Acórdão nº 1022/20.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 11.3.2020, D... instaurou a presente ação declarativa comum contra S..., S. A.

[1], pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a importância de €23.798,00, e respetivos juros moratórios, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido em 20.5.2017 e que envolveu a sua viatura de matrícula ..., melhor descrito na petição inicial, originado por condutor de veículo seguro na Ré, que assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos sobrevindos.

A Ré contestou, impugnando os valores peticionados e concluindo pela improcedência do pedido de reparação de danos não patrimoniais e a sua absolvição do restante pedido “em tudo o que exceder o montante de €8.280”, tendo em conta a factualidade apurada e a quantia para a regularização do sinistro indicada na sua comunicação de 07.7.2017.

Em 05.7.2020, o A. comprovou nos autos o pagamento, em Junho/2020, de IUC (imposto único de circulação) referente ao veículo ..., e requereu “a adição da despesa de €146,47 que aqui se junta ao valor já peticionado na PI” (sic).

Foi fixado o valor da causa (“de €23.944,47 correspondente ao valor do pedido deduzido nos autos pelo autor e ampliação”) e proferido despacho saneador, que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 19.02.2021, condenou a Ré no pagamento ao A. das quantias de: a) €11.850 a título de dano patrimonial emergente de acidente de viação, e juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até integral pagamento; b) €2.748,00 a título de dano de privação de uso do veículo, com juros de mora sobre a quantia de €1.248 desde a citação e sobre a quantia de €1.500 desde a prolação de decisão, à taxa legal de 4 %, até integral pagamento; c) €1.000 a título de compensação pelo dano não patrimonial e juros de mora à mesma taxa, desde a prolação da sentença até integral pagamento; absolveu a Ré do demais peticionado.

Inconformada, a Ré apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: ...

Concluiu pela revogação da sentença recorrida, condenando a recorrente a pagar a quantia de €9.780, pelos danos sofridos pela sua viatura, e de €1248 €, a título de privação do uso, absolvendo-a do pagamento das restantes indemnizações arbitradas.

O A. respondeu e apresentou recurso subordinado (pedindo a ampliação prevista no n.º 2 do art.º 636º do Código de Processo Civil/CPC), concluindo assim: ...

Rematou pedindo a improcedência do recurso da Ré e que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €15.600 pelo dano de perda total do veículo, acrescida de juros moratórios, bem como a importância de €146,47, a título de IUC, por cada ano desde o acidente, num total de € 585,88.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto dos recursos, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto, verificando, desde logo, a eventual (in)observância dos ónus correspondentes; b) decisão de mérito (valores das indemnizações pela perda total do veículo, dano da privação do uso - vertentes patrimonial e não patrimonial - e IUC).

  1. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: ..

2. E deu como não provado: ...

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1 do CPC), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir - as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

O tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[2], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.

[3] As conclusões servem assim para delimitar o objecto do recurso (art.º 635º do CPC), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.

4. Não se discute que a Ré Seguradora deverá ressarcir o A. pelos danos decorrentes do acidente dos autos [cf. II. 1. 7), supra].

No que subsiste, enquanto que para a Ré/recorrente “a questão passa pela interpretação e aplicação do direito em relação à matéria de facto respeitante ao sinistro dos autos” (cf. o exórdio da alegação de recurso), o A./recorrido, na qualidade de recorrente subordinado e invocando o disposto no n.º 2 do art.º 636º do CPC, questiona alguns dos factos dados como provados (ou não provados) mas não cumpre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto previstos no art.º 640º do CPC.

Na verdade, além de não explicitar/concretizar (adequadamente) os correspondentes pontos da matéria de facto que diz impugnar, o A. também não concretiza a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnados diversa da recorrida, e, sobretudo, havendo invocado (e evidenciado) depoimentos de diversas testemunhas, omite, completamente, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e não transcreve quaisquer excertos desses depoimentos (cf. o art.º 640º, n.ºs 1, b) e c), 2, a) e 3, do CPC).

Ademais, o incumprimento de tais ónus e exigências, por parte do A., está igualmente espelhado nas conclusões da sua alegação (cf. ponto I., supra).

Daí, não se conhecerá (formalmente) da impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo de, na reapreciação e no apuramento equitativo dalguns dos montantes (indemnizatórios) que continuam controvertidos, se dever atender quer à materialidade indicada em II. 1. e II. 2., supra, quer aos critérios que presidiram à sua fixação e a toda a prova documental junta aos autos.

De resto, perante a relativa incompletude da alegação inicial (atentas as várias soluções da questão de direito), v. g.

, no tocante à problemática da indemnização dos danos do veículo, só assim, cremos, será porventura possível alcançar uma solução que, ancorada no quadro fáctico delineado nos autos, e com a necessária equidade e razoabilidade, responda aos interesses em presença.

5. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, será determinada por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2).

Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).

6. Independentemente da evolução legislativa na matéria, de que aqui não importa cuidar, dir-se-á que o disposto no art.º 41º do DL 291/2007, de 21.8[4], tal como ocorria com o art.º 21º-I do DL 522/85, de 31.12, resulta da transposição de diversas directivas comunitárias, na parte referente à...

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