Acórdão nº 5819/17.0T9LSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelALFREDO COSTA
Data da Resolução29 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

RELATÓRIO 1.1.

No processo instrução número 5819/17.0T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, - Juízo Instrução Criminal – Juiz 5, foi proferido despacho de arquivamento relativamente aos denunciados crimes de e difamação, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 183º nº 1, alíneas a) e b) e nº 2 Código Penal e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º nºs 1 e 2, 183º nº 1, alíneas a) e b) e nº 2 do C. Penal, com referência ao art. 71º da Lei 27/2007, de 30 julho contra os arguidos GM____ ; JL____ AN____ SF____; MA____ e RS____ * 1.2.

Discordando daquela decisão de não pronúncia, os assistentes Ordem dos Enfermeiros, AC____, LB____, RM____, AF____, SO_____, NB_____ e MC____ vieram interpor recurso, com as seguintes conclusões: 1) O presente recurso tem por objeto a decisão instrutória de 29.01.2021, nos termos da qual se decidiu não pronunciar os Arguidos GM_____, JL_____, AN_____, MA_____, RS_____, pela prática, por cada um destes, de 7 (sete) crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelos artigos 187º, n.° 1, 183º, n.° 1, alíneas a) e b), e n.° 2, do CP, e tendo por referência o artigo 71.° da Lei da Televisão, e de 1 (um) crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva agravada, previstos e punidos pelos artigos 187.°, n.º 51 e 2, e 183º, n.° 1, alíneas a) e b), e n.º 2, do CP, tendo também por referência o artigo 71.° da Lei da Televisão.

2)Os Assistentes apenas concedem e concordam com a não pronuncia do Arguido SF____, uma vez que resultou da prova produzida na instrução que este não visualizou nem autorizou a emissão da reportagem.

3)Em primeiro lugar, a decisão instrutória ora em crise não cumpriu sequer com os mínimos requisitos formais de um despacho de não pronúncia, por não ter enumerado quais os factos que considerou suficientemente indiciados e suficientemente não indiciados, em evidente violação do artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do CPP, aplicável ex vi artigo 308.°, n.° 2, do mesmo diploma.

4)Decorre da legislação processual penal e é entendimento constante da jurisprudência dos tribunais superiores, que da interpretação conjugada dos artigos 308.°, n.° 2, e 283.°, n.° 3, alínea b), do CPP, resulta para o juiz de instrução criminal o mandado de elencar no despacho de não pronúncia os factos indiciados e não indiciados.

5) A sanção que a lei comina para este incumprimento do dever de o juiz de instrução criminal enumerar os factos indiciados e não indiciados é a da nulidade desse despacho de não pronúncia, uma vez que o artigo 283.°, n.° 3, do CPP, para o qual remete o artigo 308.°, n.° 2, do mesmo diploma legal, expressamente estabelece que o incumprimento do dever de elencar os factos deve ser observado "sob pena de nulidade", nulidade essa de que o Tribunal ad quem pode conhecer em sede de recurso.

6)Assim sendo, invocam os Assistentes, expressamente e para todos os efeitos legais, a nulidade do despacho ora recorrido, nos termos dos artigos 283.°, n.° 3, alínea b), e 308.°, n.° 2, do CPP, por violação do dever de enumeração dos factos considerados indiciados e não indiciados.

7)Caso assim não se entenda — o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio e por cautela de patrocínio —, a violação daqueles artigos pelo despacho de não pronúncia ora recorrido sempre consistirá em irregularidade, nos termos do artigo 123.° do CPP, devendo tal despacho ser revogado e substituído por um outro que supra a omissão de fundamentação consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e não indiciados.

8) Assim, tudo o resto que se deixa alegado no presente recurso é feito por extrema cautela de patrocínio, sem conceder na questão da nulidade do despacho.

9) Como resultava claro já da acusação, o enquadramento fáctico do caso dos presentes autos prende-se com a reportagem de 12.02.2017 e com as peças jornalísticas dos 13.02.2017 e 21.02.2017 emitidas no cAC___l TVI, da autoria da Arguida AC___ .

10) A reportagem e as peças jornalísticas em causa nestes autos têm como conteúdo principal uma entrevista aos Arguidos JL_____ e GM_____.

11) O Arguido JL_____, diretor administrativo e financeiro da Ordem dos Enfermeiros, foi alvo de investigações no âmbito dos processos-crime n.º 924/15.OTELSB e 981/16.2TDLSB, por factos relacionados com o exercício das suas funções, sendo que, na sequência desses processos e da tomada de conhecimento pelo conselho diretivo da Ordem dos Enfermeiros de factos praticados pelo Arguido JL_____ que poderiam indiciar a prática de ilícitos disciplinares graves, foi deliberado por aquele órgão, por unanimidade, em 26.10.201.6, a instauração de processo disciplinar contra o Arguido JL_____, bem como a sua suspensão preventiva.

