Acórdão nº 96/19.1GFVFX.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Data da Resolução29 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acórdão proferido na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Nos presentes autos veio HC......

interpor recurso da decisão proferida em 1ª Instância na parte em que, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1, alínea a), e nº 2 do Código Penal na pena de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova.

Apresentou para tanto as seguintes conclusões 1.º O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1, alínea a), e nº 2 do Código Penal na pena de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova.

  1. O presente recurso tem como objeto a invocação dos vícios da sentença previstos nos nº1 e nº 2, alíneas a) e c) do artigo 410.º do CPP.

  2. Não podem os mesmos ser dados como provados os pontos 4. e 5. Dos factos provados.

  3. Tais factos a constituírem crimes, encontram-se prescritos já, pois a conforme depoimento da testemunha MA......, que aos 03m: 50s referiu “eu residiatéhá 8 anos atrás,foi quando eucasei”, logo sendo os factos alegadamente praticados pelo arguido durante toda a relação, e até há 10 anos já prescreveram, nos termos da conjugação dos artigos 118.º nº 1 alínea b) e 152.º nº 1 do Código Penal.

  4. Quanto aos restantes factos dos últimos dois anos, o depoimento da referida testemunha MA......

    não pode ser valorado mais do que os das outras testemunhas, nomeadamente a testemunha AM......

    (aos 3m:00s, 3m:00s).

  5. Ora, daqui resulta que não pode o depoimento destas testemunhas suportar os factos dados como provados nos pontos 4. e 5..

  6. O depoimento da ofendida não pode ser valorado considerando os relatórios de fls. 264/268 e 279, dados como provados no seu essencial, considera a capacidade de testemunho prejudicada pela extrema lentidão cognitiva e dificuldade em conservar em memória e reproduzir os acontecimentos que presenciou e que na altura do julgamento a capacidade da utente testemunhar está comprometida, por dificuldade em relatar eventos recentes e orientação tempo temporal no entanto sem compromisso da memória autobiográfica para eventos de vida mais antigos.

  7. O tribunal refere que as MA......, JM...... e VM......, presenciaram alguns desses factos.

  8. A valoração dada pelo tribunal ao depoimento da testemunha MA......

    não pode ter uma valoração diferente do que as restantes, que afirmaram precisamente e contrário, sendo que esta testemunha e a testemunha JR......

    não presenciaram os factos do dia 15.03.2019 constituindo assim uma prova indireta.

  9. Os factos dos pontos 6. e 7. dos factos provados têm que ser dados como não provados, tendo que se considerar também aqui o que supra se disse sobre ao depoimento da ofendida, a única que presenciou os factos, não tendo nenhuma das outras testemunhas presenciado os mesmos, como o caso da testemunha MM......, “não presenciou aos mesmos”.

    A própria testemunha refere aos 14m:32s que “sabe dos factos porque a mãe lhecontou”.

  10. A testemunha VM......

    referiu ouvir discussões entre o casal e que ouviu a expressão constante do ponto 4. dos factos provados. A ser verdade, esta testemunha ouviu apenas proferir essa expressão no dia 15.03.2019, ora, tal não é o suficiente para qualificar esse facto como sendo violência doméstica. O mesmo com os depoimentos das testemunhas MA......

    (aos 14m: 32s), AM......

    (aos 3m:0s), AR......

    (aos 2m:12s, 2m:53s e 6m:38s) e JR......

    (aos 3m:48s), e testemunha IG......

    (aos 4m:50s).

  11. Acresce ainda que a ofendida estava sempre descontente com o arguido com as horas a que o arguido chegava a casa, e suspeitar que este tinha uma amante e por causa da construção da casa, e então neste caso está excluída a tipificação do tipo legal do crime de violência doméstica.

  12. Foram assim erradamente os factos dos pontos 6. e 7. considerados factos provados.

  13. Tais factos foram erradamente dados como provados porque o tribunal não valorou os depoimentos das testemunhas AR......

    (aos 2m:12s, 2m: 53s, 3m:15s, 3m:47 e 6m:0s) e AM......

    (aos 6m:32s e 6m:38s).

  14. Ainda que restassem dúvidas, impõe-se lançar mão do princípio in dubio pro reo e resolver de forma mais favorável para o arguido.

  15. O Tribunal fez uma errónea apreciação da prova, chegando mesmo a contrariar as regras da lógica e da experiência e a retirar relevância probatória a alguns factos apreciados, cometendo, neste particular, erro de julgamento.

    **** Pronunciou-se o MP em 1ª Instância 1. É verdade que o depoimento da vítima foi pouco espontâneo e fluído, insistindo e retomando constantemente a episódios de um passado mais longínquo, o que se entende ter ficado a dever, não só às suas dificuldades auditivas e estado de ansiedade, que eram notórios, mas sobretudo ao facto de padecer de demência, conforme registos clínicos junto aos autos. Todavia, sempre se dirá que foi capaz de relatar ao Tribunal que o arguido, seu marido, lhe dizia nas discussões que ela não prestava para nada e que a agredia com estalos e que, no dia em que o confrontou por causa da relação extraconjugal que ele mantinha, ele apertou-lhe o pescoço.

