Acórdão nº 2312/09.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório C………….. Projetos, ……., SA. deduziu impugnação judicial contra o Despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa que indeferiu a Reclamação Graciosa do ato de liquidação adicional n.º ………….., de 17/03/2008, relativa a IRC do exercício de 2003.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 525 e ss. (numeração do SITAF), datada 28/10/2020, julgou a impugnação parcialmente procedente, anulando a liquidação impugnada, na parte referente à correcção relativa a omissões de proveitos obtidos com a alienação das frações KB, OD, OI, RA, BV e GA.

A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença. Alega nos termos seguintes: «A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 28/10/2020, o qual julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação parcial do acto de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º ………….., no valor de €28.587,72 referente ao período de tributação de 2003, na parte referente às fracções KB, OD, OI, RA, BV e GA.

  1. Com o devido respeito que a douta Sentença nos merece, a Representação da Fazenda Pública considera que a decisão do Tribunal “a quo” foi baseada numa errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, padecendo de erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, no que concerne à correcção aritmética resultante da falta de contabilização pela Espaço Urbano, no ano de 2003, dos proveitos realizados com a venda das fracções designadas pelas letras KB, OD, OI, RA, BV e GA.

  2. De acordo com o princípio da especialização dos exercícios, os proveitos e custos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito (artigo 18.º, n.º 1 do CIRC).

  3. A regra estatuída no n.º1 do artigo 18.º do CIRC sofre, porém, a excepção regulada no seu n.º 2, de acordo com a qual, as componentes positivas e negativas só não são imputáveis ao respectivo exercício quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

  4. Com efeito, não se poderá olvidar, em matéria de valoração da prova produzida nos autos, que os factos constantes dos Relatórios de Inspecção supra identificados, juntos aos autos, encontram-se provados com força probatória plena, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º e 347.º do Código Civil e n.º 5 do art. 607.º do CPC).

  5. A presunção legal de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT, não se verifica nos casos elencados nas diversas alíneas do n.º 2 daquele normativo (art. 75.º, n.º 2 da LGT), pelo que, demonstrada qualquer uma das situações previstas nesse número, não funciona a presunção legal, aplicando-se a regra geral do ónus da prova prevista no art. 74.º da LGT e no art. 342.º do Código Civil e, portanto, caberá ao contribuinte o ónus da prova da veracidade e de boa-fé das suas declarações e da veracidade e boa-fé dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita.

  6. No caso concreto, resulta demonstrado nos autos de primeira instância que a AT constatou, em sede de fiscalização, que os proveitos com as vendas das referidas fracções, componentes positivas do lucro tributável foram, indevidamente, contabilizados num dado ano, por violação do princípio da especialização dos exercícios, provando os pressupostos legitimadores da sua actuação, ou seja, os pressupostos constitutivos do seu direito à liquidação (n.º 1 do art. 74.º da LGT).

  7. Por seu lado, a Impugnante, ora recorrida, não logrou demonstrar que a Espaço Urbano se encontrava no exercício em causa numa das situações excepcionais previstas no artigo 18.º do Código do IRC.

    I. Pelo supra exposto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, deveria ter sido julgado como não provado o seguinte facto: “Os custos referentes ao exercício de 2003, no valor de € 276.475,16, eram manifestamente imprevisíveis”.

  8. Sem prescindir, da leitura da fundamentação de direito da douta Sentença exarada constata-se que o Ilustre Julgador conclui no sentido de que, efectivamente, ocorreu no caso concreto, violação do princípio da especialização dos exercícios.

  9. A Fazenda Pública não discute este segmento da sentença, considerando que a mesma se revela adequada à realidade dos factos e das normas aplicáveis, conforme supra explanamos.  L. Não obstante, a Fazenda Pública não se conforma, pois, com a douta sentença quando decide não aplicar o referido princípio da especialização dos exercícios, por considerar que da aplicação do princípio se cria em concreto um resultado substancialmente injusto, tendo determinando a anulação do ato impugnado por aplicação do princípio da justiça previsto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, concluindo que a AT não deveria ter procedido à correção.

