Acórdão nº 736/19.2GBAGD-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 736/19.2GBAGD-A.S1 Habeas Corpus Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA, arguido no processo n.º 736/19.2GBAGD (no Tribunal Judicial da Comarca ... — Juízo Local Criminal de ...), preso no Estabelecimento Prisional … à ordem do processo referido, vem, por intermédio da advogada, requerer a providência de habeas corpus por prisão ilegal, com base no disposto no art. 222.º, n.ºs 2, als. b), do Código de Processo Penal (CPP) e com os seguintes fundamentos: «1. O presente pedido vem com fundamento no facto do arguido ter sido preso, quando na verdade a lei não permite, no caso sub judice, tal prisão - Cfr. art.º, 222º nº, 2 al. b) do CPP.

  1. Salvo o devido respeito, deve-se dizer que a aplicação da pena efetiva de prisão, mostra-se como inadmissível.

    Senão vejamos, 3. O requerente foi condenado respetivamente a uma pena de dois anos e oito meses de prisão por sentença datada de 26-11-2020.

  2. No entanto, o mandatário do arguido ficou impedido por doença durante 22 dias, desde o dia 18/12 de 2020, até ao dia 08/01 de 2021 (conforme comprovou documentalmente) – motivo pelo qual, no dia 10/01 de 2021, segunda-feira, veio o mandatário, requerer prazo, para apresentação do recurso, não obtendo entretanto, qualquer despacho.

  3. Note-se que, acautelando-se e prevenindo-se, o mandatário do arguido, requereu, prazo mínimo legal, a fim de poder exercer esse seu direito (através de um requerimento, pelo qual pediu prazo, em 10/01 de 2021, alegando e comprovando que esteve impedido para o trabalho, no período que decorreu entre os dias 18/ 12 de 2020 e 08/ 01 de 2021).

  4. Pelo que, veio o Arguido interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação a 20/01 de 2021.

  5. A rejeição do recurso com base na extemporaneidade do mesmo implica, a falta de apreciação do objeto e mérito da causa.

  6. A douta decisão limitou-se a emitir parecer acerca da extemporaneidade de apresentação do recurso, com base no entendimento de que não foram cumpridos os requisitos impostos no art. 411° n.º 1 do CPP.

  7. O arguido (ainda que discordando) não veio a ser, como aliás constitucionalmente se impunha (art. 32°, n.º 1 da CRP) e salvo melhor opinião, convidado ao aperfeiçoamento do mesmo.

  8. Face ao que se interpôs reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, do douto despacho que rejeitou o recurso por extemporâneo, argumentando que o mandatário do arguido, não pôde exercer as suas funções profissionais, derivado de doença.

  9. Ora, salvo melhor entendimento, interposta reclamação da decisão de rejeição liminar do recurso por extemporaneidade, não pode a lei, sob pena de inconstitucionalidade de tal entendimento, ser extensivamente interpretada, no sentido de se considerar, como considerou a decisão ora em crise, que a rejeição liminar do recurso com base na extemporaneidade do mesmo, sem que se dê sequer cumprimento ao legalmente imposto convite ao aperfeiçoamento, configura uma situação de “confirmação da decisão da primeira instância”! 12. Sob pena de ser posto em crise o imperativo constitucional da existência, ao menos, de um grau de recurso (art. 32.º, n.º 1, da CRP).

  10. Porquanto, não houve qualquer decisão/apreciação do objeto e/ou mérito da causa.

  11. Numa altura pandémica particularmente difícil, em que, infelizmente, muitos cidadãos foram afetados pelo COVID-19, é profundamente injusto, que o Arguido (representado por um mandatário que foi acometido por doença) seja mais uma vítima (indireta) desta pandemia que assola o Planeta.

  12. Ora ao aceitarmos esse tipo de interpretação, estamos a negar "... o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos", numa clara violação do artigo 20.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  13. Porque se o mandatário de um qualquer cidadão ficar acometido por uma situação de doença, ficará sem mais acesso ao direito e aos tribunais, não podendo recorrer para obter justiça.

  14. Este entendimento viola princípios fundamentais de um estado de direito, e mais concretamente, da nossa constituição, violando também até normas da DUDH.

  15. Atravessamos momentos e tempos de grandes dificuldades ao nível da saúde, em especial para os cidadãos que ficam acometidos pela COVID-19, sem terem contribuído para isso, retirar-lhe o direito de acederem aos tribunais e ao direito, só porque ficaram nessa situação, após o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, é penalizá-los duas vezes, uma é a doença COVID-19, a outra é o não poderem aceder como os outros cidadãos ao direito e aos Tribunais.

  16. O facto de não se permitir um prévio convite ao aperfeiçoamento da deficiência detetada, constitui uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça.

  17. Ora, considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.

  18. O juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

  19. O que, no caso em apreço (e, apesar da prova documental), não aconteceu, tendo resultado na condenação efetiva do Arguido e, por conseguinte, na sua prisão ilegal.

  20. São inconstitucionais os artigos 412.º n.º 1 e 420.º n.º 1, do Código de Processo Penal e o art. 140º nº 1 do Código de Processo Civil quando interpretados no sentido da extemporaneidade do recurso por impedimento do mandatário documentalmente comprovado levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido.

  21. O requerente encontra-se ilegalmente preso, o que cristalinamente viola o disposto nos art. 27°, n.° 1 e 3, e art. 32º da C.R.P.

  22. Igualmente violado foi o disposto no art. 222°, n.° 2 do C.P.P.

  23. O habeas corpus é uma providência excecional que visa garantir a liberdade individual contra os abusos de poder consubstanciados em situações de detenção ou prisão ilegal, com suporte no artigo 31º da CRP, que o institui como autêntica garantia constitucional de tutelada liberdade.

  24. Assim sendo, não pode deixar de se reconhecer fundamento à presente providência de habeas corpus.

  25. Sendo ainda de realçar que o arguido estava perfeitamente inserido, social e familiarmente, tendo o seu trabalho que, entretanto, a manter-se a prisão, se encontra em vias de perder.

  26. Pelo que a condenação que agora se pretende ser-lhe aplicável sempre lhe...

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