Acórdão nº 527/19.0T8FND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução12 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR (ARTº 667., Nº3 DO C.P.C.) I-Celebrado contrato de compra e venda mercantil, cabe ao comprador adquirente da coisa, alegar e provar que esta era desconforme ao contrato ou sofria de defeito que a tornava inapta ao fim acordado (artº 342º, nº 1 e 916º do C.C.), como forma de se eximir do pagamento da cosia vendida.

II-A denúncia dos defeitos da compra e venda mercantil está sujeita aos prazos previstos no artº 571º do C.Comercial.

III-Nesse caso, ao vendedor a quem é oposta a existência de defeitos da coisa cabe o ónus de alegar e provar o decurso do prazo, não podendo a aludida exceção ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, por respeitar a matéria não excluída da disponibilidade das partes, conforme decorre do disposto nos artºs 333º, nºs 1 e 2, e 303º do C.C.

IV-Não invocada nos autos em primeira instância a caducidade da denúncia dos defeitos, está vedado ao recorrente invocá-la em sede de recurso, por constituir questão nova não susceptível de conhecimento e apreciação em segunda instância.

V-Sendo invocado que no âmbito deste contrato de compra e venda foram entregues paletes ao vendedor, a cessação do referido contrato obriga à restituição da coisa entregue (artº 1137º do C.C.) VI-Não entregue voluntariamente, o comodante só tem direito a uma indemnização consistente no valor da coisa, se alegar e provar que esta se perdeu ou deteriorou por causa imputável ao comodatário. Proc. Nº 527/19.0T8FND.C1-Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco - Juízo Local Cível do Fundão Recorrente: C..., Lda.

Recorrido: A..., S.A.

Juiza Desembargadora Relatora: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira Teresa Albuquerque Acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO C..., Lda.

intentou ação declarativa, sob a forma única de processo comum, contra a sociedade comercial A..., S.A., peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia de €42.452,49 (quarenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos) e inerentes juros de mora, devida no âmbito de um contrato de compra e venda de pêra rocha celebrado com a R. e objeto da fatura com o n.º ... que, enviada à R. e por esta não reclamada, não foi paga.

* Regularmente citada, veio a ré alegar, em síntese, que a A. incumpriu o contrato celebrado, quer quanto às quantidades, embalagem e preço/kilo da referida pêra rocha, pelo que o montante constante da aludida fatura não é devido na sua totalidade, mas apenas no montante de €6.509,45.

Em sede de reconvenção peticionou a condenação da A. a pagar à ré a quantia de €7.011,00 (sete mil e onze euros), referente aos palotes que foram objeto de empréstimo à A. e não devolvidos à R. bem como que seja declarado compensado e, consequentemente, julgado extinto o crédito, no valor de €6.509,45, que a A./ Reconvinda detinha sobre a R., sendo a A./ Reconvinda condenada a pagar à R., Reconvinte, a quantia remanescente de €501,55, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculada desde a data da notificação da A. até integral e efetivo pagamento.

Mais peticionou a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização à R., por ter alterado a realidade dos factos, deduzido pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.

* Foi após designada audiência prévia, na qual, proferido despacho saneador, foi fixado o objeto do litígio e identificados os temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que decidiu julgar a “ação parcialmente procedente e a reconvenção procedente e, em consequência: A. Condeno a ré A..., S.A. a pagar à autora C..., Lda., a quantia de €7.073,71 (sete mil e setenta e três euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros legais vencidos desde a citação (em 02.08.2019) até à presente data, no valor de €549,42 (quinhentos e quarenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), no valor total de €7.623,13 (sete mil seiscentos e vinte e três euros e treze cêntimos).

  1. Condeno a autora C..., Lda. a pagar à ré A..., S.A. a quantia de €7.011,00 (sete mil e onze euros).

  2. Compensando as quantias descritas nos pontos A. e B. deste dispositivo, condeno a ré A..., S.A. a pagar à autora C..., Lda. a quantia de €612,13 (seiscentos e doze euros e treze cêntimos), acrescida de juros legais vincendos, calculados, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

  3. Julgo totalmente improcedente o pedido de condenação da autora C..., Lda., como litigante de má-fé e, em consequência, absolvo-a do respectivo pedido.” Inconformada com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: ...

Foram interpostas contra-alegações pela R., tendo concluído da seguinte forma: ...

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores-adjuntos, cumpre decidir.

QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.

[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

[2] Quer isto dizer que não podem ser introduzidas, por via recursória, exceções que não sendo de conhecimento oficioso não foram invocadas nos autos.

Ora, o recorrente veio neste recurso invocar a caducidade da denúncia de defeitos por parte da R., por decurso dos prazos estipulados no artº 471º do C.Comercial.

Como é jurisprudência assente[3], os prazos constantes deste preceito são prazos de caducidade que terão de ser invocados pela parte a quem aproveita, não podendo ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal, por respeitarem a matéria não excluída da disponibilidade das partes, conforme decorre do disposto nos artºs 333º, nºs 1 e 2, e 303º do C.C.

Ora, a parte interessada na arguição desta exceção é a vendedora, ora A. e recorrente, por o decurso do prazo extinguir o direito de reclamação do comprador e, por outro lado, por constituir uma exceção perentória que teria de ser invocada e provada pela A. (cfr. artºs 579º do CPC e 342º, nº 2, do CC).

Assim sendo, não tendo sido a aludida exceção invocada pela A. em primeira instância, em sede de resposta à contestação da R., não é susceptível de conhecimento por este tribunal, por constituir questão nova, nunca antes colocada ou apreciada.

[4] Nesta medida, acordam os juízes que constituem esta secção em não conhecer da referida exceção de caducidade de denúncia dos defeitos.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objeto deste recurso, admitidas por este coletivo, consistem em apurar se:

  1. Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto e se esta deve ser alterada no sentido propugnado pelo recorrente; b) Se, nessa decorrência, é devido o pagamento da totalidade da fruta fornecida à R. e por esta não devolvida, por não alegado nem provado pela R. que parte da fruta fornecida estivesse podre, desidratada e/ou sem qualquer valor comercial.

  2. Se à R. está vedado peticionar o pagamento do valor dos palotes emprestados à A., por não alegada nem a sua perda, nem a sua deterioração.

    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto: “Factos provados ...

    Factos não provados Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente que: ...

    DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO No recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo pretende a apelante que seja alterada a matéria de facto adquirida pelo Tribunal recorrido, nomeadamente no que se reporta aos pontos 49 e 57 dos factos provados, que entende deverem ser dados como não provados, por a sua não prova decorrer dos depoimentos das testemunhas ..., bem como das declarações de parte do legal representante da A. e, no que se reporta à alínea e) dos factos provados, por estarem em desconformidade com o depoimento das mencionadas testemunhas e com as declarações de parte do legal representante da A.

    Decidindo

  3. Dos fundamentos de reapreciação da matéria de facto; Relativamente aos requisitos de reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

    Por sua vez, no que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT