Acórdão nº 2866/04.6TBCLD-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO L...

, com os sinais dos autos, mãe dos jovens T..., G... e N...

, veio suscitar, quanto a estes seus filhos, o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra o pai, C...

, também com os sinais dos autos, alegando que o Requerido incumpriu reiteradamente o decidido quanto ao pagamento de alimentos aos filhos no âmbito de autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (RERP), encontrando-se em dívida os valores parcelares de €5.300,00 (quanto ao filho T..., desde dezembro de 2010 até abril de 2015, quando atingiu os 18 anos de idade), €6.700,00 (quanto à filha G..., desde dezembro de 2010 até junho de 2016, quando atingiu a maioridade) e €8.500,00 (quanto à filha N..., desde dezembro de 2010 até dezembro de 2016); e pedindo: a) A condenação do Requerido no pagamento de tais montantes, perfazendo um total de €20.500,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%; b) A realização dos respetivos descontos, com referência aos serviços remunerados que o Requerido presta, enquanto advogado, à Câmara Municipal da ...

Notificado, o Requerido, impugnando diversa matéria alegada pela contraparte, invocou, por sua vez, litigar a Requerente contra o direito, pretendendo um enriquecimento ilícito à custa do Requerido, para além de ocorrer prescrição de prestações alimentares vencidas, ao que acresce dever ser alterado o regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Concluiu, assim, pela improcedência do pedido da Requerente, julgando-se, ademais, dever aquela cumprir as suas responsabilidades parentais, pagando os valores que lhe cabe suportar relativamente aos filhos e, ainda, regulando-se “a alteração das responsabilidades parentais, relativas à menor N... com a atribuição da guarda da menor ao pai” (cfr. 12 v.º do processo físico).

Na impossibilidade de acordo em sede de conferência de pais, foram estes notificados para apresentarem alegações ou oferecerem provas, tendo vindo ambos reiterar o que já haviam expendido nos autos.

Realizadas as diligências instrutórias pertinentes e a audiência final, foi proferida sentença, datada de 10/10/2020, com o seguinte dispositivo: «(…) julga-se parcialmente procedente o pedido de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais deduzido pela requerente contra o requerido, pelo que: 1.º Julga-se improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo requerido; 2.º Declara-se que o requerido C... não efectuou o pagamento à requerente L..., em benefício dos filhos de ambos, das pensões de alimentos referentes aos valores e datas a seguir mencionados: a) Relativamente ao filho T..., nascido em 15-04-1997: • Dezembro de 2010 – €100,00 • Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00 • Janeiro a Abril de 2015 - € 400,00 • Total = € 5.300,00 b) Relativamente à filha T..., nascida em 05-06-1998: • Dezembro de 2010 - €100,00 • Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2015 - €1.200,00 • Janeiro a Junho de 2016 - €600,00 • Total = € 6.700,00 c) Relativamente à filha N..., nascida em 19-05-2003: • Dezembro de 2010 - €100,00 • Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2015 - €1.200,00 • Janeiro a Dezembro de 2016 - €1.200,00 • Total = € 8.500,00 O que perfaz o valor total, para os três filhos, nos períodos atrás considerados, de €20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros); 3.º Declara-se que o requerido incumpriu o pagamento à requerente de ¾ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º, o que perfaz o valor total de €15.375,00 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros); 4.º Em consequência, declara-se o incumprimento do pagamento pelo requerido à requerente do valor total de €15.375,00 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros), pelo que se condena o requerido a pagar este valor à requerente, acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, contados sobre ¾ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º e até efectivo e integral pagamento; 5.º No mais, julga-se a ação improcedente, pelo que: a) Declara-se que o requerido não incumpriu o pagamento à requerente de ¼ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º, o que perfaz o valor total de €5.125,00 (cinco mil cento e vinte cinco euros); b) Em consequência, absolve-se o requerido do pedido deduzido pela requerente, no que se refere à declaração de incumprimento do pagamento por aquele a esta, e respectiva condenação, do valor total de €5.125,00 (cinco mil cento e vinte cinco euros), acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano; 6.º Custas por requerente e requerido, na proporção dos seus decaimentos (respectivamente ¼ e ¾), nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível; 7.º Valor da causa: €20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), nos termos da interpretação conjugada dos artigos 296.º, n.ºs 1 e 2, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível».

Desta sentença, veio o Requerido, inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes ...

Em contra-alegação, a Requerente pugna pela improcedência total do recurso.

O M.º P.º não contra-alegou.

*** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos ([1]) a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e o efeito assim fixados ([2]).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa saber ([4]): a) Se a sentença padece nulidade por omissão de pronúncia (conclusão B do Recorrente); b) Se ocorre ilegitimidade processual da Requerente/Recorrida (conclusão A); c) Se é admissível e deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões H e I); d) Se é admissível e deve proceder a pretendida reconvenção/compensação de créditos por alimentos e alteração do regime de regulação (conclusões B e C); e) Se é admissível e deve proceder a pretendida prescrição quanto a créditos por alimentos (conclusão D); f) Se houve erro na determinação do valor da causa (conclusão E); g) Se deve ser modificada a decisão quanto a custas (conclusão G).

III – FUNDAMENTAÇÃO A) Da nulidade da sentença – omissão de pronúncia Sob a conclusão B do Apelante, este argui a nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv. (com reporte ao art.º 608.º, n.º 2, do mesmo Cód.), isto é o vício de omissão de pronúncia, por não apreciação de invocado “pedido de reconvenção/compensação/oposição à execução, do crédito por alimentos prestados”, faltando “uma decisão (…) em sede de dispositivo da sentença”. A Requerida mãe, em contra-alegação, conclui pela inexistência de tal nulidade.

Por sua vez, o Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a matéria em sede de despacho de admissão do recurso, entendeu inexistir nulidade, por se ter pronunciado, na sua ótica, sobre todas as questões que mereciam decisão, correspondendo o dispositivo da sentença a esse iter decisório.

Vejamos.

Resulta daquele art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([5]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([6]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([7]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([8]) esclarece, em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não...

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