Acórdão nº 0319/10.2BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 319/10.2BESNT Recorrente: “ A………, Lda.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2003 com fundamento em caducidade do direito à liquidação.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I- A ora Recorrente/Impugnante, impugnou tempestivamente a liquidação do IRC de 2003, no montante de 158.760,81 €; II- Invocando, em sua defesa, que tal liquidação era ilegal, já que tinha sido notificada à Recorrente/Impugnante para além do prazo legal de caducidade, previsto no Art. 45.º, n.º 1 da LGT, que é de 4 anos; III- Não obstante a douta Sentença recorrida ter constatado que o tributo impugnado chegou ao conhecimento da Recorrente/Impugnante fora do prazo de caducidade supra referido; IV- Entendeu, porém, não julgar verificado tal fundamento invocando que à liquidação sob censura também se aplicava o prazo de suspensão previsto no n.º 5 do mesmo preceito; V- Ou seja, a caducidade não ocorre, sempre que o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargando-se o prazo de caducidade referido no n.º 1 do citado preceito até mais um ano após o arquivamento do inquérito ou após o trânsito em julgado da Sentença; VI- Na verdade, a Recorrente/Impugnante discorda da interpretação emprestada pela Sentença recorrida ao preceito em causa, já que e quando existe inquérito puramente criminal tributário tal processo nunca acaba antes de qualquer liquidação tributária; VII- Bem pelo contrário, se tiver havido a instauração de qualquer inquérito criminal-tributário o mesmo não será concluído enquanto não for apurada a situação tributária da qual dependa a qualificação criminal dos factos, levando, inclusive, à sua suspensão (do processo penal tributário) enquanto correr o respectivo processo de impugnação ou de oposição à execução, cujas Sentenças, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário, v.g. Art. 42.º, 47.º e 48.º, todos do RGIT; VIII- Que é uma situação totalmente contrária à referida na douta Sentença, já que a Sentença que constitui caso julgado para o processo penal tributário só agora foi proferida (18.11.2019) ao passo que o processo de inquérito criminal tributário foi arquivado em 01.06.2009; IX- Daí que o campo de aplicação do citado Art. 45.º, n.º 5 da LGT tenha como único destinatário o processo de inquérito penal por infracções não tributárias, mas de cuja aquisição de prova possa resultar qualquer liquidação tributária, justificando, aqui, isso sim, a suspensão do prazo da caducidade até um ano após, ou o arquivamento do inquérito, ou o trânsito em julgado da Sentença; X- Ao não ter feito esta interpretação do referido Art. 45.º, n.º 5, da LGT, a Sentença recorrida violou o Art. 42.º, n.º 4; o Art. 47 e o Art. 48.º, todos do RGIT; XI- E cuja norma, por sua vez, quer na interpretação referida, quer na sua aplicação, sofre da inconstitucionalidade material, já que atenta contra o acesso à justiça tributária, plasmado no Art. 20.º, n.º 1, da CRP, atenta, igualmente, contra as garantias de defesa inerentes a qualquer cidadão, como é referido no Art. 32.º n.º 1 e n.º 9 da CRP e como atenta, por fim, contra a distribuição de competência entre tribunais, com clara violação do Art. 212.º, n.º 3, da CRP.

Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V. as Ex. as doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele ser revogada a douta Sentença recorrida ».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] A única questão a analisar é a de saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificada a caducidade do direito à liquidação, O que passa por averiguar qual o prazo e respectivo modo de contagem para o exercício de tal direito, designadamente se a esse prazo é aplicável o previsto no n.º 5, do artigo 45.º, da LGT.

Ora, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, Contando-se, nos impostos periódicos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cf. o n.º 4 do acima citado diploma legal).

E o IRC é um imposto periódico, uma vez que assenta num facto tributário de carácter duradouro, que se reporta a um determinado período de tempo, renovando-se as obrigações.

Na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, o artigo 45.º, da LGT tinha a seguinte redacção: «1- O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2- Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3- Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4- O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

6- Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil».

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, o disposto no aditado n.º 5 é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da referida lei, isto é, 01/01/2006.

A partir daqui, cumpre notar que, estando em causa liquidação de IRC de 2003, que é um imposto periódico, cujo prazo de caducidade de quatro anos se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, isto é, 31/12/2003, Logo se alcança que, normalmente, a Administração Tributária tinha de efectuar a liquidação e dela validamente notificar o contribuinte até 31/12/2007.

Porém, dispõe o n.º 1 do art. 46.º, da LGT, que “[o] prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”, Sendo certo que o referido prazo de seis meses é contado entre a data do início da acção de inspecção e a data da notificação ao sujeito passivo do respectivo relatório, conforme disposto no art. 62.º do RCPIT.

No entanto, há que averiguar se é possível estabelecer identidade entre os factos averiguados no Inquérito-crime nº …………………. e os factos tributários que, no seguimento do processo inspectivo, deram origem à liquidação de IRC de 2003.

Ora, como se refere no Acórdão do STA, de 01/10/2014, proferido no proc.º 0178/14, disponível em www.dgsi.pt, “…a contagem do prazo de caducidade nos termos do 45.º, n.º 5, da LGT só ocorre se a liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos…”.

O que, in casu, se verificou, não sendo, aliás, objecto de controvérsia.

Assim sendo, resulta da factualidade assente que, em 31/10/2007, a Impugnante, ora Recorrente foi notificada do início da acção de inspecção (cf. alínea D) dos factos provados).

Pelo que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, com o referido acto o prazo de caducidade suspendeu-se, Não retomando o seu curso até à data da notificação do relatório final da acção de inspecção, que ocorreu em 04/04/2008 (cf. as alíneas D) e G) dos factos provados).

Consequentemente, em 05/04/2008, foi retomado o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, sendo que, aos dois meses que faltavam quando o referido prazo se suspendeu por efeito da acção de inspecção, Acresce o tempo decorrido até ao arquivamento da decisão de arquivamento do processo de inquérito, acrescido de um ano, Ou seja, tendo o arquivamento ocorrido por despacho notificado ao Impugnante ora Recorrente através do ofício de 1/06/2009, e presumindo-se a respectiva notificação no terceiro dia subsequente (04/06/2009), o prazo de caducidade ocorreria em 04/06/2010.

Assim, quando ocorreu a notificação da liquidação, em 5/11/2009 (cf. alínea Q) dos factos provados), o prazo de caducidade, claramente, ainda se não havia completado.

Consequentemente, não ocorrendo a invocada caducidade do direito à liquidação, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento».

1.5 Cumpre...

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