Acórdão nº 4426/17.2T9LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução15 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n. º 4426/17.2T9LSB.L1.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1. No Tribunal Judicial da Comarca …… (Juízo Central Criminal……, Juiz …), por acórdão de 16.10.2020, o arguido AA, entre outros, foi julgado e condenado nos seguintes termos: «a) Absolver o arguido AA da prática do crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 299.°, n.° 1, n.° 3 e n.° 5, do Código Penal, pelo qual, em concurso real e efectivo e em autoria material, se encontra também pronunciado; b) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA. em co- autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), da Lei n.° 5/2006, de 23/02, na pena de 7 (sete) anos de prisão; c) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; d) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em co- autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.°-A, n.° 1 e n.° 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 seis meses de prisão; e) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de proibida arma, previsto e punido pelos artigos" l.°, n.° 1, 2o, n.° 1, alínea m), 3.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas f) e g) e 86.°, n.° 1, alínea d), todos da Lei n.° 5/2006, de 23/02, na pena de 8 (oito) meses de prisão; f) Condenar, o arguido AA, em concurso real e efectivo, pela prática dos quatro crimes referidos na pena única de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de prisão; (...) dd) Condenar o arguido AA na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, não se aplicando a medida de segurança que se alude no Artigo 93. °, da Lei n.° 5/2006, de 23/02, prevista no artigo 90. °, n.° 1 a n.° 5, da Lei n.° 5/2006, de 23/02, pelo período de 10 (dez) anos; (...) gg) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição do exercício de funções de elemento da Polícia de Segurança Pública, não se aplicando a medida de segurança a que alude o artigo 100.°, do Código Penal, prevista no artigo 66.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos, com os efeitos previstos no Artigo 68.°, do Código Penal; hh) Condenar os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, no pagamento das custas do processo, e nos demais encargos com o processo, englobando os honorários devidos pela defesa oficiosa, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC, por cada um deles (cfr. Artigos 513.° e 514.°, todos do Código de Processo Penal e Artigo 8.°, do Regulamento das Custas Processuais); ii) Determinar ao abrigo do disposto no n.° 2 do Artigo 8.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de vestígios biológicos destinados a análise de ADN a aos arguidos AA. BB. CC e FF, com os propósitos referidos no n.° 3 do Artigo 18.°, do mesmo diploma legal; jj) Julgar o pedido de indemnização cível deduzido pelo Estado Português totalmente procedente, por provado, e consequentemente, condenar o arguido e demandado AA ao pagamento ao demandante, a título de danos patrimoniais sofridos, no montante global de € 20.473,62 (vinte mil quatrocentos e setenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), a que acrescem os competentes juros de mora legais vencidos, a contar desde a data da notificação para contestar, e os vincendos até integral e efectivo pagamento; kk) Condenar o arguido e demandado AA nas custas cíveis (cfr. Artigo 527.°, n.° 1, do Código de Processo Civil); ll) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a declaração de perda de vantagens a favor do Estado Português, nos termos do Artigo 110.°, n.° 1, alíneas a) e b), n.° 3 e n.° 4, do Código Penal, por serem resultantes de vantagens obtidas decorrentes da prática dos crimes pelos quais os arguidos AA. BB e CC vão condenados declarando-se, consequentemente, perdidos a favor do Estado: -o veículo automóvel, com a matrícula …-…-SX, propriedade dos arguidos AA e BB, registado a favor da arguida, e o respectivo documento único automóvel; (...)».

(negrito e sublinhados nossos).

2.1.

Inconformado, o arguido (para além de outros arguidos) interpôs recurso para o Tribunal da Relação …… que, por acórdão de 28.04.2021, decidiu: «Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desembargadores na 3ª secção do Tribunal da Relação …… (...) em julgar não providos os recursos dos arguidos AA, (...), em alterar a decisão da matéria de facto nos termos acima expostos, (...)e em manter o acórdão recorrido quanto a toda a restante matéria de facto e de direito.»[1] 2.2.

Com relevo para o arguido agora recorrente foi alterado o ponto 8 da matéria de facto que passou a ter a seguinte redação: “O arguido AA era a única pessoa em exercício de funções na subsecção de armamento do Departamento …… que procedeu ao registo de armas na base de dados SICARM.”[2] 3.

Ainda inconformado, veio agora o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as motivações nos seguintes termos: «1) O acórdão ora em crise, enferma de contradição entre a fundamentação e a própria deliberação, pelo que o recurso da matéria de facto e de direito se justifica.

2) Ao deliberar como delibera, quer o Tribunal de 1ª instância quer o Tribunal “A QUO” produzem um acórdão que manifesta um erro notório na apreciação da prova, o que também justifica o recurso da matéria de facto e de direito.

3) A matéria dada como provada, por inexistência do suporte factológico probatório, não permite concluir pela inequívoca aplicação do direito a que quer o Tribunal da 1ª instância e quer o Tribunal “A QUO” se apegam.

4) Quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A QUO” não dispunham de suficiência fáctica para dar como provados os factos que imputam ao Recorrente; 5) Quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A QUO”, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento incorre em contradição com a fundamentação.

6) Quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A QUO” não têm base factológica para considerar que o ora aqui Recorrente fez suas as armas Glock e que as vendeu a terceiros.

7) Quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A QUO” não conseguiram evitar, porque disso nos fazem fé a influência que a activação dos estereótipos tiveram nas suas avaliações, condenando com base naquilo a que chamaram “… conhecimento extraídos de outras situações semelhantes da vida real” e que assumem putativamente como critérios de grande razoabilidade os quais lhes permitiram inferir para lá da também putativa dúvida razoável; 8) Está em causa a dignidade do Recorrente e a violação de princípios constitucionalmente consagrados, mormente os plasmados nos artigos 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias do cidadão.

9) Assim como, a violação dos mais nobres princípios do processo penal como o são o princípio da presunção da inocência e princípio do “in dubio pro reo”.

10) Está em causa a violação dos direitos, liberdades e garantias do Recorrente.

11) Quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A QUO” ao decidirem como decidiram violaram os referidos preceitos plasmados nos artigos 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

12) Estamos perante em manifesto erro de apreciação da prova por parte do Tribunal da Relação porquanto, não é sequer congruente com a matéria de facto fixada através da livre valoração da prova produzida, com a imediação e oralidade, em audiência.

13) O Acórdão recorrido não pode, de forma alguma, condenar em meras perceções e em alegadas experiências de vida; 14) Partindo da mesma premissa intelectual a que se apega quer o Tribunal da 1ª instância quer o Tribunal “A QUO”, com manifesta ponderação, a mesma dignidade e com a respetiva ponderação assente em conhecimentos extraídos de outras situações semelhantes da vida real e atento os famosos critérios de razoabilidade a que ambos os acórdãos se apegam, revela-se, convictamente, como possível inferir para lá de uma dúvida razoável que não era apenas o Recorrente, que tinha acesso ao local e aos registos das armas.

15) Condenar o ora Recorrente, pelo simples facto de ser o armeiro, quando se comprova que terceiros também têm acesso às armas, apegando-se quer o Tribunal de 1ª Instância quer o Tribunal “A QUO” àquilo a que chamam de experiência da vida real, põe em causa a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias e acima de tudo um julgamento justo e ponderado...

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