Acórdão nº 749/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 749/2021

Processo n.º 929/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Município do Seixal, representado pelo Presidente da Câmara Municipal do Seixal, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC») da deliberação tomada pela Comissão Nacional de Eleições, de 9 de setembro de 2021.

2. Foram apresentadas junto da Comissão Nacional de Eleições diversas participações relativas ao uso de meios de publicidade institucional pela Câmara Municipal do Seixal e pelo seu Presidente. Tais queixas deram origem aos processos n.º AL.P-PP/2021/175, 177, 189, 259, 327, 348, 534, 554 e 563.

3. Na sequência das mencionadas participações, e após instrução, a Comissão Nacional de Eleições deliberou, em 9 de setembro de 2021, na parte relevante para os presentes autos:

«c) Notificá-lo, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro, para, sob pena de cometer o crime de desobediência previsto e punível pela alínea b), do n.º 1 do artigo 348.º, do Código Penal, no prazo de 48 horas, remover da página oficial da Câmara Municipal do Seixal na Internet o Boletim Municipal e da página do Facebook as publicações objecto de queixa; fazer cessar a divulgação dos vídeos no centro de vacinação Covid-19 e promover a remoção ou total ocultação dos outdoors denunciados.»

Com interesse para os presentes autos, pode ler-se na deliberação em causa:

«[…]

19. De toda a factualidade apurada no âmbito dos processos em análise, nos termos que constam da Informação n.° l-CNE/2021/239, de 08-09-2021, que se dá aqui por integralmente reproduzida, e dos respetivos anexos, resulta o seguinte:

i) Quanto à informação veiculada através de vídeos exibidos nos ecrãs colocados no centro de vacinação Covid-19 atente-se o teor do texto da pronúncia do Presidente da Câmara Municipal do Seixal, que, por si só, é suficiente para concluir que a informação divulgada por aquela via não se enquadra nas exceções previstas na Lei, pois os mesmos divulgam informação sobre a atividade normal da câmara municipal, sem que corresponda a necessidade grave e urgente nem a informação relevante para a fruição de bens e serviços pelos munícipes, contrariando, assim, o disposto na Lei e a mais recente Jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida no Acórdão n.° 678/2021, supracitada. Note-se, ainda, que a jurisprudência invocada pelo Presidente da Câmara Municipal (ac. TC 254/2019) não se adequa nem é transponível para o presente processo eleitoral, por se tratar de um acórdão, aliás único, produzido no âmbito do processo eleitoral para o Parlamento Europeu, em que a análise foi feita em função da eleição em curso àquela data;

ii) No que diz respeito aos outdoors denunciados, podemos observar que nenhum deles se encontra na situação de a sua publicitação ser de grave e urgente necessidade pública. Ademais, como decidiu o Tribunal Constitucional, são proibidas expressões que representam verdadeiros slogans publicitários (como sucede no caso ora em análise: "Trabalhamos para si!"), ou tão só a utilização de uma linguagem adjetivada e promotora de obras e iniciativas da instituição (como a requalificação de determinadas zonas), não se enquadrando em nenhuma das exceções admitidas pela CNE. Ainda quanto aos outdoors importa referir que, embora o Presidente da Câmara Municipal do Seixal alegue que a colocação dos mesmos foi muito anterior à publicação do decreto da marcação da eleição, entende o Tribunal Constitucional que incumbe ao titular do órgão do Estado ou da Administração Pública "por sua iniciativa, determinar a remoção de materiais que promovam atos, programas, obras ou serviços e/ou suspender a produção e divulgação deformas de publicidade institucional até ao dia da eleição sob pena de, não o fazendo, violar a norma por omissão (...)" [n.° 4 do artigo 10.° da Lei n.° 72-A/2015, de 23 de julho], (Cf. Acórdão TC n.° 545/2017).24

iii) No caso da informação constante no folheto distribuído com a fatura da água é evidente, face ao seu teor, que se encontra subjacente uma intenção de promover a imagem do executivo camarário, pois que se trata de conteúdo que extravasa o caráter informativo, contendo expressões como por exemplo "Seixal Apoia Famílias, Instituições e Empresas com 2 milhões de Euros", contrariando assim o regime legal vigente, o entendimento do Tribunal Constitucional, e o entendimento e orientações desta Comissão.

iv) No que se refere às publicações denunciadas (26) na página da Câmara Municipal do Seixal na rede social Facebook (https://www.facebook.com/municipioseixal/) verifica-se que as mesmas versam sobre a divulgação de ato, programa, obra ou serviço realizado ou em curso, não correspondendo nenhuma delas a um caso de necessidade pública grave e urgente, pelo que violam a proibição de publicidade institucional legalmente prevista.

