Acórdão nº 25727/17.4T8PRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelEUGÉNIA CUNHA
Data da Resolução06 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 25727/17.4T8PRT.P2 Processo do Juízo de Execução do Porto – Juiz 1 Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: António Eleutério Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ………………………………*I. RELATÓRIO Recorrente: B… Recorrida: C…, Lda B…, executada nos autos em que é exequente C…, Lda, interpôs recurso do despacho proferido em 5/1/2021, que, em obediência a Acórdão desta Relação, apreciou “o requerimento junto de fls. 19 e ss”, decidindo: “o título dado em execução é uma injunção na qual foi aposta fórmula executória. E, nos termos da al. d) do nº1 do art. 703º do CPC, à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. A injunção traduz-se precisamente num título executivo extrajudicial ao qual, por disposição legal especial, lhe é conferida força executiva, de acordo com o disposto no DL nº 269/98, de 1. 9.

Assim a exequente, não tinha, por isso, de alegar quaisquer factos que não os constantes do requerimento executivo, inexistindo, consequentemente, qualquer ineptidão do mesmo.

Pelo exposto, soçobra, pois, a alegação efetuada, que assim declaro improcedente.

Custas do incidente a cargo da executada fixando-se em 2 Ucs a taxa de justiça devida.

Notifique”.

apresentando as seguintes CONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ………………………………*Não foram apresentadas contra alegações.

*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

*II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1º- Se o despacho recorrido padece do vício de nulidade por “falta de fundamentação” e “omissão de pronúncia”; 2º- Do erro de mérito do referido despacho dada a falta de título executivo e a invocada ineptidão.

*II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos provados, com relevância para a decisão, constam já do relatório que antecede, acrescentando-se o seguinte: 1.

Foi atribuída força executiva à injunção, que funda a execução em que figura como Requerente “C…” e Requerida B… para pagamento da quantia de € 7.630,03, referente a “contrato de utilização de cartão de crédito”, sendo a “data do contrato” “6/5/2011” e sendo a seguinte a “exposição dos factos que fundamentam a pretensão”: “CONTRATO nº ………………., celebrado entre a requerida e D…, tendo esta cedido o respectivo crédito à requerente através de contrato de cessão de créditos celebrado entre ambas e devidamente comunicado à requerida. O crédito da Requerente sobre a requerido ascende ao total de 7492,33 ao qual acresce o valor da taxa de justiça liquidada pela presente injunção” – doc. de fls 2, cujo teor se dá por reproduzido; 2.

Consta do requerimento executivo que o título executivo da ação executiva para pagamento de quantia certa é a injunção, nele se referindo: “Conforme injunção com fórmula executória que se junta e se dá como integralmente reproduzida, foi o ora executado condenado a pagar à ora Exequente a quantia de 7630,03 € acrescidos de juros à taxa legal.

Apesar de instado para o pagamento, o executado nada pagou.

Ao valor reclamado na injunção deverão acrescer os juros vincendos à taxa legal até efetivo e integral pagamento, bem como os juros compulsórios à taxa legal e tudo o mais de direito” – doc. de fls 3, cujo teor se dá por reproduzido.

*II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Da nulidade do despacho por padecer de “falta de fundamentação” e “omissão de pronúncia”, vícios previstos nos art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d), aplicável por força do nº3, do art. 613º, do CPC.

Invoca a recorrente a nulidade do despacho, imputando-lhe os vícios constantes das alíneas b) e d), do nº1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos que forem citados sem outra referência, concluindo que o Tribunal a quo se não pronunciou acerca da falta de título e omitiu os fundamentos da decisão.

O nº1, do art.º 615º, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando: “b )Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.

Tal regime é aplicável às demais decisões/despachos por força do nº 3, do art. 613º.

São tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo as nulidades da sentença ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]. São vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. São apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Para além da falta de assinatura do juiz, suprível oficiosamente em qualquer altura, contam-se, como vícios da sentença, uns que respeitam à sua estrutura e outros que se reportam aos limites da mesma. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)[2].

Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão e a discordância do resultado obtido, cumpre deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. E, efetivamente, as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[3].

Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia quanto à falta de título e, ainda, por o tribunal a quo não especificar os fundamentos que justificam a decisão. Analisemos este vício, que respeita à estrutura da sentença.

Estatui o artigo 154.º, no seu n.º 1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e no seu n.º 2 acrescenta que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”, sendo que o artigo 607.º consagra que o Tribunal deve expor de forma clara o percurso lógico para as conclusões que se extrai.

O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência da lei fundamental (v. art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, abreviadamente CRP) e da lei ordinária, que se apresenta a densificá-lo (cfr. arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b)), e impõe ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a sua decisão[4]. Tem por fim o convencimento do acerto da decisão, pois que destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (v. nº1, do art. 3º), esse conflito só logrará efetiva resolução com restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”[5]. A fundamentação legitima o poder soberano, constitucionalmente atribuído aos tribunais, para, em nome do povo, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1, da CRP).

É, ainda, requisito de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes o conhecimento da razão ou razões do...

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