Acórdão nº 875/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO O trabalhador, M. D., intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando requerimento de oposição ao despedimento- 98º-C. CPT.

A empregadora “X & Filhos, SA” apresentou o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar– 98º/2- G, 98º/1-J, CPT.

Invocou a existência de uma “excepção” relacionada com o facto de o trabalhador estar representado por sociedade de advogados, a qual foi igualmente representante da empregadora desde 2010 até 2018, mandato que abrangeu processos judiciais e disciplinares, para além do conhecimento que detêm da vida societária da empregadora. Assim, nos termos dos art.s 92º e 99º da Lei 145/2015, de 9-09 (doravante EOA), os mandatários estão impedidos de patrocinar o trabalhador, devendo a empregadora ser absolvida instância.

No mais alega que celebrou com o autor um contrato de trabalho em 01.10.2011, obrigando-se este a prestar a sua actividade como responsável pelo controlo de qualidade, acompanhado todo os processos de reclamações de clientes ao qual corresponde a categoria de Chefe de Departamento. O autor chefiou o departamento de qualidade e, ultimamente, vinha designado para chef‌iar o departamento de limpeza. Entre 11.07.2013 e 30.08.2018 o autor, assumiu funções de administrador da ré. Durante o período em que foi, por sua decisão, administrador e simultaneamente trabalhador, o autor teve como categoria prof‌issional a de “chefe de departamento”. O autor foi destituído do cargo de administrador em 30.08.2018. Por conseguinte, em 3-09-18, deveria apresentar-se ao trabalho e reingressar nas funções de director de departamento que tinha anteriormente à nomeação como administrador. Nunca o fez até ao momento em que foi despedido. Justificou parte das faltas ocorridas (até 2-10-18) com “atestado médico”, revelando consciência da obrigação de o fazer e da obrigação de se apresentar ao serviço. Mas não comunicou as faltas nem as justificou quanto ao período de 3-10-18 a 29-10-18. Não fez qualquer esforço para justificar as 18 faltas consecutivas no mês de outubro de 2018. O autor violou os deveres de comparecer ao serviço com assiduidade e promover e executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, bem assim como colaborar na obtenção de maior produtividade e executar o trabalho diligentemente e de boa fé. Violou os deveres dos arts. 126º e 128º, 1, als. b) e h), CT. O contrato de trabalho já não se encontrava suspenso desde 30-08-2018, data em que o autor foi destituído de administrador. Deve ser declarada validade do despedimento.

O trabalhador apresentou contestação e formulou reconvenção- 98º-L, CPT.

Quanto à “exceção”: o facto de a mandatária que o patrocina, Dr.ª J. B., ter no passado patrocinado a ré no âmbito de um processo judicial, apenas daria lugar a eventual irregularidade de mandato e o trabalhador deveria ser notificado para suprir a irregularidade, nos termos do art.

º 48º, 2, CPC.

No mais alegou: que o A. teve perante a R.

três qualidades, de acionista, titular de 14,7% das ações da R.

, de administrador da R.

(entre 11.

07.2013 e 31.08.2018, data em que foi destituído do cargo) e de trabalhador entre 01.02.

1996 e 02.04.2008 e entre 01.07.2011 a 31.01.2019, data em que foi despedido pela aqui R.

O A. desempenhou as funções de Administrador e de trabalhador da R.

sempre com total autonomia, gerindo os seus tempos de trabalho e as suas presenças em função das necessidades da R., nunca tendo preenchido folha de ponto, ou justificado as suas ausências a quem quer que fosse, durantes os seus 22 anos de serviço. O mesmo sucedia com qualquer um dos acionistas da R.

(irmãos do A.) que igualmente tem a qualidade de trabalhadores. Em decorrência da deliberação de destituição do A. do cargo de vogal do Conselho de Administração este sofreu um quadro de ansiedade e depressão, estando impossibilitado de prestar trabalho conforme atestado médico apresentado em set/18. O A. intentou um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (processo 4854/18.6T8GMR), com vista à suspensão da deliberação da R.

por via da qual foi destituído. Em 02.10.2018 foi proferida decisão no respectivo processo determinando a suspensão de tal deliberação, da qual a R.

foi citada em 08.10.2018. Segundo o art.

º 381º, 3, CPC “A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada”. Assim, o A. reingressou na posição de Administrador, por efeito da decisão cautelar de suspensão da deliberação de destituição do cargo de vogal do Conselho de Administração da R.

Ademais, nos termos do artigo 398º, 2, CSC, encontrando-se suspenso o contrato de trabalho do A., nem sequer era possível imputar-lhe qualquer falta ao trabalho. O acórdão final proferido nesses autos, embora revogando a decisão de 1ª instância, não releva por ser posterior à decisão de despedimento (14.

