Acórdão nº 158/19.5GABBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (juiz singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – Juiz 1, no final da audiência de discussão e julgamento foi proferido despacho alterando a qualificação jurídica do crime de que vinha acusado o arguido H… Inconformado, recorre o Ministério Publico, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: A - Nos presentes autos, foi realizada Audiência de Discussão e Julgamento, conforme consta da “Ata” de fls. 213 e finda a produção de prova, pela Mma Juiz foi proferido despacho em que se considerou não existir uma relação de domínio do arguido sobre a vítima ou de subjugação da vítima sobre o arguido, pelo que alterou a qualificação jurídica para dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143º, nº1 do C.P., ameaça agravada p. e p. pelos art.º 153º e 155º nº1 alínea a) do C.P. e injúria p. e p. pelo art.º. 181º nº1 do C.P.

Discorda-se da argumentação aduzida no despacho descrito, por duas ordens de razões: B - A alteração da qualificação jurídica encontra-se prevista no artigo 358º nº 3 do CPP e consiste numa reapreciação dos factos constantes da acusação, sem que lhes seja feita qualquer alteração, subsumindo-os a novos tipos de ilícito, diferentes daqueles que constavam da acusação.

C - É ainda necessário: a) que ela seja verificada pelo juiz, quer de instrução quer de Julgamento, é necessário que exista produção de prova - Acórdão do STJ n.º 11/2013 de Fixação de Jurisprudência in DR de 19.07.2013 ; b) que ela opere para um crime menos grave, se a pena que resultar da nova qualificação for, abstratamente, mais grave para o arguido, já não poderá ter lugar a aplicação do nº3 do artigo citado- in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, em anotação ao artigo 358º; c) que o crime que resulta da nova qualificação jurídica deve estar fora da hierarquia do crime base, ou seja uma simples desqualificação do crime não integra o conceito em causa.

D - Não concordamos com a alteração efectuada no despacho recorrido, porquanto os crimes resultantes da alteração da qualificação jurídica são um minus em relação ao crime de Violência Doméstica, pelo que esta “desqualificação” não careceria de qualquer comunicação.

E - Nos termos do disposto pelo artigo 152º do C.P., o crime de violência Doméstica tem dois elementos objectivos: a existência de maus-tratos e a qualidade da vítima.

F - Os maus tratos poderão ser físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, pode-se tratar de um acto isolado, que assuma gravidade bastante, ou de várias actuações reiteradas, iguais ou diversas entre si, de maior ou menor gravidade. Os factos praticados pelo agente podem integrar a prática de outro tipo de ilícito, (quer sejam ofensas à integridade física, injúrias, ameaças, etc,) ou podem não integrar, sendo factos que isolados não preencham outro tipo de ilícito, (como actos de humilhação por ex.) G - Depois, é necessário que a vítima seja: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; H - Existe ainda um elemento subjetivo, que não estando previsto na letra da lei, se retira do seu espírito: Agir com intenção de maltratar uma das pessoas mencionada.

I – [1] J - Pelo exposto, concluímos que sempre que alguém inflige maus tratos a uma das pessoas mencionas no artigo 152º C.P., querendo fazê-lo e agindo de forma livre voluntária e consciente comete o crime de violência doméstica.

K - Nestes termos, discordamos de qualquer entendimento ou construção que exija algum elemento do tipo, objectivo ou subjectivo, além dos já mencionados e previstos na lei, tal como a subjugação da vítima ou uma relação de domínio e do arguido para com a vítima.

L - O crime de Violência Doméstica é um crime complexo, que absorve muitas realidades e diversos níveis de gravidade. Podendo existir a tal relação de domínio, a subjugação ou, simplesmente, não existir.

M - Entendemos que o bem jurídico aqui protegido é a dignidade humana.

Ou seja, se a vítima está numa posição de vulnerabilidade, quer seja devido à idade, às suas condições físicas ou psíquicas ou até pelo amor ou paixão que sente por outra pessoa e se esta pessoa, consciente dessa...

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