Acórdão nº 61/07.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | LUISA SOARES |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por N...
com referência à liquidação de IRS relativa ao ano de 2003 no valor de € 14.017,84.
A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que as ajudas de custo não era uma remuneração mas uma compensação pela deslocação do impugnante.
II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se os montantes recebidos a título de ajudas de custo pela deslocação do centro de actividade laboral, ou seja, do Porto para Angola, têm natureza remuneratória ou compensatória.
III- O impugnante à margem identificado, veio deduzir impugnação judicial, contra a liquidação de IRS, com o n.° 2006400..., de 29/11/2006, referente ao IRS de 2003, no montante de € 14.017,84, alegando que as quantias pagas pela sua entidade patronal tiveram o objectivo de compensar o impugnante dos gastos acrescidos em consequência da sua deslocação para local diferente do seu normal e habitual local de trabalho, nos termos da cláusula 7.ª, n.° 2 do adicional ao contrato de trabalho.
IV- Acresce mencionar que o impugnante celebrou um contrato de trabalho com a entidade patronal em 06/01/2003, constando do cláusula 4.° que o local de trabalho abrangeria toda a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos e Torres Vedras.
e em 06/01/2003 foi aditado ao contrato inicial, que o impugnante seria deslocado para a República de Angola, produzindo efeitos a partir de 06/01/2003, data do embarque para a República de Angola e que o vencimento seria de € 1.400,00 mensais, tendo direito a uma subsídio equivalente a 25% sobre o vencimento base, no montante de € 350,00, quantia paga em Portugal e, para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação, terá direito a ajudas de custo, no montante de € 3.240,00, pagas em Portugal.
V- No caso em apreço ter-se-á de averiguar se o impugnante foi deslocado do seu domicílio necessário e se reunia as condições necessárias para beneficiar do direito às ajudas de custo.
VI- O contrato de trabalho e o adicional ao mesmo foram assinados no mesmo dia, 06/01/2003, bem como a data do embarque para a República de Angola.
VII- Contudo, na cláusula 5.ª do contrato de trabalho, a obrigatoriedade e aceitação da deslocação dispensava a necessidade de um adicional sobre este.
VIII- Mas, na cláusula 8.ª menciona um período experimental de 180 dias.
IX- Assim, o primeiro dia de trabalho do impugnante, por conta da entidade patronal, a sociedade S..., em território angolano ocorreu desde o início do contrato de trabalho e por conta de um período experimental de 6 meses.
X- E, como vimos a aludir, não podemos estar perante uma deslocação do impugnante para o estrangeiro porque o que se constata é que o impugnante aceitou as condições propostas pela entidade pagadora, nomeadamente a prestação do trabalho em território estrangeiro, durante o período experimental de 6 meses, numa obra da sociedade.
XI- Assim sendo, nunca chegou a haver a constituição de qualquer domicílio necessário.
XII- O art. 87º n.° 2 do CC consagra que o domicílio necessário é determinado pela posse do cargo ou pelo exercício das respectivas funções.
XIII- Para Moura “(...) a execução do trabalho sempre andou associada a um determinado local, de tal modo que este seguramente integra o conteúdo do direito ao lugar. O local de trabalho espelha o centro de toda a actividade profissional do funcionário ou agente, sendo ali que este presta serviço e goza de intervalos para descanso. A prestação de serviço fora do local normal de trabalho envolve, por isso, em determinadas situações, um acréscimo de despesas, designadamente com a alimentação e alojamento.” - vide Moura, Paulo Veiga, Função Pública, regime jurídico, direitos e deveres dos funcionário e agentes, Coimbra editora, pág. 346 e segs.
XIV- O domicílio necessário é a localidade onde é prestado o serviço, sendo esta o espaço físico onde esta sediado o serviço, ou seja, em Angola.
