Acórdão nº 0929/12.3BEALM 01021/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução06 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 929/12.3BEALM (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 30-01-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto tributário de liquidação de IRS n.º 2012 250004800302, referente ao ano de 2008, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 36.342,26, bem como contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto de liquidação.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) I. Reproduz-se porque constitui matéria pertinente para a boa decisão da causa, toda a matéria de facto dada por provada pelo Ilustre Tribunal a quo, que em síntese, comprova, que o terreno e a construção, que em conjunto constituem habitação própria permanente foram atempadamente finalizados, cumprindo todos os requisitos impostos pelo n.º 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 361/2007 de 2 de novembro, para que fosse conferida ao Recorrente a exclusão de tributação prevista na Lei.

  1. Ao que parece o Ilustre Tribunal a quo interpretou a referida norma como se esta tivesse sido formulada pela negativa e não pela positiva, no entanto é entendimento dominante na doutrina que só por meio de uma interpretação a contrario sensu é que transformamos uma norma negativa numa positiva (como era defendido pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE traduzia-se na falibilidade do argumento a contrario sensu).

  2. No caso em apreço, as restrições constantes à aplicação do n.º 5 constam integralmente no n.º 6 do enunciado diploma, pelo que qualquer interpretação restritiva ao âmbito de aplicabilidade da norma resulta numa dupla exclusão.

  3. Ora, os pressupostos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação integral da aludida disposição legal de não incidência, parecem recusar em absoluto a interpretação do Ilustre Tribunal Recorrido, já que são eles exatamente os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim, e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

  4. Parece, deste modo, evidente que, o elemento literal da regra em apreço não integra, portanto, uma exclusão da exclusão, a saber - que ao valor de realização reinvestido o contribuinte tenha que optar entre: inscrever como exclusão da tributação aquisição do terreno ou a construção do imóvel - quando a Lei diretamente refere no seu n.º 5 do artigo 10.º do citado diploma que: “… São excluídos da tributação, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: …” e a própria Lei, estabelece, tipificadamente, em que situações não existe lugar à exclusão de tributação (ou seja, à exclusão das mais-valias); no Artigo 10.º n.º 6 do citado diploma.

  5. Na verdade, os nºs 5 e 6 do referido artigo 10.º formam um único corpo legislativo único, não podendo ver-se separadamente. Pelo que é entendimento do Recorrente que o argumento interpretativo da norma, baseado apenas na interpretação literal, cede tendo em conta a interpretação sistemática da lei, conforme se constata pela análise do n.º 6, mas também pelo elemento teleológico que preside à análise da citada norma legal.

  6. O argumento teleológico na interpretação da norma busca os fins sociais e bens comuns e é parte integrante da intenção legislativa. Tratando-se de hermenêutica jurídica, a sistematização da interpretação do Direito deve necessariamente passar por uma leitura valorativa constitucional, política e até sociológica.

  7. No que respeita à ratio legis da norma, como aceitar, que no espírito do legislador pairasse sequer a intenção de introduzir um elemento de descriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja habitação decomposta entre aquisição de um terreno e construção própria tenha um tratamento diferente da aquisição de uma propriedade vulgarmente denominada como “chave na mão”? IX. Pelo que, entende o Recorrente que a interpretação literal do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS à data em vigor, deve ser ainda condicionada pelo espírito da aludida disposição normativa. Ou seja, pela política legislativa-constitucional que lhe está subjacente; X. Verifica-se que as mais-valias imobiliárias são genericamente tributáveis em sede de IRS, enquanto incrementos patrimoniais; e que a exclusão de incidência de tributação (delimitação negativa de incidência) ao aplicar-se apenas aos casos em que o valor obtido com a alienação de imóvel para habitação própria permanente é investido na compra de outro imóvel com o mesmo destino, busca favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente, eliminando os obstáculos das famílias na aquisição e alteração de casa própria.