12) A Arguida GM_____ , vice-presidente do conselho diretivo, também fora suspensa do exercício das suas funções na sequência de uma deliberação do plenário do conselho jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, em 20.01.2017, de abertura de um procedimento com vista à deliberação sobre a perda de cargo de vice-presidente do conselho diretivo e um outro correspondente a processo disciplinar, uma vez que haviam sido detetados indícios da prática de várias irregularidades no exercício das suas funções.

13) Na sequência de tais deliberações e processos, os Arguidos GM____— que já antes ameaçara denegrir a reputação da Assistente Ordem dos Enfermeiros e o bom nome e credibilidade das pessoas singulares ora Assistentes — e JL____, que mantinham, à data, uma relação de cariz amoroso, uniram esforços e, ultrapassando qualquer limite do aceitável, em manifesto abuso da liberdade de expressão, iniciaram uma autêntica campanha de ódio contra a Ordem dos Enfermeiros, acusando os seus membros, de irregularidades e ilegalidades na gestão e na contabilidade da Ordem dos Enfermeiros e atacando a própria Ordem.

14) Na reportagem e nas peças jornalísticas referidas, com o suposto propósito de escrutinar as contas da Ordem dos Enfermeiros, os Arguidos afirmam não só que os Assistentes pessoas singulares, na sequência de um acordo de compensação remuneratória previamente celebrado, terão sido reembolsados pela Ordem dos Enfermeiros de despesas fictícias ou terão recebido ajudas de custo fictícias, que terão ascendido a largos milhares de euros, mas também que a Assistente Ordem dos Enfermeiros terá suportado avolumadas despesas pessoais dos Assistentes pessoas singulares.

15)Imputam ainda os Arguidos aos Assistentes pessoas singulares uma pretensa má gestão da Ordem dos Enfermeiros, e bem assim uma suposta condenação da Ordem dos Enfermeiros por assédio moral.

16) Ou seja, os Arguidos imputam aos Assistentes a prática de factos suscetíveis de violar a lei e os princípios basilares que regem a atuação da Ordem dos Enfermeiros, com a agravante que se tais factos (falsos) fossem verdadeiros poderiam, eventualmente, consubstanciar a prática de ilícitos, chegando, porventura, ao âmbito do direito criminal, tal como a reportagem, aliás, umas vezes insinua, outras vezes afirma.

17) O despacho ora recorrido mostra, com a transparência possível, que a apreciação da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo foi, salvo o devido respeito, indolente e pouco rigorosa, não só relativamente aos indícios que resultam dos autos e que confirmam a falsidade das afirmações dos Arguidos, mas também quanto à real perceção da falsidade desses factos por parte destes, como se demonstra ao longo do presente recurso.

18) A verdade é que, não foi, em momento algum, desde o dia em que os Assistentes pessoas singulares tomaram posse, em 30.01.2016, celebrado pelos Assistentes pessoas singulares qualquer acordo de compensação remuneratória através do reembolso de despesas fictícias ou de ajudas de custo fictícias.

19) Nem foram, de igual forma, reembolsadas quaisquer despesas fictícias ou pagas quaisquer ajudas de custo fictícias aos Assistentes pessoas singulares, ou sequer quaisquer despesas pessoais.

20) É também completamente falso que a Assistente Ordem dos Enfermeiros tenha sido "autuada" pela Autoridade para as Condições do Trabalho por assédio moral à Arguida RS____, como é afirmado na reportagem, tendo existido efetivamente um processo de contraordenação por assédio moral, mas tal processo estava ainda pendente quando foi divulgada a reportagem, não tendo sido até esse momento aplicada qualquer coima à Ordem dos Enfermeiros no âmbito do mesmo.

21)Acresce que, por outro lado, no despacho ora recorrido, entendeu o Tribunal a quo que, mesmo que os factos difundidos pela reportagem fossem falsos, não teriam tido os Arguidos a consciência ou o conhecimento dessa mesma inveracidade.

22) Sucede que, além de tanto da prova documental, da prova testemunhal e, ainda, dos contributos dos Assistentes ter resultado evidente que os factos em causa nos presentes autos afirmados pelos Arguidos são manifestamente infundados e falsos, a verdade é que todos os Arguidos estavam conscientes dessa inveracidade, não restando qualquer espaço para uma qualquer "aparência de verdade".

23)Sempre foi do conhecimento dos Arguidos JL_____ e GM_____, tendo presentes os cargos por si ocupados e a sua proximidade em relação à estrutura e organização da Ordem dos Enfermeiros, que não foi celebrado qualquer acordo de compensação remuneratória.

24)Ademais, sempre souberam os Arguidos JL_____ e GM_____ que os vencimentos que aufere o Assistente LB____ estão em conformidade com a lei e com o Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, o que em nada se confunde com o reembolso de despesas fictícias ou o pagamento de ajudas de custo fictícias.

25) Como bem sabiam os Arguidos GM_____ e JL_____ que era completamente falso que o pagamento das rendas dos apartamentos onde ficam alojados os Assistentes LB_____ e AF____ correspondessem ao pagamento de despesas pessoais, como se afirma na reportagem.

26) Quanto aos subsídios que a reportagem...

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