Acórdão nº 0105/21.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução24 de Agosto de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. RELATÓRIO A…………, devidamente identificado nos autos, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art° 109° e segs. do CPTA, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o CONSELHO DE MINISTROS/PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, pedindo a condenação deste «a respeitar o seu direito de livre deslocação como consequência da desaplicação do artigo nº 30 do anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 101-A/2021».

*O Requerente, alega, em síntese (cfr. requerimento inicial reformulado, a fls. 18 e segs. SITAF) que: «O Requerente reside temporariamente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e, a verificar-se tal factualidade, numa planeada viagem a Portugal entre os dias 16 de agosto de 2021 e 31 de Agosto de 2021 ver-se-ia impossibilitado de exercer o direito de livre deslocação devido à imposição de confinamento obrigatório, violando o artigo 44.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP.

Acrescenta-se que o Requerente far-se-á acompanhar da sua filha de quatro anos de idade que por necessitar de ser acompanhada nas deslocações ao exterior seria, também ela, privada do seu direito de livre circulação tal, também aqui a título de violação de um direito fundamental, como do direito ao ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa previstos no artigo 74.º, nº 2, al. i) da CRP.

Como o propósito da viagem é de visitar a família com quem não estamos presencialmente desde maio de 2020, o Requerente, e especialmente a sua filha menor de idade, veriam o seu direito à família violados.

Ora, o artigo 165.º, n.º1, al. b) da CRP estabelece que existe uma reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, sendo os atos legislativos os previstos no artigo 112.º, n.º 1 da CRP, e as restrições aos Direitos, Liberdades e Garantias devendo ser realizados por Lei, de acordo com o artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

A Resolução do Conselho de Ministros 101-A/2021 foi emanada sobre a alçada da competência administrativa do Governo estabelecida no artigo 199.º al.) g, invocando como normas habilitantes o “artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 54-A/2021, de 25 de junho, dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, das Bases 34 e 35 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual”.

Portanto, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 apela ao regime de situação de calamidade como habilitando o Governo a violar os direitos, liberdades e garantias estipulados na CRP.

Ora, a lei n.º 27/2006 estabelece o regime de situação de calamidade, reconhecendo ao Governo a competência de a declarar, e de acordo com o artigo 22.º, n.º 3 estabelece que “A declaração da situação de calamidade pode, por razões de segurança dos próprios ou das operações, estabelecer limitações quanto ao acesso e circulação de pessoas estranhas às operações, incluindo órgãos de comunicação social”.

A Lei n.º 81/2009 vem regular a declaração da situação de calamidade relativa a doenças transmissíveis, especialmente adequado à situação presente.

No artigo 7.º, n.º 2, al) b diz que compete à Comissão Coordenadora de Emergência (doravante CCE) “Elaborar relatórios de análise a submeter ao CNSP, em casos de calamidade pública que justifiquem a declaração do estado de emergência”, o artigo 18.º estabelece que “Nos casos em que a gravidade o justifique e tendo em conta os mecanismos preventivos e de reação previstos na Lei de Bases de Proteção Civil, o Governo apresenta, após proposta do CNSP, baseada em relatório da CCE, ao Presidente da República, documento com vista à declaração do estado de emergência, por calamidade pública, nos termos da Constituição.” 10- Este ponto é reforçado pelo artigo 19.º, n.º 2 da CRP que determina que a calamidade pública é fundamento de declaração de estado de emergência. 11- Logo, a situação de calamidade deve anteceder o estado de emergência de forma a lidar com a situação de calamidade em antecipação de posterior declaração do estado de emergência. 12- Como no presente as declarações de situação de calamidade sucederam a situação de emergência e prolongam-se no tempo através de sucessivas renovações sem que sejam seguidos de uma declaração de estado de emergência violam os pressupostos da situação de calamidade e violam igualmente o artigo 19.º da CRP. Desta forma, existe uma suspensão de direitos fundamentais através de perversão do espírito e letra da constituição e das leis que fundamentam a declaração de situação de calamidade.

O Governo vem igualmente alegar que a presente situação de emergência em saúde pública o habilita a violar os direitos, liberdades e garantias estipulados na CRP.

O n.º 1 do artigo 17.º da lei 81/2009 prevê limitações à liberdade de circulação para evitar a propagação de doenças contagiosas nos seguintes termos: “De acordo com o estipulado na base XX da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de atividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação”.

E o n.º 3 do artigo supra referido que “As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.” A lei n.º 48/90 que fundamenta o n.º 1 do artigo 17.º da lei 81/2009 encontra-se revogada desde a entrada em vigor da Lei n.º 95/2019.

O n.º 3 exige o cumprimento de critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, onde se inclui o artigo 44.º, n.º 1 da CRP.

Desta forma parece abusiva a alegação que a situação de saúde pública legitima as presentes restrições.

O Governo sustenta igualmente que as restrições específicas aos passageiros provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte se baseiam numa análise de risco.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 estabelece no artigo 30.º, n.º 6 do seu anexo que “No âmbito da fiscalização do cumprimento do disposto no presente artigo, compete ao SEF, com base numa análise de risco, verificar o país de origem dos passageiros ou onde estes realizaram o teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2, disponibilizando-o informaticamente às autoridades de saúde.” No anexo I do Despacho n.º 7746-A/2021 consta o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte como sendo um dos países a partir dos quais é obrigatória a realização de isolamento profilático, de acordo com o n.º 1 do mesmo Despacho.

Isto é, de acordo com o artigo 30.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, fica determinado que os passageiros de voos provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte ficam obrigados a realização de isolamento profilático devido a uma análise de risco.

Como determinado no artigo 165.º, n.º 1, al.) b da CRP esta matéria é de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

Como a formulação que emana da Resolução do Conselho de Ministros 101-A/2021, e das normas reguladoras da mesma, violam diversos direitos fundamentais sem respeitar os requisitos de produção normativos previstos na CRP, violam igualmente o n.º 2 do Artigo 18.º da CRP que estabelece que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição”.

Visto que o artigo 3.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 estabelece que “compete às forças e serviços de segurança, às polícias municipais e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (doravante ASAE) fiscalizar o cumprimento do disposto na presente resolução”, a vigilância daqueles que se encontrem em “confinamento obrigatório”, como estabelecido na al. b) do mesmo n.º, estas limitações igualmente violam o Direito à liberdade e à segurança estatuídos no artigo 27.º da CRP.

O n.º 3 do artigo 27.º da CRP estabelece os limites a este direito, a quarentena obrigatória imposta pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 não corresponde a nenhuma dessas exceções, visto que não existe “detenção em flagrante delito” (al. A)), “detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de crime doloso” (al. B), “Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão” (al. C)), “Prisão disciplinar imposta a militares” (al. d)), “Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação” (al. E)), “Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal” (al. F)), “Detenção de suspeitos” (al. g)), nem “Internamento de portador de anomalia psíquica” (al. H)).

É igualmente incumprido o artigo 32.º da CRP, por não existir instrução por parte de um juiz previamente à determinação de limitação de liberdade aos cidadãos provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

De acordo com o artigo 283.º do decreto-lei n.º 48/95 é punível quem efetivamente propagar doença perigosa (artigo 283.º, n.º 1, al. a)) ou quem criar “perigo” (artigo 283.º, n.º 1, al. c)).

A mesma visão é expressa na Lei n.º 95/2019, base 34, n.º 2, al. b) quando afirma que cabe à autoridade de saúde “Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação...

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