Acórdão nº 564/19.5T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA intentou a presente ação de prestação de contas contra BB, requerendo que o réu seja citado para, no prazo de 10 dias, apresentar as contas, «tanto no que se refere ao uso dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada por cada um dos seus pais, como da administração efetuada entre 2002 e 2018 das referidas Herdades ... e do ... sitas na freguesia de ..., concelho de ... de que o Autor é comproprietário». Alegou, para tanto e em suma, que ele e o réu são irmãos e que os seus pais, em 5.02.2002, outorgaram a favor do réu uma procuração irrevogável, conferindo-lhe os mais amplos poderes de administração do seu património e rendimentos, o que o réu fez desde então, sem nunca ter prestado contas.

Mais alegou ser comproprietário, juntamente com o réu, de dois prédios agrícolas, denominados “Herdade ... “e “Herdade do ...”, sitos em ..., cuja administração vinha sendo exercida pelo pai de ambos e que, após a outorga da referida procuração e até Abril de 2018, o réu passou a administrar, sem nunca ter prestado contas.

  1. O réu contestou, excecionando a ilegitimidade do autor para requerer a prestação de contas, visto ter atuado ao abrigo de uma procuração irrevogável outorgada pelos pais de ambos e sendo o autor alheio a este contrato inexiste tal obrigação.

    Invocou a exceção de caso julgado, sustentando que, tendo o autor desistido do pedido de prestação de contas relativamente à administração das Herdades ... e do ... por ele formulado na ação que correu termos no Tribunal ....., sob o nº 1157/17…, extinguiu-se o direito que o mesmo pretende fazer valer através da presente ação.

    Mais impugnou os factos alegados pelo autor, pedindo a condenação do autor, como litigante de má fé, em multa e indemnização a arbitrar.

  2. O autor respondeu, sustentando que, não tendo os mandantes exercido o direito à prestação de contas da administração do seu património, este direito transmitiu-se aos respetivos herdeiros, manifestando-se o resultado das mesmas no seu direito à herança.

    Reafirmou a sua legitimidade para exigir a prestação de contas relativamente aos bens de que autor e réu são comproprietários, alegando inexistir caso julgado por falta de identidade entre o pedido e de causa de pedir invocada num e noutro processo.

    Concluiu pela improcedência das invocadas exceções.

  3. Considerando não ser necessária a produção de outra prova, o Tribunal de 1ª Instância proferiu decisão que julgou: - parcialmente procedente a exceção de caso julgado, no respeitante às herdades em compropriedade do autor e do réu, relativamente ao período posterior a Dezembro de 2004, absolvendo o réu da instância quanto ao pedido de prestação dessas contas, quanto a tal período; - a ação parcialmente procedente, condenando o réu a prestar contas sobre a administração dessas herdades, designadas ... e do ..., desde 5.02.2002 até Dezembro de 2004 bem como do mandato exercido relativamente à administração do património comum dos pais e dos bens próprios de cada um e do que tenha integrado as respetivas heranças.

  4. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu o Tribunal da Relação do Porto, reafirmando não ter obrigação de prestar contas em relação a qualquer dos patrimónios.

    O autor também apelou, discordando do reconhecimento da exceção de caso julgado e da consequente limitação de prestação de contas, relativamente à administração das herdades, ao período decorrente entre 05.02.2002 e Dezembro de 2004.

  5. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 08.09.2020, decidiu: i) julgar improcedente o recurso de apelação do réu.

    ii) julgar procedente o recurso de apelação do autor e, revogando parcialmente a decisão recorrida na parte em que deu por verificada a exceção de caso julgado relativamente ao dever de prestação de contas, pelo réu, quanto à administração das herdades ... e do ..., entre Dezembro de 2004 e 24/3/2017, determinou que, também em relação a tal período, deveria o réu prestar contas da administração desenvolvida sobre as duas herdades.

    iii) confirmar, em tudo o mais, a sentença recorrida.

  6. Inconformado com este acórdão, o réu dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. Por despacho de 18 de Novembro de 2020 foi interrompido o prazo de recurso do Acórdão da Relação do Porto no dia 14 de Outubro de 2020, iniciando-se a sua contagem, nos termos do artigo 24º nº: 4 da Lei nº: 34/2004, com a nomeação de patrono que, ocorreu no dia 5 de Janeiro de 2021. Assim, o prazo recursivo de 30 (trinta) dias começou a contar no dia 7 de Janeiro de 2021, suspendendo-se em 23 de Janeiro de 2021 e, reiniciou-se em 6 de Abril de 2021. (Lei nº: 13-B/2021) pelo que, o recurso é tempestivo.

