Acórdão nº 1382/17.0T8BGC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, BB, CC e DD interpuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Generali – Companhia de Seguros, S.A. (actual Generali Seguros, S.A.) , com fundamento em responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 60.000,00, mais €10.000,00 pelo sofrimento da sua mãe entre o momento do acidente e a sua morte; e a pagar à 2.ª A. quantia não inferior a €15.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos na sequência do óbito da sua mãe. Tudo acrescido de juros legais desde a citação.

Alegam para tanto, e em síntese, que: - No dia … de junho de 2014, pelas 18 horas e 26 minutos, na E.M. …, a cerca de 1200 metros da placa indicativa da localidade “.......”, freguesia ....., concelho ......., circulava o tractor agrícola de matrícula ..-..-HI, no sentido ......./....., conduzido por EE; durante a sua marcha saiu da faixa para o lado direito saindo da estrada; e as três pessoas que transportava na caixa de carga, a saber, FF, GG e HH, esta, mãe dos AA., com o solavanco originado pelo desnível da estrada e o sítio por onde passou a circular, provocou a queda dos passageiros, o seu ferimento e por consequência a morte da referida HH por paragem cardíaca respiratória; tendo o condutor de seguida abandonado o local; antes de falecer, a mãe dos AA. teve dores e previu a morte, vivendo momentos de grande sofrimento físico; tinha 69 anos, era saudável, alegre e cheia de vida; com o seu falecimento, o direito à indemnização pelos danos sofridos transferiu-se para a esfera patrimonial dos AA., seus únicos e universais herdeiros. Os quais ficaram tristes, abalados e revoltados com a morte da sua mãe.

Violou o condutor normas do Código Estrada, pelo que é o único responsável pelo acidente, agindo com culpa. A responsabilidade transferiu encontra-se transferida para a R. Generali, Companhia de Seguros, S.A, mediante o contrato de seguro com o n.º de Apólice ....890.

Contestou a R., por excepção, alegando a caducidade da acção com base no disposto no art. 298.º, n.º 2 do Código Civil, uma vez que os AA. não deduziram o pedido de indemnização civil no processo crime, não o podendo deduzir agora em separado. E também por impugnação, não contrariando em nada o circunstancialismo alegado pelos AA., mas contrapondo: que o mini reboque não tinha qualquer dispositivo que prendesse os ocupantes ao veículo; que os mesmos ocupantes sabiam que esse mini reboque não se destinava ao transporte de passageiros, não dispunha de cintos de segurança nem de arco de protecção; que o condutor, no momento do acidente, apresentava uma taxa de alcoolémia de 2,38/g/l, o que lhe causava diminuição de reflexos; que os passageiros sabiam do estado do condutor; que, mesmo assim, a falecida mãe dos AA. aceitou ser transportada nessas circunstâncias, pelo que só ela agiu com culpa ou culpa exclusiva. Finalmente alegou serem os valores peticionados excessivos.

Requereu a intervenção acessória do condutor EE.

Para tal, além do mais, alegou a possibilidade de vir a exigir o reembolso do montante pago na eventual condenação, através do direito de regresso que fosse também demandado.

O qual, foi demandado conforme requerido não tendo contestado.

Por decisão de 05.11.2018, foi admitida a intervenção acessória provocada.

Por sentença de 5 de Janeiro de 2020, foi proferida a seguinte decisão: «a) - Julgar a alegada exceção perentória da caducidade da ação improcedente e não provada; b) - condenar a ré nos exatos termos do pedido, à exceção no segmento do direito à vida que se reduz para € 40.000,00 e assim, decide-se condenar a ré a pagar aos autores: Pela perda do direito à vida da sua mãe a quantia de € 40.000,00; mais € 10.000,00 pelo sofrimento da sua mãe ocorrido no período entre o acidente e a sua morte. A pagar a cada um dos autores, AA, CC e DD, a quantia de € 10.000,00 a cada um dos autores, a título de danos de natureza não patrimonial; E á autora BB, também a título de danos de natureza não patrimonial a quantia de €15.000,00. Juros moratórios contados da decisão.» Inconformada, a R. Seguradora interpôs recurso para o Tribunal da Relação …, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 15 de Outubro de 2020, foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e absolvem a ré seguradora da instância por incompetência do tribunal em razão da matéria referente à autora AA, e condenam-na a pagar: 1. Ao autor CC a quantia de 18.750€.

  1. Ao autor DD a quantia de 18.750€.

  2. À autora BB a quantia de 22.250€. No resto mantem-se o decidido.

    Custas a cargo dos autores e ré na proporção de decaimento.» 2.

    Vêm os AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1 - É admissível o recurso de revista quanto à fixação dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 in fine do CPC, uma vez que foram violados os artigos 364.º do Código Civil e artigo 607.º, n.º 5 do CPC, que exigem documento autêntico para prova dos factos.