Ademais, tais publicações contêm mesmo algumas expressões que ultrapassam a mera necessidade de informação do público, utilizando mesmo em algumas delas expressões que representam verdadeiros slogans publicitários (ex: o hashtag "#TrabalhamosParaSi"), bem como linguagem adjetivada e promotora de obras e iniciativas da Câmara Municipal (ex: "A obra de requalificação da Rua (...) teve como principal objetivo melhorar as condições da via, através de remodelação(...)"; "A obra de recuperação da rotunda (...)" "Em fevereiro deste ano, a autarquia assumiu a missão de transportar munícipes com mobilidade condicionada (...) como forma de apoiar a população(...)"-, etc).

v)Por fim, quanto ao Boletim Municipal (https://www.cm-seixal.pt/sites/default/files/documents/sbm765. pdf), importa referir que segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a imprensa institucional (propriedade da autarquia) está abrangida pelo âmbito da proibição de publicidade institucional: "[r]elativamente aos meios de difusão, devem considerar-se incluídos todos os serviços ou meios que, habitualmente, são adquiridos para publicidade (...) ou que sejam realizados por serviços da entidade pública (como imprensa institucional ou departamentos internos de comunicação).

Contudo, a Comissão considera que devem ser excecionadas as publicações autárquicas (órgão oficial de comunicação de um município ou freguesia), desde que respeitando a cadência regular da sua periodicidade, tenham um conteúdo objetivo, contendo-se dentro dos limites do relato isento dos factos, sendo absolutamente vedado que assumam uma função de promoção, direta ou indireta, da atividade do órgão, bem como de um candidato ou candidatura, quer através do texto, quer das imagens utilizadas, nomeadamente através da sua sistemática e repetida difusão.

Assim, tem sido entendimento da CNE, quanto às publicações autárquicas em período eleitoral, que é admissível a publicação de boletins das autarquias desde que respeite a sua regularidade e modos de difusão habituais e tenham conteúdos meramente informativos, designadamente a publicitação das deliberações dos respetivos órgãos. Nada obsta a que as câmaras municipais e as juntas de freguesia neles incluam balanços da sua atividade durante e no final dos respetivos mandatos, desde que se limitem a apresentar uma breve descrição sobre a ação do órgão autárquico, nos diversos domínios, mesmo que ilustrada através de fotografias, não se aceitando, todavia, que a publicação em período eleitoral seja a única relativa ao mandato.

Porém, não é admissível uma publicação que contenha promessas para o futuro, o que é suscetível de configurar propaganda eleitoral. Os editoriais da autoria dos presidentes de câmara ou de junta, ou quaisquer outras declarações, devem igualmente abster-se de referir, ainda que indiretamente, quaisquer projetos e iniciativas de ação futura

Face ao acima mencionado, constata-se que do boletim municipal em causa consta a referência a obras futuras, como por exemplo "Novas medidas de apoio Câmara municipal lança programa de habitação para jovens (...) lançamento de um projeto-piloto que coloca em hasta pública um terreno municipal (...), para a construção de um edifício com 8 frações autónomas para posterior venda a jovens do concelho, (...)" (pág.4). Ora, o anúncio de projetos futuros é percecionado como um ato de propaganda eleitoral a favor da candidatura que suporta o executivo municipal em detrimento das demais, sendo, assim, suscetível de violar os deveres de neutralidade e imparcialidade a que as entidades públicas e seus titulares estão obrigados a partir da marcação da data da eleição voto.

20. Face ao que antecede, a Comissão delibera:

a) Remeter ao Ministério Público o Boletim Municipal, por indícios da prática do crime previsto e punido pelo artigo 172.° da LEOAL;

b) Ordenar procedimento contraordenacional contra o Presidente da Câmara Municipal do Seixal, por violação do n.° 4, do artigo 10.°, da Lei n.° 72-A/2015, de 23 de julho, relativamente aos restantes materiais objeto de queixa e acima elencados;

c) Notificá-lo, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.° 71/78, de 27 de dezembro, para, sob pena de cometer o crime de desobediência previsto e punido pela alínea b), do n.° 1 do artigo 348.°, do Código Penal, no prazo de 48 horas, remover da página oficial da Câmara Municipal do Seixal da Internet o Boletim Municipal e da página no Facebook as publicações objeto de queixa; fazer cessar a divulgação dos vídeos no centro de vacinação Covid-19 e promover a remoção ou a total ocultação dos outdoors denunciados;

d) Advertir que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT