Acórdão nº 7814/18.3T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA SÁ FERNANDES
Data da Resolução29 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 7814/18.3T8VNG.P1.S1 Recurso de revista Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.Relatório AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra JMS – Prestação de Serviços de Saúde, ACE, pedindo que seja declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho e condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 30.323,45, valor correspondente às diferenças salariais devidas entre a retribuição paga e a devida por aplicação da Portaria n.º 736/2006, de 26 de julho, e alterações subsequentes, que regula as condições de trabalho dos trabalhadores administrativos não abrangidos por regulamentação coletiva especifica, ao valor das diuturnidades e do abono de falhas e, bem assim, ao valor da indemnização devida nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho.

Em 22/03/2019 foi proferido saneador-sentença, onde, no que ora releva, foi julgada improcedente a exceção de caducidade do direito à resolução do contrato pelo trabalhador, à exceção da resolução com fundamento no não pagamento do abono de falhas devidos até outubro de 2014, e onde foi a ação julgada totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos, tendo-se julgado inaplicável à relação laboral estabelecida entre as partes a portaria identificada pelo Autor.

O Autor, inconformado, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, mediante acórdão proferido em 20/01/2020, deliberou, com um voto de vencido, nestes termos: «Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente [apenas no que respeita à aplicação da PRT n.º 736/2006 de 26.07 e posteriores alterações] e se revoga a decisão recorrida na parte em que decidiu não ser aplicável ao Autor a referida PRT, ordenando-se ainda que o Tribunal a quo proceda a julgamento para apuramento da factualidade referente às funções exercidas pelo Autor e respetiva categoria profissional e finalmente profira decisão em conformidade.» A Ré, inconformada, interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões: A.

O acórdão recorrido faz uma incorreta interpretação da aplicabilidade da PRT dos trabalhadores administrativos no caso concreto.

B.

O entendimento adotado pelo Tribunal a quo é contra legem, e não só não logra de unanimidade, como não é partilhado pelo Ministério Público.

C.

A PRT é aplicável no continente a empregadores que tenham ao seu serviço trabalhadores cujas funções correspondam a profissões constantes do seu anexo I, bem como a estes trabalhadores, sendo, designadamente, aplicável a empresas públicas e de capitais públicos, sem prejuízo do disposto no regime legal e nos estatutos respetivos, a cooperativas, fundações, associações sindicais e de empregadores e outras associações sem fim lucrativo, sendo no entanto excluídos do seu âmbito de aplicação os empregadores que exerçam atividade pela qual se possam filiar em associação de empregadores legalmente constituída à data da publicação da PRT.

D.

A letra da lei é clara: os empregadores que se possam filiar em associação de empregadores legalmente constituída são excluídos do âmbito de aplicação da PRT.

E.

A ratio subjacente à exclusão da abrangência por IRCT da possibilidade de filiação em associação de empregadores encontra-se relacionada com alguns dos pressupostos da própria emissão da portaria de condições mínimas: (i) inexistência de associação sindical ou de empregadores e (ii) falta de IRCT negocial, que determinam a impossibilidade de emissão de portaria de extensão (cfr. artigo 517/5 do Código do Trabalho (“CT”)). Já que a prevalência deverá ser dada aos IRCTs negociais e ao CT (cfr. artigo 3/5 do CT).

F.

As portarias de condições do trabalho têm carácter residual, prevalecendo relativamente a estas, as portarias de extensão e, por sua vez, relativamente a estas, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais. Na verdade, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do CT: “as normas legais reguladoras do contrato de trabalho não podem ser afastadas por portarias de condições de trabalho.” G.

Esta norma surge na sequência da pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, no Acórdão n.º 306/2003, publicado no Diário da República, 1.ª Série A, de 18 de Julho de 2003, onde ficou decidido que as portarias de condições de trabalho violam o artigo 112/5, n.g 6 (atual n.º 7) da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), pois têm carácter normativo inovatório e não se ligam a nenhum instrumento de regulamentação coletiva negocial anterior.

H.

A invocada disposição constante do artigo 1.º é uma norma de exclusão, pelo que interpretar tal n.º 3 de forma diferente da que foi interpretada pelo Tribunal de 1ª Instância, consubstanciaria uma interpretação contra legem e ao arrepio das intenções do legislador.

I. Se fosse entendido que a alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da PRT respeita apenas a empresas efetivamente filiadas em associações patronais, estar-se-ia a efetuar uma interpretação da lei proibida pelo CC, já que uma tal interpretação não teria na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

J.

A ora recorrente é uma sociedade anónima que se dedica à prestação de serviços de saúde, administrativos e operacionais a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas dos seus membros.

K.

A área de atividade exercida pela Recorrida permitia que a mesma pudesse, à data da publicação da PRT, filiar-se, nomeadamente, na Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (“APHP”).

L.

Uma vez que a área de atividade exercida pela Recorrida permitia que a mesma pudesse, à data da publicação da PRT, filiar-se numa associação de empregadores legalmente constituída, dúvidas não restam de que, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 3.º da PRT, a ora recorrente encontra-se (e encontrava-se em 2006) excluída do âmbito da PRT.

M.

A adoção deste entendimento, ao contrário da exposição da decisão ora recorrida, não viola o princípio da igualdade em nenhuma das suas dimensões, porquanto não estamos perante uma situação discriminatória.

N.

O universo de trabalhadores administrativos aos quais se aplicam as condições mínimas previstas na PRT por falta de associação de empregadores na qual o respetivo empregador se pudesse filiar não está abrangido, em abstrato, por uma possível regulamentação coletiva, uma vez que tal possibilidade, por si só, excluiria a aplicação dessas...

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