Acórdão nº 734/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 734/2021

Processo n.º 510/20

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., veio este, nos termos dos artigos 203.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deduzir oposição judicial ao processo de execução fiscal n.º 3190200201526766 e respetivos apensos, respeitante à cobrança do montante de € 802.098,29, por dívidas de IRS – retenção na fonte – e de IRC do ano de 2003, instaurado em nome de B..

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sentença de 27 de dezembro de 2019, julgou procedente a oposição e, em consequência, considerou extinta a execução revertida contra o oponente, ora recorrido.

2. Notificado desta decisão, o Ministério Púbico interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, «na medida em que não poderia estender a responsabilidade solidária para a satisfação de dívidas tributárias aos titulares dos órgãos dirigentes de clubes desportivos», alegando que a sentença recorrida não aplicou a referida norma «por inconstitucionalidade da mesma por violação do princípio da reserva de lei estabelecido nos art. 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da CRP» (cf. fls. 191).

3. Admitido o recurso (cf. fls. 192) e subidos os autos a este Tribunal, foi determinado o prosseguimento do processo, tendo o Ministério Público apresentado alegações, que concluiu da seguinte forma:

«20. O Ministério Público interpôs, em 14 de Janeiro de 2020, a fls. 191 dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da decisão judicial de fls. 184 a 189 v. º, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito do Processo n. º 3065/10.3BEPRT “(…) ao abrigo do art. 280º nº 1 alínea a) e nº 3 da Constituição da República Portuguesa e dos art. 70º nº 1 alínea a); 72º nº 1 alínea a) e nº 3,· 75º nº 1 e 75º-A nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15.11 (com as alterações e redação introduzidas pelas Leis 143/85 de 26.11; 85/89 de 07. 09; 88/95 de 01.09 e 13-A/98 de 26.02) (…)”.

21. Este recurso tem por objeto a norma ínsita no “(…) art. 39º do DL 67/97 de 03.04 na medida em que não poderia estender a responsabilidade solidária para satisfação de dívidas tributárias aos titulares dos órgãos dirigente[s] de clubes despo[r]tivos”.

22. O parâmetro constitucional cuja violação é invocada é o “(…) princípio da reserva de lei estabelecido nos art. 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) d[a] CRP”.

23. A questão que constitui objeto do presente recurso é idêntica à que foi decidida por este Tribunal Constitucional, entre outros, nos seus doutos Acórdãos n.ºs 311/2007, 331/2007 e 149/2013.

24. Neste último aresto, pronunciou-se o Tribunal Constitucional sobre a desconformidade constitucional das normas constantes dos nºs 1 e 2, do artigo 39.º, do Decreto-Lei n.º 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas.

25. Encontrando-se firmemente fixada jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a esta questão de constitucionalidade, limitar-nos-emos a reproduzir a doutrina doutamente expendida no mencionado Acórdão n.º 149/2013, o qual, por sua vez, transcreveu o seu douto Acórdão n.º 311/2007.

26. Assim, começando por delimitar o objeto da sua pronúncia, começou o Tribunal Constitucional por referir que:

“O Tribunal já apreciou e decidiu a questão de constitucionalidade posta nos presentes autos nos Acórdãos n.ºs 311/2007 e 331/2007, referidos na sentença recorrida, e nas Decisões Sumárias n.ºs 528/2007 e 352/2010 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Julgou «inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos números 1 e 2 do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas».

27. Após transcrever a argumentação que aduzida no seu douto Acórdão n.º 311/2007 e proceder à interpretação da lei de autorização legislativa, inferiu o Tribunal Constitucional, das premissas expostas, que:

“Embora a “Assembleia da República [possa] ir mais ou menos longe, vinculando o legislador delegado a adotar soluções que podem transportar uma maior ou menor predefinição do regime jurídico adotando e que, deste modo, podem, assim, ser enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais ou menos completa” as soluções normativas, há de, todavia, convir-se ser manifestamente excessivo inferir do referido preceito - no segmento em que prevê que, “entre outros objetivos”, o legislador delegado deva salvaguardar a “defesa dos direitos dos credores de interesse público”o sentido de este legislador ficar habilitado a estabelecer, de forma inovatória, um tal regime de responsabilidade subsidiária pessoal, relativamente aos titulares dos referidos órgãos sociais de clubes desportivos que participem em competições profissionais quando optem por não constituir sociedades desportivas, e, mormente, de adotar um modelo de regime de incidência subjetiva específica fiscal diverso do previsto no citado art.º 13.º do Código de Processo Tributário.

De resto, cumpre notar que a permissão de “estabelecimento de um regime fiscal adequado”, constante da parte final do preceito, cuja relevação poderia de algum modo servir de elemento potenciador da admissibilidade de uma autorização com o sentido de abranger também essa hipótese, se refere apenas às sociedades desportivas e não também à outra forma de gestão a que os clubes estão sujeitos quando optem por não constituir sociedades desportivas.

Temos, pois, de concluir que a norma constitucionalmente impugnada não encontra suporte bastante em precedente autorização legislativa e que versa sobre matéria de incidência subjetiva específica fiscal, sofrendo, por isso, de inconstitucionalidade orgânica»”.

28. Deliberando a final, o Tribunal Constitucional, na parte aqui relevante, decidiu:

“Julgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67!97, de 3 de abril, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação das disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa”.

29. Assim, atendendo ao teor da jurisprudência agora explanada, com que concordamos, bem como ao conteúdo da douta decisão recorrida, que não nos merece reparo, não podemos deixar de concluir que a interpretação normativa desaplicada pelo tribunal “a quo” se revela violadora do prescrito no disposto, conjugadamente, nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

30. Em face do exposto, conclui o requerente Ministério Público que deverá o Tribunal Constitucional julgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, negando, consequentemente, provimento ao presente recurso.

Nos termos do acabado de explanar, deverá o Tribunal Constitucional negar provimento ao presente recurso, assim fazendo a costumada JUSTIÇA.».

O recorrido não apresentou contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Delimitação do objeto do recurso

4. Conforme referido, no requerimento de interposição de recurso, o Ministério Público indicou como objeto do mesmo a norma do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, «na medida em que não poderia estender a responsabilidade solidária para a satisfação de dívidas tributárias aos titulares dos órgãos dirigentes de clubes desportivos».

Posteriormente, em sede de alegações, o recorrente clarificou que o objeto do recurso se restringia aos números 1 e 2 daquele artigo «na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas», tendo concluído pela inconstitucionalidade das referidas normas, que considerou terem sido desaplicadas pelo tribunal a quo, com fundamento na violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (cf. as conclusões 29.ª e 30.ª).

Com efeito, conforme resulta da leitura da decisão recorrida, o tribunal a quo, não obstante ter feito referência à desaplicação do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, só desaplicou efetivamente os n.ºs 1 e 2 daquele preceito, na dimensão identificada pelo Ministério Público nas alegações.

Assim, o presente recurso tem por objeto as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas.

B) Do mérito do recurso

5. O Decreto-Lei n.º 67/97, de 3...

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