Acórdão nº 03446/19.7T8ALM-A.L1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 13 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução13 de Setembro de 2021
EmissorTribunal dos Conflitos

Tribunal dos Conflitos Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para pagamento de quantia certa contra AA, requerendo o pagamento coercivo das dívidas do executado perante a Caixa de Compensações, no valor global, em 1 de Março de 2019, de € 935 709,25 (€ 733 990,25 de capital e € 201 719,12 de juros de mora vencidos em 1 de Março de 2019), acrescido dos juros vincendos calculados à taxa legal desde 2 de Março de 2019 até efectivo e integral pagamento.

Como título executivo, juntou uma certidão de dívida emitida pelo Conselho Geral da referida Ordem (n.º 4 do artigo 84.º dos respectivos Estatutos, aprovados pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro).

Pelo requerimento de fls. 26, v.º, o executado invocou a excepção de incompetência em razão da matéria, sustentando tratar-se de execução da competência dos tribunais administrativos, uma vez que “As relações jurídicas entre a OSAE e os seus associados são relações de natureza administrativa, entre as quais se incluem as questões relativas à Caixa de Compensações” (ponto 6).

A exequente veio sustentar que o requerimento devia ser indeferido, por ser competente o tribunal onde a execução foi instaurada.

Pelo despacho de fls. 56, v.º, o tribunal julgou-se “materialmente competente”; AA interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fl. 97, de 14 de Julho de 2020, revogou o despacho recorrido e rejeitou a execução, decidindo que os tribunais comuns são incompetentes, “por ser competente o tribunal administrativo”.

  1. A exequente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, defendendo a revogação do acórdão recorrido e a prossecução dos termos da execução no Juízo de Execução. Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes: «A. Constitui título executivo bastante a certidão de dívida passada pelo conselho geral da OSAE no que se refere a quotas, e às taxas devidas à Caixa de Compensações, aplicando-se à cobrança coerciva de taxas ou outras quantias as regras do Código de Processo Civil (n.º 3 e n.º 4 do artigo 84.º do seu Estatuto).

    B. É fundamental assentar na distinção das soluções estabelecidas no n.º 2 do artigo 207.º do Estatuto da OSAE, que determina que das decisões definitivas tomadas em matéria disciplinar cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos e no n.º 3 do artigo 84.º, onde se optou por omitir remissão similar.

    C. É que, com as referências que introduziu, no n.º 3 do artigo 84.º da OSAE, às regras do Código de Processo Civil – que não é o mesmo que o conceito de “lei processual civil”, contido no n.º 5 do artigo 157.º do ETAF – quis o legislador, não apenas determinar a aplicação do regime geral do processo de execução, mas também submeter estas situações ao bloco de legalidade do Código de Processo Civil e, portanto, à jurisdição dos tribunais cíveis.

    D. Até porque, se a sua intenção fosse, apenas, a de subordinar esta categoria de processos de execução, no quadro da jurisdição administrativa e fiscal, às normas em matéria de tramitação no domínio processual civil, bastar-lhe-ia o silêncio, uma vez que tal solução já decorreria de quanto estatui o n.º 5 do artigo 157.º do CPTA.

    E.

    É muito relevante, para o esforço interpretativo requerido, sublinhar que o nº 4 do artigo 43.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, estabelece que a cobrança coerciva dos créditos resultantes provenientes das quotas e das taxas cobradas pelos serviços prestados pelas associações públicas profissionais segue o processo de execução tributária.

    F.

    E que disposição de idêntico teor é replicada, v. g., pelo n.º 1 do artigo 155.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e pelo artigo 120.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros.

    G. Ora, no caso da OSAE, o legislador quis expressamente consagrar uma solução distinta daquela, o que resulta claro da comparação entre a solução constante do n.º 3 do artigo 84.º do Estatuto da OSAE e aquela que é acolhida naquelas normas.

    H.

    Uma solução diferenciada em termos de normas procedimentais – o Código de Processo Civil em vez do Código do Procedimento e Processo Tributário –, mas também em termos de competência material de apreciação – os tribunais cíveis, em vez dos tribunais fiscais.

    I.

    As relações estabelecidas entre a OSAE e os seus associados, que sejam devedores da Câmara das Compensações, não devem reconduzir-se, sem mais, à categoria de relações jurídico-administrativas.

    J. As associações públicas profissionais constituem, em simultâneo, manifestação de vontade do poder público, que as institui, e do princípio da liberdade de associação, pelo que, em tudo quanto não for incompatível com a natureza pública que apresentam, compartilham do regime comum das associações.

    K. Daí que, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, as suas decisões estão sujeitas ao contencioso administrativo, apenas, quando em causa estejam o exercício de poderes públicos.

    L. Diferentemente, o controlo da juridicidade das demais decisões, que não apresentem essa marca distintiva, caberá a outras categorias de tribunais, isto é, os comuns.

    M. Em matéria de cobrança de dívidas dos associados, OSAE não exerce poderes de autoridade, encontrando-se numa situação jurídica similar à de outras associações privadas (ou entidades comparáveis), uma vez que não dispõe de poderes coercivos para tornar a cobrança efectiva, no caso de não ocorrer o pagamento voluntário das mesmas.

    N.

    E o facto de as certidões de dívida emitida pelo Conselho Geral da OSAE constituírem título executivo não é, por si só, sinal da presença de uma relação jurídica administrativa, pois que isso também ocorre com entidades de direito privado, sujeitas ao processo de execução da competência dos tribunais...

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