Acórdão nº 694/21 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução30 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 694/2021

Processo n.º 583/2021

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em que é recorrente A. e é recorrido o Ministério da Administração Interna, o primeiro interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal Central Administrativo em 20 de maio de 2021 que, em autos de processo cautelar, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

2. Na Decisão Sumária n.º 486/2021 (cf. fls. 2-TC a 17-TC), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, 6. e ss.):

«II – Fundamentação

(…)

6. Quanto ao recurso de constitucionalidade interposto refira-se que, mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o Acórdão do TCAS de 20/5/2021 (supra, I, 1.)

Pretende o recorrente ver apreciada uma questão de constitucionalidade assim enunciada (cf. requerimento, I, 3.):

«(…) A INTERPRETAÇÃO NORMATIVA, EFETUADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, DO ARTIGO 3.º/3, DO DL 279-A/2001, DE 19.01, DE QUE É “DESTITUÍDO DE SENTIDO QUE A ENTIDADE RECORRIDA “MANTENHA O PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO A UM MILITAR QUE SE ENCONTRA EM GOZO DE LICENÇA ESPECIAL, FORA DA EFETIVIDADE DE SERVIÇO, NA SITUAÇÃO DE ADIDO AO QUADRO”».

7. Assim identificados o objeto e o fundamento do presente recurso de constitucionalidade, e, bem assim, identificada a decisão recorrida para este Tribunal, cumpre de seguida apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 70.º e 72.º da LTC, já que, reitere-se, mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do seu n.º 3. Com efeito, se o Relator verificar que algum dos pressupostos de admissibilidade, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04, ou mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018 e 671/2018, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

8. Da análise dos autos verifica-se, desde logo, que falta a verificação de um pressuposto, essencial e cumulativo, de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como in casu – o pressuposto relativo à ratio decidendi.

O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efetivamente aplicadas, enquanto razão determinante das decisões recorridas (artigo 79º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso. Sucede, porém, que, nos presentes autos, as alegadas normas (ou interpretações normativas) que o recorrente fixou como objeto do recurso não correspondem, precisamente, às adotadas pela decisão recorrida.

O enunciado da questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada – explicitada no ponto 1 do requerimento de recurso (cf. supra, I, 3.) e segundo a qual «é destituído de sentido que a entidade recorrida “mantenha o pagamento da remuneração a um militar que se encontra em gozo de licença especial, fora da efetividade de serviço, na situação de adido ao quadro”» – reporta-se ao segmento normativo correspondente à 1.ª parte do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de outubro, sendo formulado a partir de um excerto da fundamentação do acórdão recorrido na parte em que aprecia o invocado erro de julgamento de direito quanto à interpretação do referido artigo 3.º, n.º 3, para efeitos de verificação do pressuposto da providência cautelar requerida quanto ao fumus boni iuris.

Todavia, tal excerto – que o recorrente erige a objeto do recurso – não encontra exata correspondência no efetivamente decidido e ponderado pelas instâncias como razão determinante das respetivas decisões, em especial no acórdão do TCAS ora recorrido de 20/5/2021, não refletindo, de todo, o iter interpretativo e subsuntivo seguido nesse acórdão.

Com efeito, a norma (ou sua interpretação) que o recorrente pretende ver sindicada não corresponde integralmente às normas cuja aplicabilidade ao caso é ponderada pelo TCAS, seja quanto à identificação das pertinentes bases legais aplicadas, seja quanto à dimensão interpretativa que o recorrente erige a objeto do recurso de constitucionalidade.

Da leitura da decisão judicial em causa (Acórdão do TCAS de 20/5/2021, parcialmente transcrito supra, em I, 2.) decorre, com evidência, que não coincide exatamente o arco legislativo convocado na decisão recorrida com o objeto do recurso delimitado pelo recorrente no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, por a decisão do TCAS convocar um arco normativo complexo que não se esgota no artigo 3.º, n.º 3, primeira parte do Decreto-Lei n.º 279-A/2001 (ou na dimensão normativa que o recorrente indica como objeto do recurso).

Ora, como escreve Carlos Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 208): «A identificação da norma assenta prioritariamente na indicação do preceito ou preceitos – do “arco legislativo” – que funciona como “fonte” do núcleo essencial do regime jurídico que se considera colidente com a Constituição – cabendo ao recorrente identificar, de forma certeira, os preceitos relevantes – e que naturalmente – salvo demonstração de que ocorreu implícita aplicação de diferente “arco legislativo” – não poderão deixar de ser aqueles que a decisão recorrida no exercício da sua tarefa de determinação e interpretação do direito infraconstitucional tido por aplicável, eleger como base do “critério normativo” aplicado à definição do caso

Além disso, e especificamente quanto à questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada – tal como enunciada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional –, verifica-se que o Tribunal a quo não se basta com a consideração de não ser devido o pagamento da remuneração a um militar que se encontra em licença especial fora da efetividade de serviço na situação de adido ao quadro, chamando à colação outros aspetos, designadamente, a circunstância de o cargo para o qual o militar foi eleito ser um cargo que não é exercido em regime de permanência e para o qual apenas está previsto na lei o pagamento de senhas de presença (em aplicação da segunda parte no artigo 3.º, n.º 3) ou o facto de o artigo 33.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, não prever a possibilidade de o militar manter a remuneração durante o gozo da licença especial em causa, para além da invocação do artigo 13.º do Regulamento de Disciplina dos militares da GNR, na parte em que lhes é vedada «quando na efetividade de serviço» o exercício de qualquer atividade política – aspetos esses determinantes para a formulação (e justificação) da decisão proferida nos autos, afirmando também a decisão recorrida que:

«A eventual limitação poderá ocorrer da falta de articulação/compatibilidade atenta a interpretação do RDMGNR e o exercício de um mandato político, in casu de membro de assembleia de freguesia, para o qual não é exigida a sua permanência, estando aliás prevista a sua dispensa legal para a presença nas respectivas sessões (art. 29, n.º 4 do EEL).

Por conseguinte, trata-se mais de uma...

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