  8. Entende o Recorrente que discriminar as famílias com base em terem adquirido terreno e efetuado construção de habitação própria não vai de encontro, quer quanto ao argumento literal, que como se viu não está verdadeiramente a autonomizar em que casos se aplica a exclusão, quer de encontro à interpretação sistemática, uma vez que a norma, artigo 10.º do citado diploma, expressamente prevê, no seu n.º 6 em que situações não se aplica a exclusão de tributação.

  9. E por fim a interpretação efetuada pelo Ilustre Tribunal a quo, não tem em conta os mais básicos princípios constitucionais aplicáveis, nomeadamente, o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) pois quem compra uma habitação já completada, pelo mesmo preço, do que quem adquire o terreno e a constrói; tem uma maior vantagem, não respeitando o princípio informador da capacidade contributiva e o da igualdade fiscal.

  10. Afasta-se também do Principio da Verdade Material que decorre naturalmente do Principio da Legalidade, que estipula qual deve ser o objetivo do procedimento fiscal e contencioso tributário, pois a Administração Fiscal e o Ilustre Tribunal Recorrido, ao restringir o âmbito das exclusões tributárias, sem ter em conta o âmbito de todo o diploma e outra legislação e a Constituição da República Portuguesa; ao analisar e fundamentar apenas e meramente com recurso à letra do dispositivo enunciado no n.º 5 do artigo 10.º do já referido e citado diploma, está como que a legislar. Âmbito que saí fora das suas funções e atribuições jurídico-constitucionais, de acordo com o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da C.R.P..

  11. Ao fazer-se uma interpretação restritiva da norma em crise, de forma a excluir do seu âmbito de incidência, situações em que o sujeito passivo adquire o terreno e faz a construção, entendendo-se que o valor sobre o qual se aplica o benefício fiscal é apenas o do terreno ou o da construção, é necessariamente o mesmo que tributar o valor restante, colocando-o no âmbito da incidência do imposto; ato administrativo em absoluto contrário aos ditames constitucionais (inconstitucionalidade orgânica).

  12. Ora, sendo certo ser a indiscutível densificação dogmática do princípio da tipicidade legal que determina que o imposto deve ser desenhado de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais e interpretação, e não se detetando qualquer falha a esse nível na norma em crise, tudo indicará que, para além de ilegal, a aplicação efetuada da norma ao caso concreto é igualmente desconforme aquele preceito constitucional.

  13. Por outro lado, a exclusão da tributação, tendo em conta a utilização exclusiva do argumento literal e das disposições comuns de interpretação de normas, do artigo 9.º do C.C., conforme fez o Ilustre Tribunal a quo, e desconsiderando os princípios e normas subjacentes ao ramo do direito em causa, o Direito Fiscal, não se coaduna com as regras aplicáveis a este ramo do direito, no âmbito das quais o direito civil é aliás o ramo do direito mais distante, veja-se o artigo 2.º da LGT e ainda como refere o n.º 3 artigo 11.º da LGT: "… Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários ...”.

  14. Ora, um terreno para construção adquirido com a finalidade do proprietário nele instalar uma habitação, neste caso casa de morada de família, fica a constituir uma realidade indivisível, quando a construção é completada. Tanto mais que a inscrição na matriz é única e una, dá origem a um único artigo matricial, e a uma única descrição registral, pois são realidades indissociáveis.

  15. Ora este é o critério jurídico e económico de habitação, estrutura habitacional que tem que estar implantada num terreno, constituindo uma única realidade, esse é o entendimento que retira o recorrente do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.º 07073/13, datado de 12 de Dezembro de 2013 (Cujo Relator foi o Ilustre Juiz Desembargador o Sr. Dr. JOAQUIM CONDESSO). Ou seja, o Ilustre Tribunal Superior, não faz qualquer tipo de dissociação entre realidades advenientes da aquisição e construção, antes da unicidade do imóvel desde que os prazos legais estejam devidamente respeitados.

  16. Por outro lado, acresce ainda que, a Ilustre Sentença recorrida sustenta a referida alteração sustentada pelo facto de o legislador, na...

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