Acórdão nº 3903/16.7T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial de Faro - Juízo Central Criminal de Faro, J 5 - correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual foi acusado, (…) sendo-lhe imputada a prática dos factos descritos na acusação (para a qual remete integralmente o despacho de pronúncia de folhas 333 e seguintes) que constitui folhas 176 e seguintes, os quais eram suscetíveis de integrar a prática pelo arguido, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal.

* (…), ambos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 63 714,00, acrescida de juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano, se vencerem desde a notificação do pedido de indemnização civil ao arguido até integral pagamento.

O montante líquido do pedido corresponde ao dobro do valor entregue pelos demandantes ao demandado a título de sinal e aos juros de mora vencidos.

ª O arguido requereu em 09-09-2019 a abertura da instrução com os seguintes fundamentos, em súmula: a) A exceção do caso julgado, argumentando que o ora arguido já foi ilibado no processo 570/11.8TALLE, tendo o inquérito sido arquivado, sem que tivesse sido requerida a abertura da instrução, pelo que há violação do “ne bis in idem”; b) A extinção do direito de queixa, alegando que o direito de queixa exercido nos presentes autos ocorreu cerca de três anos depois do arquivamento do inquérito supra referido; c) A insuficiência da acusação onde o arguido invoca que da acusação não constam todos os factos necessários à verificação do dolo, o que a torna nula ao abrigo do preceituado no artigo 283º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal.

Sobre este requerimento de abertura da instrução de 14-11-2019 e sobre as questões da “excepção do caso julgado”, “extinção do direito de queixa” e “nulidade do inquérito” recaiu um despacho prévio à declaração de abertura de instrução onde o Mmº Juiz decidiu: No seu requerimento de abertura de instrução, veio o arguido invocar, entre o mais, a violação do princípio do caso julgado, bem como a extemporaneidade do direito de queixa.

Notificado do Digno Magistrado do Ministério Público para se pronunciar, veio o mesmo referir que o crime imputado ao arguido é crime público, não dependendo de queixa, e que não se verifica a excepção de caso julgado, já que o arquivamento relativamente ao aqui arguido foi realizado no âmbito do art. 277.°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não fazendo caso julgado.

Cumpre apreciar.

*No que concerne à extemporaneidade do direito de queixa, assiste razão ao Ministério Público.

De facto, em sede de acusação mostra-se imputada ao arguido a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217.°, n.º 1 e 218.°, ns 1 e 2, alínea a), ambos do Cód. Penal.

Ora, embora o crime de burla simples, p. e p. pelo art. 217.° do Cód. Penal, dependa de queixa (vd. art. 217.°, n. 3), o mesmo não sucede quanto ao crime de burla qualificada.

Assim, não dependendo o procedimento criminal de queixa, não se verifica a existência de qualquer prazo de caducidade. Deste modo, a queixa apresentada - que equivale, para todos os efeitos legais, a uma denúncia - é tempestiva, pelo que se indefere a arguida excepção.

Notifique.

*Relativamente à verificação da excepção do caso julgado, refere o arguido que os factos constantes do despacho de acusação foram já objecto de despacho de arquivamento, no proc. n. 570/II.8TALLE, do DIAP de Loulé.

No âmbito de tal processo (cuja certidão se mostra apensa aos presentes autos), é possível verificar que, efectivamente, se investigaram exactamente os mesmos factos que se mostram descritos na acusação destes autos, tendo contudo a sua autoria sido imputada a (…) (filho do aqui arguido (...)).

Assim, a fls. 521 a 522 de tal certidão consta a respectiva acusação contra (...).

Por seu turno, o processo havia sido arquivado relativamente ao aqui arguido (...), por insuficiência de indícios, nos termos do art. 277.°, n. 2, do Cód. Proc. Penal, conforme se verifica do teor de fls. 517 e 518 da certidão junta.

O arguido (...) veio a ser julgado no âmbito do proc. n." 570/11.8TALLE, tendo sido absolvido da prática dos factos, conforme melhor se verifica do teor de fls. 738 a 764 da respectiva certidão.

Ora, na respectiva decisão sobre a motivação de facto consta o seguinte: "Ou seja, o que se provou nesta fase processual são efectivamente todos os factos relevantes e já constantes da acusação pública, para a qual remeteu o despacho de pronúncia mas com distinta autoria, ou seja, daquele contra que foi proferido despacho de arquivamento do inquérito, o pai do arguido, sendo que, a prova, quer directa que por presunção probatória não permitem considerar como provados os factos atinentes à actuação do arguido, sendo de realçar que, pese embora, dos depoimentos prestados pelos demandantes resulte que, desde o ano de 2010 - portanto em momento muito posterior ao da celebração do contrato - o arguido tenha assumido um papel mais pro-activo nas negociações visando a celebração do contrato-prometido, tal não seria suficiente para que se valorasse esse comportamento como indicando que todo o actuar pretérito fosse de acordo com um plano e desígnio por si elaborado. " Do exposto resulta que foi apenas em consequência da produção da prova em julgamento - nomeadamente das declarações de (…) e de (...) que se chegou à conclusão que o autor dos factos era, na realidade, o aqui arguido.

