Acórdão nº 025/21.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A autoridade tributária e aduaneira (AT), representada pela Exma. Diretora-geral, com apoio no disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei (DL.) n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão proferida, no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 866/2019-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que, além do mais, decidiu condenar a AT “a restituir à Requerente juros condenatórios indevidamente liquidados, no montante de € 91.027,34”.

Aponta-lhe contradição/oposição, com o decidido no acórdão, do STA, datado de 21 de novembro de 2019, proferido no processo nº 306/12.6BELLE (01136/16).

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o acórdão arbitral proferido no processo n.º 866/2019-T, em 08-01-2020, por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

  1. O acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada no acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo, de 21-11-2019, proferido no processo n.º 0306/12.6BELLE 01136/16, já transitado em julgado, no segmento decisório com(s)tante da línea c), que determina a condenação da AT a restituir juros compensatórios no montante € 91.027,34 (cfr. Documentos n.º 2 e n.º 3, que se juntam e se consideram reproduzidos para todos os efeitos legais).

  2. A Recorrente defende, com o devido respeito, que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto, em contradição total com o acórdão fundamento, o Tribunal arbitral considerou que a AT não logrou «demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação», julgando a liquidação de juros compensatórios ilegal por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

  3. In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende com os requisitos de fundamentação da liquidação de juros compensatórios consagrados no artigo 35.º da LGT.

  4. Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida no segmento decisório contestado e substituição por outra que cumpra o disposto no artigo 35.º, n.º 1, e n.º 9 da LGT.

  5. O acórdão arbitral recorrido consignou, como matéria de facto, que a Requerente arbitral foi sujeita a um procedimento inspetivo titulado pela Ordem de Serviço n.º OI201604105, reproduzindo a factualidade apurada pela Inspeção Tributária e a fundamentação que sustentou uma correção ao lucro tributável do exercício de 2014, e que, no seguimento das conclusões da ação inspetiva foram emitidos os atos tributários de liquidação adicional de IRC n.º 2018 8310005357 e de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 00000295274.

  6. De igual forma, o acórdão fundamento consignou factualidade apurada numa ação inspetiva a um sujeito passivo de IRC, no âmbito da qual foram promovidas correções à matéria coletável declarada, que originaram a emissão de liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios.

  7. O Tribunal Arbitral Coletivo entendeu o seguinte: «III. 4. JUROS COMPENSATÓRIOS 37. Na sequência da emissão do acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2014, foi ainda emitida a nota de liquidação n.º 2018 295274 referente à liquidação de juros compensatórios no montante de € 91.027,34.

    (…) No âmbito do relatório de inspecção tributária referente ao procedimento inspectivo titulado pela Ordem de Serviço n.º OI201604105 pode ler-se que “Sobre as correções ora propostas serão igualmente liquidados os juros compensatórios que se mostrarem devidos, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária e no artigo 102.º do Código do IRC, bem como do artigo 91.º do Código do IRS, por remissão do artigo 94.º, n.º 6 do Código do IRC”. Já no âmbito do despacho de indeferimento da reclamação graciosa refere a AT que “como acima ficou provado, houve, por culpa imputável ao sujeito passivo, falta de entrega, nos cofres do Estado, do imposto que deveria ter sido retido aos pagamentos efetuados aos acionistas da Reclamante a título de dividendos” (cfr. PA junto pela Requerida e Documentos 1 e 8 juntos pela Requerente).

    Ora, ainda que a AT afirme no despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que comprovou a culpa imputável à Requerente quanto à falta de entrega do montante de imposto alvo da liquidação adicional de IRC por referência ao exercício de 2014, a verdade é que a AT apenas se limitou a demonstrar a legalidade daquele acto de liquidação, daí extrapolando os fundamentos para a liquidação de juros compensatórios.

    Tal como se referiu na decisão arbitral, datada de 29 de Abril de 2019, proferida no âmbito do processo n.º 405/2018-T “os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição [o artigo 35.º, n.º 1, da LGT] constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência”.

    Deste modo, não pode considerar-se que a AT tenha logrado demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação.

    Em suma, e conforme alega a Requerente, ao não ter a AT demonstrado a existência de “uma acção voluntária, dirigida a um aproveitamento indevido e conhecido, ou cognoscível, por parte do sujeito passivo, relativamente às legítimas receitas do Estado”, considera-se ilegal a liquidação de juros compensatórios nº 2018 00000295274 por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.».

    I. Ora, o Tribunal Arbitral omitiu que o relatório da inspeção tributária refere expressamente: «A falta de tributação das mais-valias fiscais, na parte correspondente à transmissão em 27 de março de 2014 das 352.800 ações da Y……………, S.A., adquiridas na mesma data, constitui infração ao artigo 51.º - C do Código do IRC, punível pelo artigo 119.º do RGIT - Regime Geral das Infrações Tributárias e Aduaneiras aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de junho.».

  8. E não acolheu o entendimento que constitui jurisprudência firmada desse douto STA e da doutrina, no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cfr., por todos, o Acórdão de 23-09-1998, Proc. 022612 e o Acórdão de 19-11-2008, Proc. 0325/08 e Jorge Lopes de Sousa, in Juros nas relações tributárias, Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa 1999, pág.145 e ss.).

  9. Desta forma, o Tribunal Arbitral decidiu erroneamente quando concluiu que a liquidação de juros compensatórios enfermava de vício formal de falta de fundamentação, considerando que a AT não demonstrou a culpa da ora Recorrida no atraso da liquidação.

    L. No acórdão fundamento (também) estava em causa uma liquidação adicional de IRC e a correspondente liquidação de juros compensatórios, resultantes das correções à matéria coletável declarada por um sujeito passivo de IRC devidamente fundamentadas relatório da ação inspetiva.

  10. O acórdão fundamento entendeu, com relevância para a apreciação do presente recurso, o seguinte: «4.4. A quarta e última parte do recurso respeita à liquidação dos juros compensatórios.

    Na douta sentença recorrida considerou-se que a demonstração da liquidação dos juros compensatórios que reproduz na alínea “E” dos factos provados não continha «qualquer indicação dos factos que fundamentam a atuação culposa do contribuinte, nem tal fundamentação se encontrava prevista no relatório de inspeção». Razão pela qual essa liquidação se deveria considerar insuficientemente fundamentada.

    A Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender que o documento observa as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 35.º, n.º 9, da Lei Geral Tributária.

    É sabido que «as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de ato, a não participação do interessado no procedimento anterior ao ato ou, no caso da participação, a extensão desta» (acórdão...

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