  10. Com efeito, dos autos de primeira instância não resulta demonstrado que a contabilização dos proveitos em anos diferentes daquele em que os mesmos deverão ser considerados segundo as normas tributárias não terá sido intencional, pois dos autos não resulta demonstrada a situação tributária da Espaço Urbano quer nos anos em que foram contabilizados os referidos proveitos quer entre esses anos e o ano de 2003, de forma a que se possa concluir que não existiu manipulação de resultados, de modo a permitir, por exemplo, com o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas.

  11. Contrariamente ao que considera o Ilustre Tribunal “a quo”, a Impugnante, ora recorrida, não logrou demonstrar, conforme era seu ónus ao abrigo do disposto no art. 74.º da LGT e no art. 342.º do Código Civil, que se encontrava no exercício em causa numa das situações excepcionais previstas no artigo 18.º do Código do IRC e que os erros contabilísticos não resultaram de omissões voluntárias.

  12. Ainda sem prescindir, não se poderá deixar de denotar que, ainda que se considere ser de apreciar no caso concreto a violação do princípio da justiça, os princípios previstos no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa devem ser observados no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade de escolha de alternativas de decisão, ainda que apenas em parte, funcionando pois como limites internos dessa actividade, não relevando, assim, no domínio da actividade administrativa na parte em que esta seja vinculada.

  13. Ora, no caso concreto, e atentas as disposições legais dos artigos 17.º e 18.º do Código do IRC, não se poderia equacionar a existência de qualquer margem de livre apreciação por parte da AT, ao constatar que o sujeito passivo não organizou a sua contabilidade de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

  14. Com efeito, como é consabido, a AT encontra-se vinculada ao princípio da legalidade tributária, previsto nos art. 8.º e 55.º da LGT, sendo o mesmo, nas suas vertentes de precedência de Lei e de Primado da Lei, limite, pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa.

  15. Por outro lado, não se poderá olvidar que a AT prossegue, na sua actuação, a prossecução do interesse público, enquanto princípio também ele consagrado constitucionalmente, no n.º 1 do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa (vide art. 5.º da LGT), bem como o princípio da tributação sobre o rendimento real, previsto no n.º 2 do art. 104.º da Constituição da República Portuguesa e expressão do princípio da capacidade contributiva.

  16. Ora, no caso concreto, estando a causa a obtenção de um imposto comprovadamente devido, não se encontrando demonstrado que a actuação da Espaço Urbano em diferir a contabilização dos proveitos, em violação com as normas fiscais que determinam a anualização do rendimento e garantem a tributação real do rendimento, não resultou de manipulação intencional de resultados, não se poderá concluir que não existiu, efectivamente, um prejuízo para o Estado no caso concreto e, como tal, que não se verifica interesse público na actuação da AT.

  17. Com efeito, e contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo” não se verifica, no caso concreto, qualquer confronto entre os dois valores em questão, o princípio da especialização dos exercícios e o princípio da justiça, ambos com cobertura legal, pois que não resulta demonstrada qualquer situação objectivamente injusta que permita, assim, a preterição do princípio da especialização dos exercícios, o princípio da legalidade, o princípio de prossecução do interesse público e o princípio da igualdade.

  18. Face ao exposto, a correcta solução a adoptar no caso concreto seria, portanto, em nosso entendimento e salvo o devido respeito por melhor opinião, que a AT não deveria abster-se de actuar e de efectuar as correções fiscais que se encontram expressamente previstas na Lei.

    V. Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta Sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto nos artigos 104.º, n.º 2 e 266.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, artigos 1.º, 17.º n.ºs 1 e 3 alíneas a) e b), 18º n.ºs 1, 2 e 3 alínea a), todos do Código do IRC, bem como dos artigos 5.º, 8.º, 55º, 74.º, n.º 1, 75.º n.ºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, todos da LGT, bem como do artigo 115.º n.º 1 do CPPT, e ainda dos artigos 342.º, 347.º, 350.º n.º 1 e 371.º, todos do Código Civil e artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

    Pelo que se peticiona o provimento do presente...

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