Embora o arguido refira que, com o despacho de arquivamento no proc. n. 570/11.8TALLE, houve lugar à cristalização da sua situação jurídico-penal, tal afirmação não corresponde inteiramente à realidade.

Na verdade, conforme se refere no Venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Novembro de 2016, proc. n. 52/15.9 PEEVRE1, disponível in \vww.dgsi.pt, "apenas nos casos de arquivamento do inquérito abrangidos pelo n. 1 do artigo 277. ° do CP Penal é que há consolidação do decidido, não podendo ser reaberto o inquérito. Não se trata propriamente de "caso julgado" pois este respeita apenas a decisões de natureza jurisdicional, mas de um caminho paralelo. Tendo entendido o Ministério Público arquivar porque não se verificou um crime, ou porque o arguido não é o autor do crime ou porque é inadmissível o procedimento, não pode vir mais tarde, em nome da segurança e da certeza jurídicas, afirmar o contrário".

Na situação em análise, conforme acima se aludiu, o arquivamento dos autos no proc. n. 570/11.8TALLE relativamente ao arguido deu-se nos termos do art. 277.°, n. 2, do Cód. Proc. Penal.

Ora, a lei prevê, nos termos do art. 279.°, do Cód. Proc. Penal, que o inquérito possa vir a ser reaberto, desde que surjam "novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento".

Assim, da leitura do normativo em causa desde logo se retira que o despacho de arquivamento por ausência de indícios não forma caso julgado, podendo haver lugar a nova análise caso haja elementos de prova posteriores que invalidem os fundamentos de tal arquivamento.

No caso do proc. n. 570/11.8TALLE, tais novos elementos de prova corresponderam às declarações de (...) e de (...) que, conjugadas com os meios de prova existentes, permitiram àquele Tribunal firmar a convicção que havia sido o aqui arguido quem praticou os factos em apreço.

Por conseguinte, seria sempre admissível a abertura do inquérito nos termos do art. 279.°, n. 1, do Cód. Proc. Penal.

Sucede, todavia, que o proc. n. 570/l1.8TALLE prosseguiu para julgamento, em virtude de ter sido acusado (e pronunciado) um terceiro pela prática dos factos relativamente aos quais (...) foi objecto de despacho de arquivamento.

Por conseguinte, o aludido processo deixou de se encontrar na fase de inquérito, sendo, por conseguinte, impossível proceder à sua reabertura nos termos do art. 279.° do Cód. Proc. Penal.

Não obstante, poderia o Digno Magistrado do Ministério Público ter requerido a extracção de certidão do processado para instauração de novo inquérito contra o aqui arguido (em lugar da reabertura, que já não se mostrava possível), o que não fez. Ao invés, vieram os denunciantes apresentar nova queixa/denúncia, pelos mesmos factos, quanto ao arguido (...), substituindo-se assim a competência que incumbia ao Ministério Público.

Poder-se-ia questionar a existência de eventual vício procedimental, no âmbito da legalidade processual, como fez o Venerando Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 11/03/2008, proc. n. 2846/07-1, disponível in www.dgsi.pt.

Sucede, todavia, que por despacho de fls. 76, datado de 19/06/2017, a Magistrada do Ministério Público titular do inquérito ordenou a reabertura dos autos, nos termos do art. 279.°, n. 1, do Cód. Proc. Penal.

Embora neste processo não pudesse, em rigor, haver lugar à reabertura de inquérito - já que o mesmo nunca foi encerrado - retira-se ainda assim do despacho em causa que o Ministério Público pretendeu reanalisar a investigação criminal quanto ao arguido (...).

Assim, a questão do vício procedimental ficou sanada, já que a entidade competente para determinar a abertura de nova investigação quanto ao arguido (...) declarou expressamente pretender fazê-lo.

Por todo o exposto, entende este Tribunal não se verificar a excepção de caso julgado, pelo que vai a mesma indeferida.

Notifique.

*Requerimento de abertura de Instrução de fls. 216 a 224: Em virtude de ter sido oportunamente requerida pelo arguido, mostrar-se legalmente admissível e não ser devido, no caso, o pagamento de qualquer taxa de justiça (art. 287.°, n. 3, do Cód. Proc. Penal e art. 8.° do Regulamento das Custas Processuais), declara-se aberta a fase de instrução - cfr. art. 286.° do Cód. Proc. Penal).

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