Acórdão nº 2084/20.6T8VLG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelLEONOR CRUZ RODRIGUES
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.º nº 2084/20.8T8VLG.S1 4ª Secção LCR/JG/CM Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - Relatório 1.

No Juízo do Trabalho... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “BANCO BPI, S.A.” acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo a condenação do Réu: a) a reconhecer à autora o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 22,22%, correspondente a 2 anos de descontos com densidade contributiva para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária; b) a pagar à A. o valor de € 259,59 a título de pensão do CNP de Julho de 2020, retroactivos do 13º e 14º meses; e ainda de € 385,95 a título de rectroactivos do CNP, num valor global de € 645,54; c) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pela autora para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária e d) a pagar à A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da acção até ao trânsito em julgado da mesma, acrescidos de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença.

Para tanto invocou a A., em síntese: - Foi admitida ao serviço do Réu em Março de 1983, tendo passado à situação de reforma bancária por invalidez presumível em 31.12.2012; - Por carta do CNP de 20.4.2016 foi informada do deferimento do seu requerimento de pensão por velhice, com início em 28.9.2019, sendo o seu valor actual de € 178,91; - Teve um carreira contributiva com 3 momentos distintos de descontos: - de 11/1972 a 12/1978 efecutou descontos para a Segurança Social decorrentes de prestação de actividades dependentes remuneradas a entidades não bancárias; - de 03/1983 a 31.12.2010 efecutou descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários; - A partir de Janeiro de 2011 passou a descontar para a Segurança Social, integrada no sector bancário, até passar à situação de reforma (31.12.2012); Na presente data – com referência à data da instauração da acção – o R. entrega à A. uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 978,63, diuturnidades no valor de € 210,30 e anuidades no valor de € 33,65; - Ou seja, o R. pretende fazer sua, e sem ter direito a tal, 48,36% do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões à A., quando na realidade – nos termos das pertinentes cláusulas do ACT do sector bancário aplicável – só teria direito a 22,22%, da pensão que lhe foi atribuída pelo CNP.

  1. O Réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese que o valor a entregar à A. se restringe ao valor da diferença entre os benefícios previstos na regulamentação colectiva aplicável e o montante da pensão de velhice da segurança social, devendo ter-se em consideração para apurar essa diferença não apenas os anos das fases da carreira contributiva (dentro e fora do sector bancário), mas também as remunerações que consubstanciam essa carreira contributiva.

  2. Por sentença de 22.1.2021, foi a acção julgada procedente e o Réu condenado: a) a reconhecer à Autora o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida - a pensão do CNP sem o complemento social – do valor correspondente à percentagem de 22,22%; b) a pagar à A. o valor de € 259,59, a título de pensão do CNP de Julho de 2020, retroactivos do 13º e 14º meses, e ainda de € 385,95 a título de retroactivos do CNP, num valor total global de € 645,54; c) a aplicar uma regra pro rata temporis no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pela A. para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária; d) a pagar à A. todas as quantias que tenha retido ou venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação dessa regra, desde a propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da mesma.

  3. Inconformado com a decisão dela interpôs o Réu recurso de revista, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção colectiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.

  4. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

  5. No que respeita ao elemento literal, a redacção da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94ª do ACT do sector bancário) é clara nos dois aspectos que aqui relevam.

  6. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com a Recorrida, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.

  7. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.

  8. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.

  9. A cláusula 136.ª alude, precisamente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.

  10. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (nº 3 da cláusula 98ª), sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94ª.

  11. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.

  12. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.

  13. As regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate” são as regras do sistema previdencial do regime geral da segurança social.

  14. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.

  15. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende a Recorrida, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.

  16. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.

  17. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.

  18. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pela Recorrida ao Recorrente.

  19. E são essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate” 18. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim impedir que pelo mesmo tempo o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.

  20. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

  21. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.

  22. Tal conclusão ofende directamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga à Recorrida pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.

  23. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.

  24. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso das remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.

  25. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.

  26. ...

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