Acórdão nº 01468/15.6BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução06 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………………, com os sinais dos autos, propôs no TAF de Leiria, acção administrativa contra o Ministério das Finanças, pedindo a anulação do despacho da Subdirectora-geral da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datado de 4 de Maio de 2015, que indeferiu o recurso hierárquico que a mesma havia interposto do despacho proferido pela Chefe de Divisão de Concepção da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datado de 18 de Dezembro de 2014.

2 - Por sentença de 30 de Abril de 2021, o TAF de Leiria julgou a acção Improcedente.

3 - Inconformada com sentença do TAF de Leiria, a Demandante vem interpor recurso da mesma, apresentando, para tanto, alegações, que conclui da seguinte forma: «[…] 1º Ao julgar a recorrente como uma entidade sujeita à obrigação acessória de apresentação de declaração de IRC (modelo 22), quando esta é entidade não sujeita, apenas auferindo rendimentos não sujeitos a IRC, a sentença recorrida viola por errada interpretação e aplicação os artigos 29.º, n.º 1 da Concordata e 117.º, n.º 6 do CIRC.

2º Ao contrário do entendimento expresso no ato impugnado e sustentado pelo Tribunal a quo, só as pessoas jurídicas canónicas que, além dos fins religiosos, também desenvolvam atividades com fins diversos dos religiosos – como sejam os fins comerciais e lucrativos –, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade, mantendo-se não sujeitas a imposto, nos termos do artigo 26.º, n.º 1 da Concordata, as demais pessoas jurídicas canónicas, como é o caso da Recorrente.

3º A interpretação adotada pelo Tribunal a quo deve considerar-se, «excessiva no plano formal e pouco razoável no plano material, na medida em que a autora, não estando sujeita a tributação em IRC (sublinhe-se, não se trata de uma isenção, mas sim de uma situação de não sujeição ao imposto) pelo exercício da sua actividade económica, teria, contudo, que apresentar anualmente a declaração modelo 22, mesmo quando não tivesse despesas sujeitas a tributações autónomas para declarar. Em outras palavras, para não ficar abrangida pela norma que prevê a aplicação de uma contra-ordenação pela não apresentação da declaração modelo 22, a Autora, mesmo que não tivesse realizado nenhuma despesa sujeita a tributação autónoma, seria ainda assim obrigada a apresentar a declaração de rendimentos com a inscrição de 0€. Ora, uma tal interpretação não pode proceder. Os princípios da simplificação e da boa fé que informam as relações jurídicas tributárias afastam a prática de actos inúteis com carácter obrigatório sempre que os mesmos não resultem de uma obrigação legal expressa, como é o caso aqui a respeito da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos de um imposto, por parte de um sujeito passivo que não está abrangido por ele. E esta solução não é contrariada por nenhuma norma legal, designadamente pelo disposto no artigo 117.º do CIRC, onde apenas se regula a obrigação declarativa dos sujeitos passivos de IRC.» - cfr., Ac. do STA, de 14.10.2020, no Proc. n.º 0494/13.4BEAVR, in www.dgsi.pt..

4º Numa correta interpretação e aplicação do artigo 117.º, n.º 6 do CIRC, na redação vigente ao momento da prática do ato impugnado, extrai-se que os sujeitos que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC não podem ser tidos como onerados com uma obrigação de declaração de rendimentos de IRC, o que representaria uma solução absurda e inútil, atentando contra as regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil) e contra os princípios que devem nortear a administração tributária e a relação tributária num moderno Estado de Direito.

5º A Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), veio dar nova redação ao artigo 117.º, n.º 6 do CIRC, consagrando em expressa letra de lei que «as entidades que apenas aufiram rendimentos não sujeitos a IRC» também estão dispensadas de apresentar a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22), solução que já poderia ser alcançada por via interpretativa contextualmente integrada e enformada pelos princípios da simplificação, da boa fé e da proibição da prática de atos inúteis.

6º Os parcos factos dados por assentes e elencados nos pontos 1 a 7 dos factos provados, mesmo que neles se vissem «indícios» de atividades de fins não religiosos – o que não é o caso –, são manifestamente incipientes para demonstrar que a Recorrente exerce atividades comerciais ou lucrativas ou aufere rendimentos sujeitos a tributação de IRC, ou para servir de base sólida para tal inferir tal conclusão, ónus probatório que incumbe à AT.

7º A demonstração de que a Recorrente aufere rendimentos sujeitos a IRC – ónus que incumbe à Administração Tributária – deve assentar na prova de factos que tal permitam concluir em juízo de certeza, não bastando o apuramento de factos desligados que poderiam, quanto muito, servir de indícios em conjugação com outros que no caso não se provaram nem se podem inferir.

8º A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e fez errada interpretação e aplicação dos artigos 117.º, n.ºs 1 e 6 do CIRC, 26.º da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé e das normas que regulam o ónus da prova no procedimento e processo tributário, uma vez que os factos apurados nos autos, são objetivamente incapazes de satisfazer o ónus que incumbia à Administração Tributária de demonstrar que a Recorrente exercera qualquer atividade de escopo comercial, industrial ou agrícola ou que auferira rendimentos sujeitos a tributação de IRC.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.

Assim se decidindo se cumprirá o Direito e se fará JUSTIÇA!.

[…]».

4 – A Entidade Demandada apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1º Por via do recurso, pretende a Recorrente reagir contra a sentença proferida a 2021-04-30, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos termos da qual foi julgada improcedente a Ação Administrativa; I 2º A Recorrente dirige o seu Recurso ao ST, imputando-lhe erro de julgamento exclusivamente em matéria de Direito; 3º Alegar que o tribunal a quo falhou ao dar como provados facto que constituem meros indícios e simultaneamente defender que a Recorrida não cumpriu o ónus da prova não são questões exclusivamente atinentes a matéria de Direito, pois está em causa a emissão de um juízo crítico, pelo tribunal ad quem, sobre a valoração da prova realizada pelo tribunal a quo; 4º O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente ao primeiro erro de julgamento, uma vez que a questão de direito tem como pressuposto prévio a existência, ou não, de operações económicas por parte da Recorrente, facto que a Recorrida demonstrou existir e que a Recorrente se recusa a reconhecer; 5º Dado que o Recurso não contende exclusivamente com a discussão de matéria de direito, o mesmo deveria ser dirigido ao Tribunal Central Administrativo, e não ao STA, uma vez que a este último apenas cabe a competência para conhecer de recursos cuja discussão se prende exclusivamente com questões de direito; II 6º Alega a Recorrente que o tribunal a quo falhou na interpretação artigos 117.º, n.os 1 e 6, do CIRC e 26.º da Concordata, contudo a sua argumentação não tem qualquer suporte factual, legal e teológico; 7º A Recorrida demonstrou em sede de 1.ª instância e o tribunal a quo julgou provado que a Recorrente não exerce exclusivamente atividades com “fins religiosos”, dado que vende DVD, vídeos e refeições; 8º O artigo 21.º/1 da Lei da Liberdade Religiosa é bastante claro ao elencar as manifestações do “fim religioso”, a saber: o exercício do culto e dos ritos; a assistência religiosa; a formação dos ministros do culto; a...

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