Acórdão nº 722/14.9BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução16 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório J... intentou oposição ao processo de execução fiscal nº 2208201101... instaurado pelo Serviço de Finanças de Palmela, por dívidas IRC do exercício de 2010 no valor de € 127.356,04 e acrescido, da sociedade G... - Sociedade Imobiliária, S.A., que contra si reverteram.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 2033, (numeração do SITAF), datada de 11 de Setembro de 2019, julgou a acção totalmente procedente e absolveu o oponente da instância executiva. A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, conforme requerimento de fls. 2102 (numeração do SITAF), no qual alega, em síntese, nos termos seguintes: «(…) // II. No caso concreto, salvo devido respeito por entendimento diverso, analisando a matéria de facto provada, deve reconhecer-se que o Opoente não produziu prova que permita concluir que não teve culpa no ato de não pagamento da dívida exequenda.

  1. Aliás, o que se constata é que o Oponente não cumpriu diligentemente com os seus deveres de gerência, aparentemente conformando-se com a atuação de terceiros.

  2. O Oponente não deixa de ser responsável pelo destino da sociedade e por todos os atos/omissões de gestão e administração da mesma.

  3. Segundo António Pereira de Almeida, em Sociedade Comerciais e Valores Mobiliários, Coimbra Editora, 2008. Pág. 235, "A obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social não significa que o administrador deve saber tudo o que se passa no dia a dia em cada departamento e secção da sociedade, mas impõe o dever de instalar sistemas adequados de vigilância e controlo de informação (monitoring procedures) e eventualmente realizar uma investigação quando tome conhecimento de factos anómalos (duty of inquiry). A obrigação de obter a informação apropriada para o processo de decisão deverá ser avaliada, por um lado, em função da complexidade, do grau de risco da decisão e, por outro lado, da urgência e necessidade da rapidez de decisão".

  4. E o mesmo Autor, quanto ao dever de diligência, obra citada, pág. 237: "O dever de diligência, está associado à obrigação de gestão, mas repare-se que o padrão de referência não é o “bónus pater familiae” do direito civil (art. ºs 487.º n.º 2, e 799.º n.º 2, do C Civ.), mas a figura abstracta de um “gestor criterioso e ordenado”, naturalmente com maior discricionariedade, mas mais exigente, tendo em atenção as importantes incumbências atribuídas aos administradores (art.º 64.º, n.º 1, al. A), in fine). Este padrão de referência tem particular importância no que respeita à avaliação de justos motivos para a destituição, ou da culpabilidade para efeitos de responsabilidade civil (...) Porém, no nosso sistema judicial, vigora o princípio da insindicabilidade do mérito das decisões de gestão, pelo que os tribunais se devem circunscrever a averiguar dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente se os administradores procederam com o cuidado e a diligência devidas".

  5. Está o gerente ou administrador obrigado a dever de cuidado. Deve empregar a diligência de um gestor criterioso e ordenado. E tal implica, no mínimo, uma obrigação de conhecimento quanto à documentação que assina em representação da sociedade, bem sabendo que é a sua a assinatura que a vincula perante terceiros.

  6. Não pode considerar-se que o Oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Ao não fazer tal prova, deve considerar-se improcedente a Oposição e julgar parte legítima para a execução fiscal o Oponente quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.

  7. O Oponente é nessa medida responsável pelo pagamento das dívidas de imposto e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o Despacho que contra ele decretou a reversão; X. Ao não o fazer, fez o Tribunal errada interpretação da factualidade que fixou, ou seja, existe erro de julgamento de facto; XI. Pelo que, forçoso será concluir que estão verificados todos os pressupostos legalmente erigidos à responsabilização do Oponente, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.

  8. Nada, pois, há a censurar na reversão em causa devendo a mesma manter-se na ordem jurídica do Oponente, o qual é, nessa medida, responsável pelo pagamento das dívidas de imposto e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão.

  9. Ao não o fazer, fez o Tribunal errada interpretação da factualidade que fixou, ou seja, existe erro de julgamento de facto; XIV. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença incorreu, também, em erro de julgamento de direito, tendo violado o disposto no art.º 23.º e alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º, ambos da LGT.» Conclui, pedindo que o recurso seja julgado procedente, por totalmente provado, e em consequência ser a sentença recorrida revogada e substituída por acórdão «que julgue a Oposição totalmente improcedente».

XO recorrido apresentou contra-alegações, expendendo conclusivamente o seguinte: «1. A Sentença recorrida padece desde logo de erro de julgamento, ou até, no limite de uma fundamentação contraditória, ao reconhecer que as questões administrativas e financeiras da devedora originária eram exclusivamente decididas pelo presidente do conselho de administração.

  1. Contudo, alega, sem qualquer prova, que não ficou demonstrado que o Recorrido não era gerente de facto da devedora originária.

