Acórdão nº 743/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 743/2021

Processo n.º 123/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público e outros, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 19 de novembro de 2020 (a fls. 486 ss.), assim como da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro no dia 19 de março de 2020 (a fls. 8 ss.). A primeira decisão indicada julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido da segunda, a qual, reformulando cúmulo jurídico anterior em virtude da extinção do procedimento criminal por alguns dos crimes que o haviam integrado, o condenou numa pena única conjunta de 12 (doze) anos de prisão efetiva pela prática de uma pluralidade de crimes.

2. O arguido veio então interpor recurso de constitucionalidade, o que fez nos seguintes termos:

«(Recurso Independente em Separado, no 362/08.1JAAVR-DJ do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Aveiro - JC Criminal - Juiz 2)

A., identificado nos autos, não se conformando com os Doutos acórdãos exarados nos autos - isto é, daquele inicialmente proferido, bem como do que aprecia o incidente de arguição de invalidade do sobredito - vem deles interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

Assim,

A. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de setembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

B. Contextualizando a situação, em termos que se pretendem sucintos:

1. Na Comarca de Aveiro, no respetivo Juízo Central Criminal, pela Douto Colégio de Juízes com competência territorial e material, foi proferido Acórdão Cumulatório.

2. Deste foi pelo aqui recorrente interposto - erradamente - recurso para o Tribunal da Relação do Porto; todavia, tal recurso foi corretamente recebido com efeito suspensivo e para ser alvo da pertinente cognição pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

3. Inter alia, nas conclusões apresentadas alinhava-se que a Douta decisão recorrida se confessava tolhida na respetiva atividade judicativa pela força do caso julgado, decorrente do ne bis in idem, e do princípio da igualdade.

4. Nesse conspecto, desde logo se escreveu "Na verdade, se é certo que a norma normarum, no n.º 5 do seu artigo 29º, estatui, com impressiva e notável clareza que "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime" tal só significa o que lá se lê...! Ou seja, que qualquer cidadão, uma vez julgado, vê o poder punitivo do Estado - até por consideração do valor racionalidade - exaurido relativamente a si, no que tange àquele concreto objeto processual.

5. No entanto, a leitura do aludido preceito no sentido de constituir caso julgado para a realização de uma operação de cúmulo jurídico uma outra anteriormente levada a cabo com o mesmo fim, é insustentável e violadora do conteúdo da sobredita norma constitucional.

(...)

6. Na verdade, nesta hipótese é manifesta a impossibilidade de invocação do caso julgado, dado que quer a factualidade nova - por ablação parcial do objeto - implica uma subsunção nova.

7. A conclusão idêntica - errada conceção adotada pela Douta decisão recorrida - se obterá quando analisada a questão pela ótica do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP. Com efeito, o sobredito vetor impõe que se trate igualmente o que é igual e, de forma distinta o que for essencialmente diferente.

8. Ou seja, o princípio não preconiza a definição de uma igualdade abstraía e lógico-formal, mas visa propiciar que uma situação idêntica mereça um tratamento substancialmente igual.

(...)

9. Com efeito, importa sublinhar que a mesma não encerra em si a potencialidade de se tornar inteligível para os destinatários, dado que não contém as reflexões passíveis de a tornarem entendível por falta da consideração de todos os elementos que lhe cumpria conhecer.

10. Ora, tal obscuridade intrínseca é proscrita pela lei - nulidade do artigo 379º, 1, a) do CPP - e pela CRP - art. 205º.

11. Na verdade, impunha-se ao tribunal a explicitação cabal do modo como a factualidade considerada se interliga e relaciona, bem como a forma como na mesma, globalmente considerada, se revela a personalidade do agente sob o prisma da culpa. Ora, manifestamente, tal exercício não se mostra efetuado.

12. Ocorre, todavia, que tal interpretação não logrou obter eficácia de vencimento,

13. Nem no Acórdão primeiramente exarado, nem naquele que colocou a possibilidade desse Aresto ter omitido a devida pronúncia sobre a questão da constitucionalidade.

C. Assim, pretende-se seja apreciada a inconstitucionalidade, invocada no requerimento de interposição de recurso, da dimensão normativa do n.º 1 do artigo 77º e n.º 1 do artigo 78º, ambos do Código Penal, quando interpretados no sentido de que a pena única a fixar em sede de conhecimento superveniente de concurso está limitada pela força do caso julgado, dimanado do n.º 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, enquanto a medida da pena a fixar emerge condicionada pelas decisões anteriormente proferidas.