  7. Os pedidos de prestação de contas decompõem-se em 2 (dois) segmentos. Por um lado, o Autor na qualidade de herdeiro, pede prestação de contas pela administração dos bens de seus pais que o recorrente exerceu; por outro lado, pede prestação de contas na qualidade de comproprietário com o Recorrente de 2 (duas) herdades.

  8. Não se discute a legitimidade do Autor em ambas as situações para intentar ação de prestação de contas.

  9. Quanto ao primeiro segmento, o que as instâncias não analisaram e, agora se suscita, é o instituto do Abuso do Direito na vertente de “venire contra factum proprium “que, embora seja de conhecimento oficioso, deverá ser objeto de apreciação e decisão.

  10. Como resulta dos autos, houve 3 (três) processos de inventário. Um que correu termos no Tribunal Judicial ....., por óbito do pai do Autor e do Recorrente.

    Este processo terminou em 2009 com a partilha.

  11. Em 14/12/2015 foi homologada transação em que foram partilhados todos os bens da herança dos ascendentes da mãe do Autor e Recorrente; Processo que tramitou no Tribunal Judicial ..., ....

  12. Foi, ainda, instaurada, como consta dos autos, processo de inventário por óbito da mãe das partes que, terminou por acordo, por desistência da instância, devido à inexistência de bens a partilhar.

  13. Em nenhum destes processos o Autor/Recorrido enquanto herdeiro legitimário, requereu prestação de contas ou questionou eventuais inoficiosidades, por excesso de legítima do irmão/procurador.

  14. Nestes processos de inventário o Autor, aceitou e beneficiou das partilhas efetuadas, nada exigiu ao irmão ora Recorrente, pelo que, este ficou convencido que as questões relacionadas com a herança dos pais estavam resolvidas.

  15. Passados 12 (doze) anos sobre a partilha da herança do pai do Autor e do Recorrente e 6 ( seis ) anos sobre a desistência da partilha da mãe, por não haver bens a partilhar, vem agora o Autor intentar ação de prestação de contas sobre a administração dos bens da herança que já foi partilhada.

  16. Há um manifesto abuso de direito, violando o Autor com esta conduta os princípios da boa-fé e da confiança, sendo o exercício do seu direito de ação, abusivo ou ilegítimo.

  17. Quanto ao segundo segmento, a questão que importa analisar é se se verifica a autoridade de caso julgado.

  18. Está assente que, Autor e Recorrente são irmãos e foram comproprietários das herdades “...” e “...”.

  19. Na prestação de contas em questão, o Autor refere a administração pelo Recorrente dos seguintes bens: a) Venda de pastagens; b) Subsídios do Ministério da Agricultura; c) Extração de cortiça; d) Colheita de azeitonas; e) Prejuízos vários que identificou nos artigos 14º e 15º da petição inicial.

  20. Na ação nº 1157/…, o Autor cumulou vários pedidos, com relevo para os autos interessam os seguintes: a) Condenação do Réu (ora Recorrente) a entregar metade dos valores pela venda das pastagens (alínea i); b) Condenação do Réu (ora Recorrente) a pagar metade do valor dos subsídios do Ministério da Agricultura (alínea m) ); c) Condenação do Réu (ora Recorrente) a indemnizar o Autor pelo valor de metade do valor da cortiça e das azeitonas (alínea k) ); d) Condenação do Réu (ora. Recorrente) a pagar indemnização equivalente a metade dos prejuízos pela má gestão.

  21. O Autor neste processo veio a desistir dos pedidos, sendo proferida sentença homologatória.

  22. As instâncias analisaram esta questão à luz da exceção de caso julgado, decidindo a 1ª instância pela verificação da exceção e o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão objecto de recurso, decidiu “inexistir uma coincidência de pedidos entre as duas acções o que impede o reconhecimento do efeito de caso julgado “.

  23. Salvo o devido respeito por estas decisões, a questão deverá ser analisada à luz da figura da autoridade de caso julgado.

  24. A autoridade de caso julgado de sentença transitada, pode atuar independentemente dos requisitos da exceção de caso julgado, desde que, o objeto seja o mesmo.

  25. Assim, a autoridade de caso julgado visa garantir a coerência e dignidade das decisões judiciais, de forma que o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em ação posterior, estando relacionada com a existência de relações entre ações, já não de identidade jurídica, mas de...

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