa.
Daquelas considerações presume-se pretender o Recorrente extrair consequências jurídicas relevantes no sentido da ilegalidade da divida impugnada por falta dos necessários pressupostos de facto e de direito.
Assim, salvo melhor juízo, a matéria controvertida neste recurso não se resolverá mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados pelo que, em nossa opinião, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito».
1.5 O parecer foi notificado ao Recorrente e à Recorrida, para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia, faculdade que apenas o primeiro aceitou, vindo dizer, em síntese, que a resolução do recurso depende, em exclusivo, da «actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos subsumidos dos factos, nomeadamente (i) afastando a qualificação do Recorrente enquanto importador nos termos do art. 2.º do CIVA, e (ii) verificando-se inerentemente, que a entrada irregular da embarcação, nos termos do art. 202.º n.º 3 do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) não é imputável ao Recorrente»; por isso, concluiu, o Recorrente não manifesta discordância alguma com a matéria de facto que a sentença deu como assente e nas conclusões de recurso F), G), H), K), M), N) e O) mais não fez do que referir-se à factualidade dada como provada sob as alíneas B), D) e E) no probatório da sentença recorrida.
1.6 Cumpre apreciar e decidir: primeiro, há que aferir da competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia para apreciar o recurso; depois, e se for caso disso (i.e.
, se concluirmos no sentido da competência), haverá que verificar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar legal a liquidação de IVA impugnada, designadamente na medida em que não levou em conta que a introdução irregular da embarcação (mercadoria sujeita a direitos de importação) no então denominado Território Aduaneiro Comunitário (TAC) não ocorreu em Portugal, em Vilamoura e em 16 de Julho de 2004, mas em Espanha, mais concretamente em Barbate, de onde procedeu a embarcação que, pelo menos desde 15 de Abril de 2004, era propriedade de uma sociedade comercial sede em Guernsey, território que não faz parte do espaço fiscal comunitário.
* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «
-
A 16.02.2004, a sociedade B............ Limited, com sede em Guernsey, Ilhas Anglo-Normandas, e o impugnante acordaram na utilização particular...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO