Acórdão nº 3165/18.1T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e mulher, BB, intentaram contra Caixa Económica Montepio Geral, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da R.:

  1. A reconhecer, relativamente à fracção A, melhor descrita no artigo 11.º da p.i., que o contrato celebrado com os AA. foi um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, e não um contrato de locação financeira, em consequência de vício na formação da vontade por parte dos AA.; b) A considerar o mútuo integralmente pago, atento que os AA. disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de qualquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações daquele contrato; c) A não se entender assim, deve ser considerado que os AA. cumpriram o contrato de locação imobiliária.

  2. Por cautela, caso se considere que o indicado contrato de locação foi resolvido, deve a R. ser condenada a pagar aos AA. a quantia de € 820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros), correspondente ao excesso de preço pago por estes à vendedora dessa fracção (€ 220.000,00) e ainda ao valor das benfeitorias realizadas pelos AA. na indicada fracção (€ 600.000,00).

  3. De todo o modo, ainda que assim não se entenda, sempre teriam os AA. direito a ser ressarcidos das indicadas quantias a título de enriquecimento sem causa, porquanto a R. ficaria enriquecida com aquelas quantias, sem qualquer causa que o justifique, à custa dos AA.; f) Para além disso, deve a R. ser condenada, no que respeita aos prédios identificados no artigo 3.º da p.i., a pagar aos AA. a quantia de € 500.000,00, a título de indemnização pela alienação dos mesmos, em violação do contrato de mútuo e da respectiva hipoteca; g) Deve ainda a R. ser condenada a cumprir o contrato de mútuo que celebrou com os AA. para a construção da habitação destes, sendo obrigada a entregar aos AA. a quantia necessária para terminar a respectiva obra, até ao limite contratado com estes; h) Finalmente, deve a R. ser condenada a pagar aos AA. a quantia de € 300.000,00 a título de danos morais.

    Alegam essencialmente que a R. se comprometeu com os AA. a aumentar o valor da conta-corrente caucionada destes em € 110.000,00, quantia que serviria para estes pagarem as prestações contratuais que estivessem em atraso e as que, eventualmente, se vencessem. Todavia, a R. não procedeu à efectiva entrega dessa quantia, antes aproveitou para se locupletar com os imóveis que os AA. deram como garantia.

    Mais alegam que a R. incumpriu os vários contratos celebrados, o último dos quais relativo ao reforço da conta-caucionada. Cumpriram os AA. as obrigações derivadas do contratado com a R.; esta, porém, tendo acordado com os AA. um alargamento do crédito em € 110.000,00, não respeitou tal compromisso, antes se fez cobrar, sem consentimento dos AA., por parte dessa quantia, sem qualquer fundamento.

    Por outro lado, tendo em conta o erro sobre a formação da vontade dos AA., aquando da celebração do contrato de locação financeira, uma vez que pensavam estar a celebrar um contrato de mútuo com hipoteca, deve o contrato em causa ser convertido num contrato de mútuo, com hipoteca sobre o imóvel. E deve ser considerado que as obrigações dos mutuários se encontram integralmente liquidadas, posto que os AA. disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de qualquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações daquele contrato.

    A não se entender assim, então deve considerar-se que os AA. cumpriram o contrato de locação imobiliária, na medida em que disponibilizaram os seus imóveis, um deles livre de quaisquer ónus, para assegurar o pagamento das prestações do contrato, tendo sido a R. que, por sua culpa exclusiva, não utilizou esse valor para tal fim.

    A considerar-se que o referido contrato de locação financeira foi resolvido, então deve a R. ser condenada a pagar aos AA. o excesso de preço que estes pagaram ao vendedor da fracção (€ 220.000,00) e ainda o valor das benfeitorias que aí realizaram (€ 600.000,00).

    Sustentam também que sempre teriam direito a ser ressarcidos das indicadas quantias a título de enriquecimento sem causa, porquanto a R. ficará enriquecida com aquelas quantias, sem qualquer causa que o justifique, à custa dos AA..

    No que respeita aos indicados “terrenos …”, alegam que a R deve indemnizá-los pelo prejuízo que sofreram com o incumprimento do contratado, o que, em conjunto, ascende ao valor de € 500.000,00.

    Por fim, deve ainda a R. ser condenada a cumprir o contrato de mútuo que celebrou com os AA. para a construção da habitação destes, determinando-se a entrega da quantia necessária para terminarem a respectiva obra, até ao limite contratado.

    A R. contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pelos AA., concluindo pela improcedência total da acção, e pediu a condenação destes como litigantes de má-fé, em pagamento de multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

    Em 5 de Março de 2020 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos formulados. E, embora considerando a conduta dos AA.