  2. Pelo que, quanto ao referido entendimento a Sentença não poderá manter-se.

  3. Não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pela Fazenda Pública contra a decisão proferida nos autos de procedência da Oposição, em virtude da respectiva fundamentação não apresentar qualquer elemento susceptível de abalar o sentido da decisão recorrida.

  4. É notória a incongruência da posição defendida pela AT para justificar a falta de prova na ausência de culpa do Recorrido no não pagamento da divida exequenda.

  5. A AT não impugnou os vários documentos juntos aos autos pelo Recorrido, em particular os documentos de reestruturação do grupo G... e o contrato P... celebrado com o Estado Angolano, no entanto pretende de forma “encapotada” colocar em causa o seu teor.

  6. Nos documentos intervieram variadas instituições independentes do grupo G..., tais como Governo Português, Governo de Angola, Instituições Públicas (IAPMEI, P... SA, Facce, etc), consultoras (E..., P..., etc), instituições financeiras (B..., B..., etc).

  7. O Bussiness Plan foi dado a conhecer à AT em sede de procedimento de reversão sem que em nenhuma altura o seu conteúdo fosse posto em causa.

  8. A AT ao colocar em causa o seu conteúdo incorre em fundamentação a posteriori, inadmissível nos termos do preceituado no art. 77.º da LGT.

  9. É manifesto da documentação junta aos autos a exposição do Grupo G... Portugal a Angola.

  10. Pelo que, pelo antecedente não merece qualquer censura a decisão recorrida tão pouco nos termos pretendido pela AT.

  11. Fica demonstrado que bem andou o Tribunal a quo na valoração da prova testemunhal e na matéria dada por provado.

  12. É patente o esforço da AT em circunscrever a análise da prova testemunhal e documental para defender o indefensável, ou seja, que o Recorrido poderá ser responsabilizado pelo não pagamento da dívida revertida.

  13. Contudo, o depoimento das testemunhas inquiridas, bem como da documentação junta aos autos foi esclarecedor sobre o sucedido.

  14. É óbvio o esforço argumentativo da AT em causar confusão com vista a fragilizar a decisão recorrida que, reitere-se, não merece censura.

  15. Pelo que, deverá improceder o recurso e ser confirmada a decisão recorrida.

  16. Ao contrário do alegado pela AT, quer da documentação junta aos autos, quer da prova testemunhal, verifica-se que: i) a exposição do Grupo G... ao projecto Angolano; ii) a dependência do Grupo G... do projecto Angolano; iii) a intervenção de entidades públicas - IAPMEI, P..., FACCE - no processo de reestruturação do Grupo G... implementado após o corte abrupto do projecto Angolano; iv) a intervenção de consultoras independentes - E..., P..., D..., etc, no plano de reestruturação do grupo G... após o corte abrupto do projecto Angolano; v) a intervenção de várias instituições financeiras - B..., B..., B..., B..., etc - nos plano de reestruturação do grupo G... após o corte abrupto do projecto Angolano; vi) as diligências desencadeadas pelo Recorrido para fazer face à recuperação do Grupo G... e honrar os seus compromissos perante todos os credores, privilegiando o Estado.

  17. Por muito que a AT pretenda, não pode “passar uma borracha” sobre a realidade! 19. O Recorrido não é culpado pela ausência de pagamento das dívidas exequendas.

  18. Do ponto de vista material, se tudo mais faltasse, está demonstrada à saciedade que a ausência de pagamento de quaisquer dívidas pela SOCIEDADE não resulta de má gestão, ou insensibilidade para com o pagamento das dívidas fiscais.

  19. A ausência de pagamento das dívidas fiscais resulta de factores externos que se impuseram inelutavelmente à SOCIEDADE e ao grupo G... e que levaram à respectiva insolvência, como é reconhecido no relatório do Administrador da Insolvência.

  20. Até 2010, o grupo G... tinha uma situação imaculada.

  21. Em 2010 ocorre a nacionalização em Angola e as sociedades do perímetro G... ficam privadas de mais de 17 milhões de euros, ocorre um evento que inesperadamente altera toda a realidade do grupo, incluindo da SOCIEDADE.

  22. O Recorrido imediatamente procurou inverter a situação, com um arrojado plano de reestruturação, mas foi ultrapassado por factores que não dependiam de si.

  23. Foi celebrado um contrato de confirming com a Banca para pagar aos fornecedores.

  24. Esse contrato não foi celebrado por vontade do Recorrido, foi obrigado a isso pois tal era exigido pelo plano de negócios gizado para reestruturar o Grupo.

  25. E note-se no detalhe do plano de negócios apresentado com intervenção da P... e cuja execução foi supervisionada e acompanhada pela EY, que...

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