Acórdão nº 6810/20.5T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Súmula do Processo A Digna Magistrada do Ministério Público intentou procedimento especial de entrega da criança AA, nascido em 16 de Fevereiro de 2020, natural ..., ..., ..., filho de BB (mãe) e de CC (pai), a morar com a Mãe na ……., n.º …, em ..., Portugal, com fundamento nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção da Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças) e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro.

Não se encontrava regulado, formalmente, o exercício das responsabilidades parentais da Criança, a qual residia habitualmente com ambos os Progenitores, em Espanha; o exercício das responsabilidades parentais estava e era compartilhado entre os Progenitores; em 25 de Agosto de 2020 a Mãe viajou com a criança para Portugal, sem autorização ou concordância do Pai, aqui permanecendo desse então, sempre com a oposição deste; o Pai do menor apresentou um pedido de regresso da Criança a Espanha, com base no artigo 3.º da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, junto da Autoridade Central espanhola, recaindo sobre tal pedido a decisão do Tribunal Espanhol – pedido de regresso de AA.

Conclui pedindo a procedência do pedido de regresso do menor AA apresentado junto da Autoridade Central Espanhola; a determinação da apreensão de documentos de identificação do menor, por forma a evitar a eventual deslocação da mesma para Estado terceiro; a solicitação da colaboração das Autoridades Espanholas para saber se existe notícia de prática de qualquer ato ilícito que envolva o progenitor e / ou o seu agregado familiar, de modo a aferir eventuais consequências nefastas que possam resultar da decisão de regresso; e a solicitação da eventual intervenção da Autoridade Central Portuguesa nos procedimentos de articulação entre os vários operadores envolvidos e o Progenitor.

Foram ouvidos os Progenitores e uma testemunha, em 16 de Dezembro de 2020.

A equipa de Assessoria Técnica aos Tribunais apresentou informação social sobre o agregado familiar da Mãe, em 16 de Dezembro de 2020.

Das diligências realizadas, designadamente a consulta de peças processuais e os contactos presenciais e remotos com a progenitora, concluiu que “a progenitora aparenta revelar condições favoráveis à manutenção dos cuidados ao menor AA, procurando promover a sua segurança, bem-estar e desenvolvimento; o agregado familiar (criança e sua mãe) reside em habitação com aparentes condições de habitabilidade, segurança e higiene; a criança encontra-se integrada em creche desde Setembro de 2020, revelando-se bem adaptada, emocionalmente estável e com um desenvolvimento adequado à sua faixa etária; em termos de saúde, mantém o plano de consultas e de vacinação actualizado”.

Entretanto, em 30/11/2020, o Julgado … Instância e de Instrução nº…..., província ..., …., em apreciação prévia de processo de regulação das relações paternofiliais, intentado pelo pai da criança, contra a mãe, e com aplicação das normas dos artºs 1º e 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, considerou que, no caso, os progenitores do menor, face à prova documental, residiam em diferentes Estados no momento da interposição da demanda, sendo determinante que o menor figure documentalmente inscrito na área …, e portanto a sua estadia em … um evento de cariz temporário.

Determinante contar no seu cartão de cidadão (DNI), em Espanha, o domicílio …., que a mãe defende, com autorização do pai, e outra documentação, como certificado de residência emitido em 11/5/2020 pelo Cônsul Geral de Espanha em Lisboa. Tal domicílio é também o inserido na certidão de nascimento do menor, de 25/2/2020.

Ainda segundo a instância espanhola, a mãe trabalha em Portugal, o que é congruente com o domicílio do menor neste país, podendo o prolongamento da estadia em ... ter ficado a dever-se ao prolongamento da situação sanitária, e não obstante se constatar que existiu uma autorização temporária para a mãe trabalhar em ....

Daí que se tenha julgado incompetente, com apoio no citado artº 8º do Regulamento, para julgar a demanda de regulação das responsabilidades parentais intentada pelo pai da criança.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em 5 de Janeiro de 2021, no sentido da procedência do pedido de regresso formulado, pois que o superior interesse desta criança exige que seja ordenado o seu regresso imediato ao Estado da sua residência habitual (Espanha).