D. Identicamente se pretende seja apreciada a inconstitucionalidade, invocada no requerimento de interposição de recurso, da dimensão normativa do n.º 1 do artigo 77º e n.º 1 do artigo 78º, ambos do Código Penal, quando interpretados no sentido de que a pena única a fixar em sede de conhecimento superveniente de concurso está limitada por uma ideia de igualdade - de matriz constitucional - que implique que a decisão a tomar tenha de afinar pela medida anteriormente fixada.

E. Tais normas, com essas interpretações, violam os artigos 29º, n.º 5 e 13º, n.º 1 da CRP, ofendendo a verdadeira substância do ne bis in idem e do princípio da igualdade (designadamente quando potencia um tratamento aparentemente igual - imotivado e ilógico - de situações materialmente desiguais).

F. Finalmente, pretende seja apreciada a inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 374, 2 do CP Penal quando interpretado no sentido de que a fundamentação de uma decisão de cúmulo jurídico se basta com referências genéricas, emitidas à laia da enunciação de pré-juízos, sem analisar a personalidade do arguido em concreto, na sua relação e interdependência com os factos perpetrados e sem fixar a imagem global da materialidade em análise. Efetivamente, tal interpretação da norma processual em questão põe em causa o dever geral de fundamentação de todas as decisões jurídicas, presente no n.º 5, do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, deve o presente recurso ser admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 198/2021, foi decidido não conhecer o objeto deste recurso, por se ter entendido que uma parte desse objeto não apresenta caráter normativo e que, na parte restante, o mesmo não diz respeito a normas que hajam sido aplicadas na decisão recorrida como ratio decidendi da mesma. Foi a seguinte a fundamentação aí apresentada:

«(...)

4. Começando pela terceira questão de constitucionalidade formulada no requerimento de recurso em apreço, constata-se que a mesma não apresenta o necessário caráter normativo. É consabido que um recurso de constitucionalidade tem necessariamente de versar sobre normas, pressuposto este que visa delimitar a competência do Tribunal Constitucional em face da das outras ordens jurisdicionais (cf. e.g. o Acórdão n.º 361/98) e impedir que a fiscalização concreta da constitucionalidade resvale na sindicância das decisões dos tribunais judiciais enquanto tais, ou seja, numa apreciação dos concretos termos em que aí foram aplicadas certas normas de direito ordinário (cf. e.g. o Acórdão n.º 466/2016). Competência do Tribunal Constitucional num recurso como o que se aprecia é, única e exclusivamente, apreciar a possível desconformidade de uma determinada norma de direito ordinário com a Constituição.

Contudo, a terceira questão formulada pelo recorrente não supõe uma apreciação desta natureza, expressando somente uma discordância quanto à forma como o tribunal a quo aplicou certos preceitos de direito ordinário ao seu específico caso. Através dessa questão – recorde-se –, o recorrente «pretende seja apreciada a inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 374, 2 do CP Penal quando interpretado no sentido de que a fundamentação de uma decisão de cúmulo jurídico se basta com referências genéricas, emitidas à laia da enunciação de pré-juízos, sem analisar a personalidade do arguido em concreto, na sua relação e interdependência com os factos perpetrados e sem fixar a imagem global da materialidade em análise». Manifestamente, não se questiona aí a desconformidade de qualquer enunciado normativo com a Constituição. Apenas se contesta a qualidade e a suficiência da fundamentação expendida pelo tribunal a quo, o que significa que o conhecimento daquela questão por parte do Tribunal Constitucional pressuporia que este se debruçasse sobre a decisão recorrida em si própria ou em si mesma considerada – espécie de sindicância esta que, conforme acima referido, se lhe encontra vedada, sob pena de ingerência em funções que no nosso ordenamento jurídico são confiadas de modo exclusivo a outros tribunais.

5. As duas outras questões formuladas pelo recorrente prendem-se com: (i) a «dimensão normativa do n.º 1 do artigo 77º e n.º 1 do artigo 78º, ambos do Código Penal, quando interpretado no sentido de que a pena única a fixar em sede de conhecimento superveniente de concurso...

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