Acórdão nº 2834/18.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL PEIXOTO IMAGIN
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Autor: Município de Tomar Recorridos / Réus: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…) e (…), S.A.

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual o A, na qualidade de arrendatário, peticionou o reconhecimento do seu direito de preferência na aquisição do prédio vendido pelos 1.ºs RR. à R. (…), S.A., pelo preço declarado, com o consequente cancelamento do registo de aquisição. Peticionou ainda a declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrando com a R. (…), S.A., condenando-se esta a restituir-lhe o valor das rendas, acrescido de juros à taxa legal.

Invoca que o direito de preferência decorre do regime inserto no art. 1091.º/1/al. a) do CC, na redação então vigente, que a comunicação que lhe foi feita para preferir é ineficaz dada a falta de identificação do adquirente, que foram violadas as condições de preferência que lhe tinham sido comunicadas, e que procedeu tempestivamente ao depósito do preço devido, do preço constante do título de transmissão.

Procedeu ao depósito autónomo no montante de € 550.000 (quinhentos e cinquenta mil euros) aquando da apresentação da petição inicial.

Em sede de contestação, os RR. invocaram a caducidade da ação alegando que o A. não depositou a totalidade do preço, faltando o valor de € 10.000,02 referente à comissão da imobiliária paga pela adquirente, que fazia parte do preço e que constava da notificação para o exercício do direito de preferência, tratando-se de condição essencial à realização do negócio. Mais invocaram a inexistência do direito legal de preferência, pois o imóvel não se encontra constituído em propriedade horizontal e o arrendamento respeita apenas a parte dele.

O A. pronunciou-se dizendo que o valor a depositar corresponde ao preço devido, que é o montante pago pela compradora aos vendedores, estando excluídas as despesas do contrato, como o valor da comissão imobiliária, que é uma despesa a cargo dos vendedores, a efetuar perante um terceiro e que não faz parte do preço. Caso assim não se entenda, o A sustentou que deverá o tribunal convidá-lo a efetuar o depósito do remanescente, salvaguardando os valores e princípios constitucionais, de forma a que não resulte precludido o seu direito de ação, que se traduziria numa situação de injustiça material.

Relativamente ao direito legal de preferência, o A. invocou o regime inserto no artigo 59.º/2 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, por via do qual a aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil na versão dada pela referida Lei não determina a perda do direito de preferência por parte de arrendatário que dele seja titular aquando da entrada em vigor.

Mais invocou o direito de preferência estabelecido no artigo 126.º do DL n.º 380/99, de 22 de setembro, por o edifício se situar nas áreas do plano com execução programada, i.e., no âmbito do plano de pormenor do Centro Histórico de Tomar; o direito de preferência para fins e objetivos de política pública estabelecido no artigo 29.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio, Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, o consagrado no artigo 58.º do DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro, e ainda o direito legal de preferência, consagrado na Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro, nas transmissões a título oneroso para os imóveis classificados ou em vias de classificação ou imóveis localizados nas respetivas zonas de proteção. Sustentou ainda a indevida celebração da escritura pública por não ter sido exibido o comprovativo do cumprimento do dever de comunicação para preferência nos termos do artigo 38.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro.

II – O Objeto do Recurso Em sede de saneador sentença julgou-se verificada a caducidade do direito do A. Município de Tomar com fundamento na falta de depósito da verba de € 10.000,02 referente à comissão da imobiliária paga pela adquirente e, bem assim, a inexistência do direito legal de preferência previsto no artigo 1091.º do CC, assim como do direito obrigacional com eficácia real, considerando-se, ainda e por via disso, inviável a ação de preferência.

Inconformado, o A apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue totalmente improcedente a Exceção de Caducidade do Direito de Ação, Ou caso assim não se entenda, Pela revogação da sentença recorrida, a substituir por decisão que determine a descida dos autos para efeitos de notificação do Recorrente para depósito do valor da comissão imobiliária em causa; Sem prejuízo, Deve a sentença recorrida ser julgada nula, por omissão de pronúncia relativa aos regimes legais de onde emerge(m) o(s) direito(s) de preferência do Recorrente; Ou caso assim não se entenda, Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente as Exceções de Inexistência do Direito Legal de Preferência e Inexistência do Direito de Ação; Em consequência, Devem ainda ser conhecidos e julgados como verificados os erros de julgamento na decisão relativa ao cumprimento do dever de comunicação para a preferência realizado pelos 1.ºs Recorridos, e na decisão relativa ao incumprimento do exercício atempado do direito de preferência pelo Recorrente, implicando na nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, que importa a declaração da sua nulidade e descida dos autos para produção de prova, ou a sua revogação e alteração da matéria de facto, ou a decida dos autos para produção de prova.