Requereu fosse comunicado o teor da decisão a proferir à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) e ao Instituto da Segurança Social, I.P., de molde a proceder à entrega e transporte da Criança com vista a concretizar o regresso da mesma a Espanha, emitindo-se os necessários mandados de entrega judicial da Criança (a cumprir, se necessário, com arrombamento), cumprimento a articular entre o Instituto da Segurança Social e o Pai da criança, por forma a que este se desloque a Portugal para vir buscar o Filho, devendo ser-lhe entregues (a quando da execução da decisão) todos os documentos de identificação da Criança (passaporte, boletim médico e de vacinas, cartão de cidadão, etc.) e objectos pessoais.

Requereu igualmente fossem efectuadas as necessárias comunicações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos das disposições conjugadas do artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 292/94, de 18 de Novembro, e do artigo 97.º da Convenção Schengen.

As Decisões Judiciais O Juízo de Família e Menores …... determinou o regresso do menor AA ao Estado Contratante da sua residência habitual (…).

Mais determinou outras medidas necessárias à execução da decisão.

Fê-lo em aplicação do disposto nos artºs 3º, 4º e 5º da Convenção de Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) e no artº 2º nº 1 als. a) e b) Regulamento (CE) nº2201/2003, do Conselho, relativo à Competência, Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e de Responsabilidade Parental.

Este instrumento de direito comunitário define como “deslocação ou retenção ilícita da criança”, “a deslocação ou retenção de uma criança quando viole o direito de guarda conferido por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação de Estado Membro onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção e, no momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção, considerando-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, (…) por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental”.

Prosseguiu, considerando que, tanto em Espanha como em Portugal, a filiação não matrimonial ou matrimonial confere a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais, devendo este exercício ser realizado conjuntamente por ambos, ou só por um, com o consentimento expresso ou tácito do outro; em caso de desacordo, qualquer dos progenitores poderá recorrer ao tribunal, que atribuirá a faculdade de decidir a um deles (artºs 108º, 154º e 156º do Código Civil Espanhol).

Concluiu, para o caso, que não só ficou demonstrado que a criança residia em Espanha com ambos os progenitores, como foi trazida ilicitamente para Portugal, sem autorização ou consentimento do progenitor.

Também não se demonstrou existir qualquer perigo no transporte e estadia da criança em casa do pai, ficando aos cuidados deste, pois que reside com três filhos menores, e tem todas as condições (como as tem a mãe) para o fazer de forma apropriada, segura e estável.

Recorreu de apelação a mãe, BB.

O acórdão recorrido considerou que, face aos factos provados e às normas da Convenção de Haia e do Regulamento Bruxelas II (Regulamento CE nº2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003), era de confirmar a decisão relativa ao regresso da criança a Espanha e procedimentos inerentes.

Por outro lado, também face à matéria provada, não foram apuradas circunstâncias que, atendendo ao superior interesse do menor, revestisse um grau de gravidade tal que levassem a considerar que, ao regressar ao país de origem, ficaria sujeito a perigos de ordem física ou psíquica ou qualquer outra situação que pudesse ser considerada intolerável para o menor.

Da decisão constou, porém, um voto de vencido, em que se sublinhou: - afigura-se duvidoso que esteja demonstrado que a criança residia habitualmente em Espanha – nasceu acidentalmente naquele país e a gravidez decorreu em Portugal; - o caso está abrangido pela aplicação do artº 13º al.b) da Convenção de Haia, pois que a criança, com 16 meses de idade, à data da prolação do acórdão, e 10 meses, à data da prolação da sentença, tinha a sua mãe como ligação afectiva de referência e bem adaptada a tal ligação; - retirar a criança à mãe, nestas condições, representa grave risco e violência, devendo colocar-se, com prioridade sobre o legalismo, o superior interesse da criança.

Do Acórdão da Relação, recorre de revista a mãe, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão constante do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso de Apelação (com voto vencido), confirmando a Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal “a quo”.

2. O presente recurso alicerça a sua razão de ciência, no manifesto e notório erro de apreciação de prova, assim como da interpretação e da própria aplicação do direito, especialmente da Convenção de Haia, resultando, consequentemente, na violação expressa e reiterada designadamente do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro/Bruxelas II-a, da Convenção dos Direitos da Criança, dos artigos 6.º, 7.º. 8.º e 13.º da Convenção...

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