XV- “(...) o domicílio necessário coincidirá com a localização do centro de gravidade da sua actividade funcional.” - vide Ac de 29/06, publicado no DR de 19/08/1996 XVI- No aresto supra é referido que “(...) a colocação com carácter de permanência reporta-se, não ao local de trabalho, mas ao serviço a que o funcionário se encontra adstricto e no qual deve comparecer diariamente para receber as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos em matéria de serviço.".
XVII- Num outro acórdão é mencionado que "(...) carácter de permanência (...) não têm que ver com o local de trabalho mas sim com o serviço a que o funcionário se encontra adstricto e onde deve comparecer diariamente.” - vide Ac. de 30/03/1995, publicado no DR de 18/07/1997 XVIII- Pelo exposto, podemos concluir que a localização do centro de gravidade da actividade funcional do impugnante era em Angola.
XIX- Quanto às ajudas de custo a sua natureza é diária e não mensal, tal como alega o impugnante.
XX- Num outro acórdão e sobre o conceito de retribuição é referido que “O conceito de retribuição é-nos dado pelo artigo 82.° do DL n.° 49408, de 24.11.69 (LCT), onde se dispõe: (...) 2. A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie.
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Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
(...) Na verdade, as ajudas de custo e demais prestações enumeradas no citado art.° 87° visam compensar ou reembolsar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador. Não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador. Característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho." XXI- Mais uma vez, não há qualquer efeito compensatório por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade empregadora mas sim, perante rendimentos do trabalho.
XXII- Na cláusula 7.ª do adicional ao contrato é mencionado que ao impugnante é pago um subsídio de deslocação no montante de € 350,00 /mês e, XXIII- Na cláusula 10.ª que o impugnante foi indemnizado do valor das viagens para Angola, no montante de € 1.507,00.
XXIV- Face ao exposto, questiona-se que despesas suportou o impugnante para se efectuar o pagamento das ajudas de custo, uma vez que tinha subsídio mensal de deslocação e as viagens pagas.
XXV- Quanto a esse aspecto, o impugnante no ponto 34 da sua p.i. refere que “(...) a economia ainda assenta em larga medida no “mercado negro”, seja para adquirir alimentação e outros produtos de primeira necessidade, sendo que, como é do conhecimento geral, os custos desses bens essenciais fora desse “mercado negro” são muito mais elevados que o normal.” XXVI- Pelo mencionado no ponto anterior, as remunerações revestem a natureza de rendimentos de trabalho.
XXVII - Mas, as ajudas de custo visam compensar ou reembolsar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não visa suprir as despesas particulares do impugnante pois essas são da exclusiva responsabilidade.
XXVIII- Quanto a este aspecto, o Ac. do TCAS que no seu sumário menciona que "Não é de qualificar como de ajudas de custo as verbas constantes atribuídas a um seu trabalhador por força da mudança do seu local de trabalho, quando não existe prova documental ou testemunhal de que tais verbas visam cobrir ou compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao seu serviço em razão da deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local;” - vide Ac do TCAS de 07/03/2006, proferido no proc. n.° 00772/05 XXIX- Num outro aresto do TCAS é referido no sumário que "A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
(…) Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era no estrangeiro e que a entidade patronal lhe pagaria uma determinada quantia a título de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo, as verbas pagas a este título não podem ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, mas antes complemento da retribuição, já que elas não visam compensar o trabalhador por despesas por si realizadas aos serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho (...) V - Passa então a competir ao contribuinte demonstrar que os rendimentos em causa têm carácter compensatório de despesas por ele efectuadas em favor da sua entidade patronal." - vide Ac do TCAS de 11/11/2003, proferido no proc. n.° 00598/03 XXX- Num outro aresto foi mencionado que “(...) Desde logo, cabe constatar que dos fundamentos por que a impugnação foi julgada improcedente na sentença recorrida, o recorrente só quanto à falta de pressupostos para a tributação, ou seja quanto aos pressupostos para que tais verbas sejam de qualificar como ajudas de custo vem esgrimir argumentos com vista à sua revogação...
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