Acórdão nº 251/19.4PBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução06 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I 1.

Nos autos supra identificados, pelo Ministério Público foi deduzida acusação contra os arguidos RC, MS e LF, imputando-lhes a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º n.º 1 e 25º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

2. No despacho judicial proferido ao abrigo do artigo 311º do Código de Processo Penal, procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos imputando-se-lhes, por via dessa alteração, a prática, a ada um deles, de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º n.º 1 e 24º alínea h), do DL 15/93 22 de janeiro.

Mais se decidiu que, face à alteração da qualificação jurídica operada, sendo a pena aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto no artigo 21º n.º1 e 24º alínea h) de 5 a 15 anos, moldura penal que se encontra fora da competência material do Tribunal Singular, conforme termos do disposto no artigo 16º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal, logo que transitado em julgado o despacho, se abrisse vista ao Ministério Público para informar se pretende fazer uso do disposto no artigo 16º n.º 3 daquele diploma - CPP.

  1. Não se conformando com a decisão, da mesma recorre o Ministério Público que formula as seguintes conclusões: 1. A decisão do Tribunal a quo com a rfa. 96047596 datada de 23/02/2021 parece-nos incorrecta, por ser violadora das disposições conjugadas nos arts. art. 21.º, 24.º, 25.º, todos do DL n.º 15/93 de 22/01 e arts. 311.º, 339.º, n.º 4, 358.º, todos do CPP; 2. A factualidade imputada aos arguidos consente a qualificação jurídica concretizada pelo Ministério Público; 3. O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico é o do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, o qual corresponde a casos que são já de média e de grande gravidade, os casos excepcionalmente graves estão previstos no art. 24.°, do DL n.º 15/93 de 22/01, os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art. 25.°, do DL n.º 15/93 de 22/01.

  2. A descrição dos factos realizada na acusação que contra os arguidos é formulada, descreve o crime como tendo sido praticado no interior de estabelecimento prisional, o que, nos termos da al. h) do art. 24.º do DL n.º 15/93 de 22/01 poderá agravar a conduta; 5. Ponderada a qualidade (canábis) e quantidade (33,494gr) da substância estupefaciente em causa, entende-se desproporcionado punir a conduta em conformidade com o tipo legal consagrado no art. 21.º DL n.º 15/93 de 22/01; 6. Ainda que os arguidos sejam punidos pelo art. 25.º do DL n.º 15/93 de 22/01, a circunstância de os factos terem sido praticados no interior de estabelecimento prisional pode ser levada em conta na fixação judicial da pena a aplicar aos arguidos; 7. A decisão foi proferida no momento processual a que se refere o art. 311.º do CPP, contudo, não é este o momento oportuno para realizar alteração da qualificação jurídica apresentada pelo Ministério Público na acusação que contra os arguidos foi apresentada; 8. Atenta a inserção sistemática dos arts. 339.º, n.º 4 e 358.º do CPP o mecanismo da alteração da qualificação jurídica previsto nos mesmos apenas tem aplicação após a produção da prova; 9. Ao alterar a qualificação jurídica dos factos nos termos em que o fez o Tribunal a quo, formulou um juízo acerca do conteúdo substantivo da referida acusação, não o podendo fazer nesta fase processual.

    Termos em que, e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o recurso interposto e, consequentemente, determinada a revogação do despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que receba a acusação apresentada pelo Ministério Público, sem alteração da qualificação jurídica, e designe dia para a realização de audiência de julgamento, assim se fazendo JUSTIÇA! 4.

    Os arguidos não responderam ao recurso.

  3. Nesta instância, o Ministério Público emitiu douto parecer que assim sintetiza: - As aludidas agravantes, como defendem quer Rocha Morães quer Lourenço Martins in “Droga e Direito” não devem ser vistas como de funcionamento automático e, nessa medida, como impeditiva de que os factos previstos no art 24, possam integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto no artº 25, ou outro. Vide ainda Acs do STJ in CJ 2006, Tomo I, pág. 181 e Tomo II pág. 230.

    - Por outro lado, acompanhamos igualmente a posição vertida no recurso de acordo com a qual “o mecanismo da alteração da qualificação jurídica prevista no art 358º nº 3 do CPP foi previsto e tem aplicação já após a discussão da causa, após a produção da prova”.

    - Face ao exposto, sem necessidade de outros considerandos, acompanhando-se a bem fundamentada motivação do Ministério Público na 1.ª instância, somos de parecer que o recurso merece provimento.

  4. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II Questão suscitada e a apreciar: O poder jurisdicional do juiz proceder à alteração da qualificação jurídica constante da acusação no momento do saneamento do processo a que se refere o artigo 311º do Código de Processo Penal.

    III Cumpre decidir: 1.

    O despacho recorrido apreciou a questão da alteração da qualificação jurídico-penal constante da acusação na perspetiva dos diferentes e possíveis entendimentos sobre o funcionamento da agravação resultante da prática dos factos em estabelecimento prisional, ou seja, nos termos do artigo 24º alínea h) do DL 15/93 de 22 de janeiro.

    Entende-se, todavia, que a questão objeto do recurso e que deve ser apreciada, é prévia a esta, ou seja, sem prejuízo dos ditos entendimentos sobre se aquela agravação é ou não de funcionamento automático – citando-se na decisão recorrida jurisprudência sobre esta mesma questão – o que importa apreciar é se o juiz, ao proferir o despacho do artigo 311º do Código de Processo Penal, pode efetivamente proceder à alteração da qualificação jurídica constante da acusação nos termos em...

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