    “temerária”, entendeu que a mesma não assume gravidade subsumível ao conceito de litigância de má-fé, absolvendo-os do correspondente pedido.

    Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a modificação da decisão relativa à decisão de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    Por acórdão de 28 de Janeiro de 2021, foi alterada a matéria de facto e, consequentemente, foi proferida a seguinte decisão: «Considerando quanto vem de ser exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, julgando parcialmente procedente o pedido que os Apelantes formulam sob a alínea d), condenam a Apelada a pagar-lhes a importância de € 86.399,18 (oitenta e seis mil trezentos e noventa e nove euros e dezoito cêntimos) ressarcindo-os das benfeitorias que realizaram na fracção autónoma objecto do contrato de locação financeira.

    Quanto a todo o demais confirmam e mantêm a decisão impugnada» 2.

    Interpôs a R. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I – Vem a recorrente interpor recurso de revista, do acórdão do Tribunal da Relação que decide [concede] parcialmente a apelação deduzida condenando-a ao pagamento do montante de € 86.399,18, para pagamento das benfeitorias realizadas pelos recorridos/autores, por considerar excluída a cláusula 6º, nº 9 inserta no contrato referente a benfeitorias; II – Considera o Venerando Tribunal que as cláusulas gerais insertas no contrato, são cláusulas contratuais gerais, não tendo o conteúdo daquela cláusula sido explicado aos recorridos, violando assim o disposto no art. 5º e 6º do DL 446/95 (RGCCG); III – O contrato teve uma fase de pré negociação onde foram clarificadas todas as questões, tendo os recorridos perfeito conhecimento das condições, caraterísticas e consequências, ademais pela sua instrução (autor marido, comerciante de automóveis e autora mulher frequência do 3º ano de direito) e pela pouca complexidade da cláusula em questão e do contrato no geral.

    IV – Os recorridos assinaram o contrato que quiseram, conhecedores do seu clausulado, de forma livre e espontânea.

    V – As condições do contrato, quer gerais quer particulares foram atempadamente dadas a conhecer aos recorridos, não tendo as mesmas levantado qualquer dúvida, pelo que não houve nenhuma violação por parte do recorrente do DL 446/95.

    VI – Mesmo que, tal cláusula se considerasse não escrita, sempre decorreria do regime jurídico aplicado ao contrato de locação financeira – DL 149/95 que o locador financeiro podia fazer suas as benfeitorias, diferentemente do que é imposto pelo art. 1044.º do CC; VII – Neste regime jurídico, o locatário financeiro tem direito a fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário.

    VII – O regime de locação financeira é diverso do regime de locação, previsto no art. 1046º do C.C, porque tal como refere Gravato Morais a este propósito, esta pretensão do locador está dependente da não aquisição pelo locatário, no termo do contrato, do bem em causa, não se distinguindo – ao inverso do art. 1046º, nº 1 do C.C – se o locatário é equiparado ao locatário de boa ou má fé, como tampouco se enumeram que tipo de benfeitorias estão em causa.

    IX – E, se colocarmos a tónica no desequilíbrio de interesses das partes, fácil será de compreender qual a intenção que certamente teve o legislador nesta especificidade, porque o contrato de locação financeira implica para o locador financeiro um elevado volume de capital aplicado e de riscos assumidos, daí que importe dissuadir o locador do incumprimento.

    X – In casu, a recorrente adquiriu o imóvel, que deu em locação financeira aos recorridos, para determinado fim, que seria a de um estabelecimento para venda de bebidas, tendo os locatários/recorridos, apenas pago 14 das 180 rendas, entrado em incumprimento.

    XI – Por decisão do Venerando Tribunal da Relação, agora em recurso, não obstante a resolução por incumprimento, a recorrente ainda terá de receber o imóvel com as alterações introduzidas pelos recorrentes condicionadas a um restaurante, e pagar benfeitorias no valor de € 86.399,18.

    XII – E terá ainda o custo de as remover para poder relocá-lo a terceiro. XIII – Para evitar este desequilíbrio de interesses entre o locador e o locatário, em claro prejuízo do locador, o regime jurídico da locação financeira estipula expressamente no art. 9º, nº 2 al. c) que, existindo resolução por incumprimento, o locador fará suas sem compensações as peças ou outros bens incorporados no imóvel, não distinguindo entre benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.

    XIV – Neste sentido poderá ler-se o acórdão da Relação de Lisboa de 15/02/2016, acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2014 e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2017.

    XV – Nenhum fundamento legal existe para que a...

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