Conclui a alegação de recurso nos seguintes termos: «A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 27.10.2020, com exceção do segmento decisório que absolveu o Autor, ora Recorrente, do pedido de condenação em litigância de má-fé.

  1. A Sentença recorrida padece de Erro de Julgamento no que concerne à decisão de (in)cumprimento do depósito do preço devido nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1410.º, do Código Civil, pois que, o “preço devido”, previsto no disposto no artigo 1410.º do CC, corresponde ao preço (valor) do bem imóvel conforme titulado pela escritura de transmissão, pelo que, do mesmo se excluem os valores correspondentes a impostos, emolumentos e demais despesas subjacentes à celebração do contrato de compra e venda.

  2. O preço não pode integrar o valor da comissão imobiliária – € 10.000,02 (dez mil euros e dois cêntimos) –, diferentemente do entendido pelo Tribunal a quo, na medida em que esse valor consubstancia uma condição complementar, secundária e independente do contrato de compra e venda, que, além de eventual e acessória, é liquidada pelo comprador a um terceiro alheio ao negócio em causa, nenhuma medida de proteção do vendedor se impondo in casu.

  3. Considerar-se uma referida comissão imobiliária como parte integrante do preço devido, equivaleria a atribuir-se legitimidade para os 1.ºs Recorridos exigirem o pagamento de um depósito correspondente a um montante que nunca lhes foi pago, porquanto estes receberam da 2.ª Recorrida apenas o valor de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), configurando-se, assim, uma manifesta situação de enriquecimento sem causa daqueles, no valor de € 10.000,02 (dez mil euros e dois cêntimos).

  4. A idêntica conclusão se chega nos termos e de acordo com as premissas basilares do direito dos contratos, em particular das disposições relativas ao preço no âmbito da compra e venda, pois que o preço devido reconduz-se ao conceito técnico de preço aí previsto, sendo que não é por se encontrar previsto o pagamento de uma comissão a um terceiro, que isso o torna um elemento integrante do preço, tratando-se, ao invés, de uma mera cláusula contratual, e, quanto muito, de uma condição suspensiva, caso a mesma venha redigida no sentido de os efeitos do contrato estarem dependentes da sua verificação – o que não se verifica in casu.

  5. A Sentença recorrida padece de Erro de Julgamento no que concerne à decisão de (in)suscetibilidade do convite à regularização do depósito do preço devido, pois que, ainda que se considerasse que o valor da comissão imobiliária integra o “preço devido”, sempre deveria o Tribunal a quo, dentro daquelas que são as suas competências de adequação e gestão processual, notificar o Recorrente para efetuar o depósito do remanescente daquele valor, salvaguardando desta forma os valores e princípios constitucionais em causa.

  6. Interpretar o disposto no n.º 1 do artigo 1410.º do CC, no sentido de incluir no conceito de “preço” aí mencionado a comissão paga a um mediador imobiliário, e, em consequência, fazer caducar o direito de acção do Recorrente pelo facto de o mesmo não a ter incluído no valor global depositado, seria incluir na letra e no espírito da Lei aquilo que ela não contempla, e, assim, efetuar uma interpretação contrária ao direito de acesso ao direito e aos tribunais, com assento constitucional no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e previsão legal no artigo 2.º do CPC.

  7. Não foi concedida a possibilidade ao Recorrente de depositar o remanescente do preço, em concreto o valor da comissão imobiliária, ao contrário daquela que tem sido a solução preconizada pelos nossos tribunais superiores em casos semelhantes em que se impõe igual solução, em solução que contende, assim, com as expectativas inevitavelmente geradas pelo mesmo em ver o seu direito finalmente reconhecido, em prol da imposição de um formalismo.

    I. Em regime paralelo, como o é o regime da consignação em depósito prevista no artigo 830.º, n.º 5, do Código Civil, concede-se a possibilidade de que seja proferida Sentença condenatória a condicionar a eficácia da condenação ao depósito do remanescente do preço, sendo que não existe motivo para que no caso dos presentes autos seja aplicada solução diversa, faculdade que se reclama para o presente e que foi negada – em erro de julgamento – pela Sentença.

  8. ...

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