02.2019). Sem prescindir, o A. tentou, pelo menos 3 vezes entrar nas instalações da R.

para retomar a sua atividade, quer de Administrador, quer de trabalhador, funções que há 22 anos desempenhava. Ocorre que ao A. foi vedado o acesso às instalações da R.

pelos demais sócios (familiares).

Invoca, ainda, invalidades do processo disciplinar (impedido de consultar o processo e falta de audição de testemunha indicada pelo trabalhador).

Formula a seguinte reconvenção: a) declaração da ilicitude do despedimento ; b) condenação da empregadora a pagar-lhe: a indemnização de 47.500,00€ correspondente a 30 dias de salário base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, acrescida das retribuições intercalares que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão; 10.000,00€ de créditos salariais vencidos em 1-01-2019; 2.000,00€ a título de danos patrimoniais por privação de uso de viatura; 20.000,00€ a título de indemnização de danos não patrimoniais; juros de mora.

A empregadora apresentou resposta – 98º/4-L, CPT. Conclui pela improcedência das irregularidades do processo disciplinar, mantém o referido quanto ao que apelida agora de “conflito de interesses” por a mandatária que patrocina o trabalhador ter representado a ré e ter conhecimento profundo da vida societária. Refere que a decisão proferida na providência cautelar não teve o efeito de empossar o autor de novo na posição de administrador. O autor durante o processo disciplinar nunca invocou que estaria convencionado que, sendo administrador, não teria de justificar faltas, para além de nunca ter impedido o autor de trabalhar. Mantém a anterior factualidade e propugna pela improcedência do pedido reconvencional.

Em 4-06-2020, o trabalhador juntou aos autos procuração a favor de outra mandatária, a Drª P. R..

Em 8-07-2020, foi realizada audiência previa.

Na mesma foi proferido despacho sobre a “excepção” do alegado conflito de interesses relativamente ao mandato exercido pela ilustre mandatária do trabalhador. Constatou-se que já havia sido constituído novo mandatário, mas determinou-se, ainda, para o caso de alguma dúvida subsistir, a notificação do trabalhar para suprir o processado.

Em 8-07-2020, o trabalhador veio declarar que ratifica todo o processado.

No despacho saneador (8-09-2020) decidiu-se julgar ratificado o processado e, em consequência, suprida a alegada irregularidade do mandato.

Neste despacho, decidiu-se, ainda, pela improcedência da alegada invalidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa do trabalhador (negada a consulta do procedimento) e relegou-se para a decisão final a decorrente da falta de audição das testemunhas indicadas pelo trabalhador. Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se julgamento e foi proferida sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): “A ) Declaro ilícito o despedimento movido contra o trabalhador; B) Julga-se a reconvenção deduzida pelo trabalhador parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a empregadora a pagar-lhe a quantia de € 105 941,78 (cento e cinco mil, novecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado desta sentença e de juros mora, à taxa de 4%, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.

Fixo à acção o valor de € 105 941,78 (cento e cinco mil, novecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos) Custas pela empregadora e trabalhador, na proporção do decaimento.” A EMPREGADORA RECORREU: DA SENTENÇA E DOS DESPACHOS DE 8-07-2020 E de 8-09-2020 (DESPACHO SANEADOR) NA PARTE EM QUE INCIDIU SOBRE O ALEGADO CONFLITO DE INTERESSE QUANTO AO MANDATO DA ADVOGADA DO TRABALHADOR. CONCLUSÕES: i. A preterição da norma do art. 99.º do EOA, 6independentemente dos eventuais efeitos disciplinares tem, igualmente, efeitos processuais, na medida em que a posição favorável em que coloca a parte representada pelo antigo advogado do adversário e a mácula que fica para a credibilidade da Justiça perigam o próprio processo, abalando, desse modo, a justa composição do litígio, a igualdade de armas e a credibilidade do órgão de soberania Tribunais, inquinando todo o processo.

ii. É, por isso, imperativo sanar o processo, expurgando todos os actos que houverem sido maculados, absolvendo a contra parte prejudicada da instância, assim cumprindo o disposto nos arts. 4.º CPC e 13.º e 20.º, n.º 4 CRP iii. O ponto 5.

da matéria de facto deve ser declarado não provado com fundamento de não existir qualquer elemento probatório que o sustente como, pelo contrário, as várias testemunhas sustentarem o oposto (cfr. supra depoimentos de E. E. e C. P., ambos da sessão de 28.10.2019 iniciada pelas 10:00 e, respectivamente, registado no Habilus entre as 00:00:01 e 00:20:31 e 00:00:01 e 00:21:50) iv. Mais, tal constitui uma impossibilidade legal, já que com a nomeação do recorrido como administrador o contrato de trabalho suspende ope legis cfr. Art. 398.º n.º 2...

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