    2 - Da certidão judicial junta pela Ré na audiência prévia não consta a acusação, nem resultam narrados os factos a que se refere a acusação deduzida no processo n.º 38/14.0GDBGC e, por isso, não faz prova quanto aos factos originadores da responsabilidade civil em apreço.

    3 – Ao abrigo dos artigos 363.º, n.º 1, 364.º, n.º 1, 369.º e 383.º do Código Civil e artigo 607.º, n.º 5 do CPC, para que Tribunal a quo pudesse considerar provados os factos 8-A e 8-B, seria necessário e indispensável que fosse junta aos autos certidão judicial com a acusação proferida no processo-crime. 4 – Dada a ausência de certidão judicial nesse sentido, nada podia ter sido dado como provado a respeito da existência de processo-crime referente aos factos originadores da responsabilidade civil em apreço nos presentes autos.

    5 – Não tendo sido provados os factos 8-A e 8-B, o tribunal cível é materialmente competente para conhecer do pedido indemnizatório da Autora AA, ao abrigo dos artigos 71.º e 72.º, n.º 1 al. i) do CPP e artigo 342.º, n.º 1 do CC.

    6 – Ainda que se considerem provados os factos 8-A e 8-B, uma vez que foi claramente ultrapassado o prazo de oito meses a contar da notícia do crime para a dedução da acusação, é aplicável a alínea a), do n.º 1 do artigo 72.º do CPP.

    7 – Ao abrigo do artigo 9.º, n.º 2 e 3 do Código Civil, não se pode interpretar o artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CPP no sentido de o lesado apenas poder deduzir pedido de indemnização junto do tribunal cível no período decorrido entre o final do prazo de 8 meses a contar da notícia do crime e a dedução da acusação.

    8 – A Autora AA, conjuntamente com os seus irmãos, deduziu o pedido indemnizatório dos autos apenas e só contra a seguradora, pessoa com responsabilidade meramente civil e, por isso, à luz da alínea f) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, sempre podia fazê-lo no foro civil, em separado de processo-crime.

    9 - Uma vez que o valor do pedido dos autos ascende a €115.000,00, sempre a Autora podia reclamar no foro civil a referida indemnização, ao abrigo da al. g) do n.º 1 do dito artigo 72.º do CPP que ainda se mantém em vigor e deve ser interpretada no sentido de: a) se considerar que o lesado poderá optar pelo tribunal civil para peticionar a indemnização dos danos sofridos na sequência de um crime, quando o valor do pedido seja igual ou superior a €30.000,01, uma vez que o tribunal coletivo tinha competência para julgar as questões de facto nas ações de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação.

    1. se considerar que o lesado poderá optar pelo tribunal civil para peticionar a indemnização dos danos sofridos, quando o processo crime correr termos no Juízo Local Criminal e, se atento o seu valor (superior a €50.000,00), o julgamento do pedido de indemnização civil competisse aos Juízos Centrais Cíveis.

    10 - O tribunal civil é, portanto, competente para julgar o pedido e o direito de acção da Autora AA, não se verificando a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria referente à autora AA.

    11 – Nos termos do artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, para que haja repartição da responsabilidade entre o lesante e o lesado, é necessário que a conduta censurável imputável à vítima se mostre causal da produção do acidente ou ao agravamento dos seus danos.

    12 - “A mera verificação da violação das referidas normas estradais, ainda que revestindo natureza contra-ordenacional, não é por si só suficiente para estabelecer o nexo causal com a produção do acidente. Torna-se, pois, necessário indagar se tal comportamento ilícito e culposo consubstancia, em concreto, causa adequada do evento ocorrido.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2018 (Processo 595/14.1TVLSB.L1.S1).

    13 - O responsável pela ocorrência do acidente foi o condutor do tractor, que saiu da faixa de rodagem para a berma e depois para um terreno que ladeava a via. O risco criado em abstrato pela sinistrada não se materializou no evento gerador da responsabilidade civil em apreço – o despiste do veículo - e, nessa medida, não pode ser considerada culpada na produção dos danos.

    14 – No acórdão proferido, o Tribunal da Relação …., para justificar a culpa da lesada no agravamento dos danos, limitou-se a tecer considerações de carácter genérico e conclusivo, não ponderando o nexo de causalidade desse comportamento com o agravamento dos seus danos.

    15 – Sem a consideração da casualidade concreta do comportamento da sinistrada para a produção ou agravamento dos danos do acidente, a consideração de existência de culpa da lesada e as proporções fixadas pela Tribunal da Relação …. afiguram-se arbitrárias.

    16 – Para aplicação do artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, seria necessário que a lesada tivesse produzido...

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