Acórdão nº 00362/20.3BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO E., S.A., com os sinais dos autos, notificado do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 18.06.2021, e exarado a fls. 247 e seguintes [suporte digital], que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A, vem atravessar requerimento destinado a interpor Recurso de Revista, dirigido ao colendo S.T.A., com fundamento no artigo 150º do C.P.T.A., nele suscitando o incidente de arguição de nulidade de acórdão, com fundamento nas alíneas c) e d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.

É o seguinte o teor das conclusões do recurso de revista: ”(…) I.

Nos termos do artigo 150.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode haver Recurso de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II.

Existem questões levantadas pelo acórdão recorrido que resultam na manifesta importância da intervenção do Supremo Tribunal de Administrativo para a correta apreciação e aplicação da lei.

III.

No caso sub judice, está em causa a violação do artigo 103.°-A n.° 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quanto ao pedido de levantamento do efeito suspensivo dos atos de adjudicação dos Lotes 1, 3, 6, 8, 10, 11, 1, 14, 15 e 16 do Concurso Público n.° 5010043724, que tem por objeto a «Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022».

IV.

É que a aplicação do artigo 103.°-A número 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se compadece com uma decisão judicial que manifeste uma ponderação superficial e incauta da questão suscitada, e que não proceda à adequada avaliação dos critérios previstos naquele normativo e à matéria de facto assente.

V.

As expectativas juridicamente criadas com a vigência do disposto no artigo 103.°-A, que é imposição da Diretiva 2007/66/CE, são totalmente frustradas se efetivamente este não for aplicado de forma responsável pelo Tribunal, e se acabar esvaziado de conteúdo.

VI.

Além desta matéria, o presente recurso assenta ainda na errada aplicação ao caso dos autos, do Decreto-lei n.° 124/2006, de 28 de junho, que institui o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, e na contradição desta decisão, com duas outras decisões anteriores e transitadas em julgado, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito (os pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 103.°-A, do CPC), tendo por objeto igual núcleo factual ao que é versado no acórdão recorrido (tratando-se do mesmo Concurso Público e com identidade na maioria dos Lotes impugnados), violando assim autoridade de caso julgado.

VII.

A questão da proteção do interesse público relevante que se encontra adjacente a esta ação - o da Proteção da Defesa da Floresta Contra Incêndios, o da mitigação do risco de incêndio e da proteção da segurança das pessoas e bens - é de suma importância, e não pode ser desconsiderada, nem admitida uma errada aplicação do disposto no Decreto-lei n.° 124/2006 de 28 de junho.

VIII.

Esta necessidade de certeza e segurança jurídicas assume especial importância, tendo em consideração que estão em causa contratos públicos, na matéria da Defesa da Floresta Contra Incêndios, cuja relevância social, per se, é incontestável.

IX. Por outro lado, a contradição de julgados ofende diversos princípios do Estado de Direito - designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

X.

Nesta conformidade, impõe-se a apreciação das questões ora em apreço pelo Supremo Tribunal Administrativo para criação de jurisprudência que conduza a uma maior segurança jurídica e a uma justa e homogénea aplicação do Direito nesta matéria, concretamente na ponderação dos pressupostos para aplicação do levantamento do efeito suspensivo automático , e na medida em que estas questões são jurídica e socialmente relevantes para o contencioso administrativo atendendo à complexidade da questão e das suas consequências.

VEJAMOS, XI.

O Acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que ordenou a manutenção do efeito suspensivo automático dos Lotes aqui impugnados.

XII.

No entanto, é nulo o referido Acórdão por quanto o mesmo não conhece - como deveria - todos os factos de que devesse conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, que aquele Tribunal não considerou.

XIII.

É que, naquela resposta, a Recorrente alegava a existência das duas decisões contraditórias ao sentido decisório deste aresto agora recorrido, e tais decisões não constam se quer ponderadas na decisão.

XIV. Ora, nos termos do disposto no n.° 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 1.° do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

XV.

E tal omissão originou a violação pelo Tribunal a quo de princípio essenciais, como o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 3.° do Código de Processo Civil e no artigo 20.° número 4 da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, o que prejudicou irremediavelmente a Recorrente.

XVI.

Na verdade, a garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão jurisdicional, são corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.

XVII. E esta omissão resulta apenas da desconsideração dos fundamentos alegados pela Recorrente naquela Resposta, mas sim a denegação de uma pretensão processual ali formulada.

XVIII. E é por isso que, ao transpor para a sua decisão os fundamentos alegados no Parecer pelo Digníssimo Ministério Público sem considerar a defesa apresentada pela Recorrente e o peticionado na sua resposta, a decisão do TCAN está enfermada por um vício que conduz à sua nulidade.

XIX. Concluiu o Tribunal a quo que, a manter-se a suspensão dos atos, a Entidade Demandada/Recorrida se via impossibilitada de cumprir as suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível exigidas ao abrigo do SDFCI, e que tal impossibilidade era geradora de um risco gravemente prejudicial para o interesse público, o que sustentou a sua decisão de levantamento do efeito suspensivo automático daqueles atos.

XX.

Sucede que, tal decisão viola frontalmente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e que não foi alterada pelo Tribunal Recorrido.

XXI. Porquanto, no ponto 5 dos factos provados resulta inequívoco que a Entidade Demandada/Recorrida executa as mencionadas tarefas ao abrigo de outros contratos em vigor e/ou cujos procedimentos se encontram em curso.

XXII. É que, o que decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, foi exatamente que: «(...) através da junção de outros contratos celebrados e de anúncios de outros procedimentos igualmente lançados pela Entidade Demandada neste âmbito, dos quais resulta serem, de facto, contempladas, noutros instrumentos contratuais, alguns dos quais ainda vigentes, as atividades ambientais cuja execução se pretende salvaguardar através do levantamento do efeito suspensivo automático (cfr. ponto 5 do probatório).» XXIII. E adiantou aquele Tribunal na sua fundamentação que os contratos em questão se «encontram configurados, na própria fundamentação da decisão de contratar, como um complemento e um incremento [aumento/desenvolvimento] do modelo de gestão implementado e dos trabalhos já contratualizados e executados ou a executar pela Entidade Demandada e não como instrumento exclusivo de execução da atividade em questão (...)» XXIV. Pelo que, não alterando o TCAN a matéria de facto dada como provada, como não alterou, não podia nem pode concluir como concluiu.

XXV. Designadamente, não pode entender o TCAN que a Recorrida não pode executar as atividades ambientais previstas no SDFCI por outros meios que não os deste Concurso, quando resulta provado, que está a executá-las e vai executá-las ao abrigo de outros contratos que se encontram especificados naquele ponto da matéria de facto.

XXVI. Dispõe a alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil que é nula a decisão quando: «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.» XXVII. E como bem decidiu o Supremo Tribunal Administrativo: «A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do n°1, do artigo 615° do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;» XXVIII. E foi exatamente isso que ocorreu nos autos vertentes - por um lado, o TCAN não indica quais os factos provados que sustentam a sua decisão, e, por outro lado, os factos que estão provados nos autos levam-nos inelutável e logicamente, a uma decisão em sentido absolutamente contrário ao decidido.

XXIX. A contradição é latente e inegável, e por isso o Acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

ACRESCE AINDA QUE, XXX.

O Tribunal a quo incorreu...

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