    1. O relatório pericial de psiquiatria realizado à ofendida concluiu pela existência de uma síndrome demencial, que é caracterizado por alterações das capacidades cognitivas, em vários domínios cognitivos, sendo o mais relevante, a afetação da memória e que provavelmente à data da sessão de julgamento de 25-09-2020, a examinada teria uma capacidade de testemunho prejudicada pela extrema lentidão cognitiva e dificuldade em conservar em memória e reproduzir os acontecimentos que presenciou.

    2. Todavia, ao mesmo relatório pareceu plausível, que à data da denúncia a vítima tivesse mais capacidade para relatar factos e que houve uma deterioração entretanto do seu estado mental.

    3. No mesmo sentido, uma “informaçãoclínica”do médico neurocirurgião Dr.VL......, junta aos autos, datada de 30/04/2019, que atesta que naquele momento ME......

      se encontrava “lúcida, adaptada, consciente e apta a desempenhar tarefas da vida diária.” 5.

      A avaliação de neurologia à ofendida solicitada pelo Tribunal considerou que a ofendida não apresentou evidênciade desorientação espacial, defeito de linguagem nomeadamente compreensão verbal simples,defeito dememória autobiográfica para eventos de longa data,nem sinais de alterações do pensamento, nomeadamente delírio persecutório, alucinações ou outros sintomas de natureza psicótica.

    4. O Militar da GNR, que inquiriu a ofendida durante a fase de inquérito, corroborou a sua capacidade de testemunho mais intacta nessa data do que à data do julgamento.

    5. Assim, da conjugação destas avaliações médicas com a apreciação do depoimento da ofendida, naturalmente conjugada com as declarações das restantes testemunhas, nomeadamente da filha, do genro, do médico VL......

      e do Militar da GNR, são de valorizar as declarações de ME.......

    6. E ainda que se entendesse como completamente afetada a capacidade de testemunho da ofendida, sempre se dirá que a valoração do depoimento indireto não é absolutamente proibida, tal como prevê o artigo 129.º, n.º 1, do CPC, que permitiria o depoimento de ouvir dizer, no caso em apreço, das testemunhas referidas no parágrafo anterior em virtude de anomalia psíquica superveniente.

    7. Da conjugação dos relatos tanto da vítima como das testemunhas MA...... e AR......, filha e genro da ofendida, é percetível que relatam uma situação contínua de agressividade verbal, física e psicológica contínua desde o início da relação conjugal da vítima e do arguido, pelo que tal continuidade (que durou até ao dia 15/03/2019, quando a ofendida abandonou a casa morada de família) não pode ser olvidada, não se podendo, assim, concordar com a ocorrência de uma alegada prescrição.

    8. O facto de as testemunhas AR...... e AM......

      terem dito perante o Tribunal que nunca assistiram a qualquer episódio de violência do arguido perante a ofendida, não descredibiliza o depoimento no sentido contrário das testemunhas MR......, JR...... e VM.......

    9. Nem todo o depoimento das testemunhas MR......, JR...... e VM......

      é indireto, designadamente quanto ao que viram (estalos e marcas de agressões) e ouviram (expressão “não prestas para nada”).

    10. O crime de violência doméstica não depende dos motivos da violência, pelo que não releva se as agressões psicológicas, verbais ou físicas decorrem de discussões motivadas por ciúme, dinheiro ou outra.

      * Nestes termos, DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER CONFIRMADA.

      *** Neste Tribunal emitiu a Digna Procuradora-Geral adjunta parecer no sentido de que no caso dos autos, é para nós claro, que não existe prescrição a invocar.

      Por todo o exposto e demais argumentação apresentada pela magistrada do Ministério Público da Primeira Instância, o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

      *** Da decisão sob recurso resulta: FACTOS PROVADOS: 1 - O arguido HC......

      e a ofendida ME......

      foram casados entre si cerca de 43 anos.

      2 - O arguido e a ofendida têm uma filha em comum, maior de idade, MVGAR.......

      3 - O arguido e a ofendida estabeleceram a residência comum em Casal P..., nº ..., r/c --..., E... M... G..., V... F... X....

      4 - Durante toda relação amorosa era habitual o arguido dizer à ofendida que esta “não prestava para nada”.

      5 - Durante toda relação amorosa, em algumas discussões, o arguido desferiu chapadas na face da ofendida.

      6 - No dia 15/3/2019, na residência comum, ocorreu uma discussão entre a ofendida e o arguido, porque aquela o acusou de ter uma relação extraconjugal.

      7 - Durante essa discussão, o arguido abeirou-se da ofendida e apertou-lhe o pescoço com as duas mãos, causando-lhe dores.

      8 - Após estes factos, a ofendida abandonou a residência comum.

      9 - No dia 12/4/2019, pelas 16h30, o arguido dirigiu-se até à residência sita na Estrada da Câmara Municipal nº 1...., pois sabia que aí se...

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