Acórdão nº 0145/20.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.ºs 2 a 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no Processo n.º 852/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrido o Banco A……………….., S.A.

, sinalizado nos autos, relativo à determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros encargos facturados, e invocando contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, com o lavrado no processo n.º 0485/17 em 15-11-2017, proferido pelo STA.

Inconformada, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões: A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que se discute e decide da legalidade aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isso no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros encargos facturados.

  1. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  2. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  3. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

  4. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

  5. Em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

  6. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

  7. No acórdão recorrido, a Requerente, ora Recorrida, deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório – onde excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados -, tendo apurado um pro rata definitivo para o ano de 2010 de 24%, donde resultou o valor a deduzir de € 40.146,61 para o mês de Abril de 2011, € 65.698,60 para o mês de Maio e € 51.637,14 para o mês de Junho.

    I. O pro rata correcto é de 68% caso se considere, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados donde resultará o valor a deduzir de €113.748,73 para o mês de Abril de 2011, € 186.146,03 para o mês de Maio e € 146.305,22 para o mês de Junho.

  8. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

  9. No acórdão recorrido, a Requerente, directamente por via arbitral, assaca às autoliquidações em dissídio vícios de violação de lei, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA.

    L. No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

  10. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  11. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

  12. Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

  13. Foi decidido por aquele Tribunal arbitral que: «No presente Processo está precisamente em causa aferir se na determinação do pro rata devem ou não ser consideradas, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

    Vejamos.

    De acordo com o entendimento da AT não deverá ser incluído no numerador e no denominador da fracção a componente de amortização de capital nas rendas dos contratos de locação financeira mobiliária (e, bem assim o valor de alienação/indemnização/abate de bens locados), mas apenas a componente de juros.

    Assim, no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, veio a AT estabelecer, designadamente, o seguinte: “Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD”.

    No tocante à amortização financeira, tem defendido a AT que “a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado”, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, “não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios” (cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).

    No mesmo sentido, no respeitante à alienação/indemnização de bens abatidos por destruição, a AT defende que “o valor da indemnização não constitui proveito do locador” nem “integra[m] o volume de negócios” (Cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).

    Isto é, de acordo com o entendimento veiculado pela AT, nenhuma das situações supra referidas se consubstancia como um verdadeiro proveito, não podendo, por isso, integrar o volume de negócios e, consequentemente, fazer parte do cálculo do pro rata. (…) Com efeito, o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais. Não se encontra prevista na legislação nacional a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata, não tendo o legislador nacional feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, no nosso ordenamento jurídico, resolvidas através da...

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