Acórdão nº 660/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | Cons. José João Abrantes |
Data da Resolução | 29 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 660/2021
Processo n.º 367/2021
1ª Secção
Relator: Conselheiro José João Abrantes
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A., ora Recorrente, impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante designada por “CMVM”), no âmbito do processo de contraordenação n.º 33/2014, que lhe aplicou as seguintes coimas (cfr. fls. 44v e 45):
Pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários (doravante, «CdVM»), com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2012, na coima de € 200 000,00 (duzentos mil euros);
Pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2013, na coima de € 225 000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros);
Pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao 1.º trimestre de 2014, na coima de € 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
Pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, quanto à informação divulgada no relatório de governo societário de 2012, na coima de € 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
Pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, quanto à informação divulgada no relatório de governo societário de 2013, na coima de € 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros); e
Em cúmulo, na coima única no montante de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros).
1.1. O processo correu os seus termos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – 1.º Juízo, com o número 178/20.7YUSTR, e culminou com a prolação de sentença, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial do Recorrente e, em consequência, condenou-o nas seguintes coimas (cfr. fls. 47):
Uma coima de € 130 000,00 (cento e trinta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2012;
Uma coima de € 70 000,00 (setenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, quanto à informação divulgada no relatório de governo societário de 2012;
Uma coima de € 165 000,00 (cento e sessenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2013;
Uma coima de € 70 000,00 (setenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, quanto à informação divulgada no relatório de governo societário de 2013;
Uma coima de € 70 000,00 (setenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, quanto à informação divulgada no relatório e contas consolidadas do 1.º trimestre de 2014;
Em cúmulo jurídico, na coima única de € 300 000,00 (trezentos mil euros).
1.1.1. Desta decisão o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 12/02/2021, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença do tribunal de primeira instância (cfr. certidão a fls. 36 a 209).
1.1.2. Posteriormente, o Recorrente requereu perante o TRL que fosse declarado extinto o procedimento contraordenacional, por decurso do prazo máximo de prescrição, com respeito às contraordenações reportadas aos deveres de informação com qualidade quanto ao relatório e contas consolidadas da sociedade arguida Portugal Telecom, SGPS, S.A., do ano de 2012 e ao relatório do governo societário de 2012 (cfr. artigos 28.º, n.º 3, do RGCO, e 418.º, n.º 1, do CdVM, com a redação vigente à data da prática dos factos conferida pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro).
Nesse requerimento, o Recorrente invocou o seguinte com interesse para a presente decisão (cfr. fls. 5v a 7v):
“[…]
2. Relativamente aos factos mais antigos, i.e., à alegada divulgação no SDI da CMVM da proposta de relatório e contas consolidadas relativa a 2012 e do relatório de governo societário do mesmo ano, o procedimento contraordenacional encontra-se prescrito, pelo menos, desde o passado dia 17.03.2021 (cfr. sobre esta questão o referido nos pontos 80. A 97., págs. 159 a 163, do acórdão proferido por este douto Tribunal, no passado dia 12.02.2021).
3. Por cautela de patrocínio sempre se diga que a nova causa de suspensão de prazos de prescrição, prevista nos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, e artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6.04, e artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, não é aplicável à situação dos presentes autos.
4. Com efeito, conforme decidiu este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdãos datados de 21.07.2020 e 24.07.2020, processos n.ºs 76/15.6SRLSB.L1-5 e 128/16.5SXLSB.L1-5, Relatores Ana Sebastião e Jorge Gonçalves, respetivamente, a causa de suspensão da prescrição estabelecida no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 aplica-se apenas aos factos praticados durante a sua vigência (os acórdãos referidos encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt).
(…)
8. O artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, e artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6.04, interpretados no sentido de que a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020 se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontram já em curso, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 19.º, n.º 6 e 29.º, nºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP), aplicáveis ao processo contraordenacional, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
9. Na verdade, a admissão da possibilidade de acrescentar novas causas de suspensão da prescrição a um procedimento contraordenacional já em curso, para além das indicadas no artigo 27.º-A do RGCO, aplicável ao presente processo ex vi do artigo 407.º do CdVM, bem como a possibilidade de se alargar o prazo máximo imperativo de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecido no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, constituiria uma flagrante inconstitucionalidade, por manifesta violação das garantias consagradas no n.º 6 do artigo 19.º e dos n.ºs 1 e 4 do artigo 29.º, ambos da CRP, porquanto implicaria agravar a situação processual do arguido, alargando a possibilidade da sua punição (cfr. artigo 3.º, n.º 2 do RGCO e artigo 29.º, n.º 4 da CRP).
10. Face ao que antecede, deverá ser declarada a extinção do procedimento contraordenacional, por prescrição, relativamente às contraordenações reportadas às alegadas condutas ilícitas do ora Recorrente referentes à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2012 e no relatório de governo societário do mesmo ano.
[…]”
1.1.3. Por acórdão de 6/04/2021, o TRL julgou improcedente a pretensão do Recorrente, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 5v a 27):
“[…]
Cumpre apreciar e decidir.
A questão relativa à avaliação do eventual curso do prazo regular de prescrição foi apreciada em termos que vê, já definitivos, atenta a irrecorribilidade da presente decisão, nos termos enunciados no acórdão proferido neste recurso, no âmbito da questão n.º 7.
Tal ponderação foi feita nos termos que se enunciam:
80. Fornecem-nos os referentes temporais necessários para o esclarecimento da questão da prescrição suscitada neste recurso os seguintes factos provados [por serem os que contêm a localização no tempo da prática do ilícito imputado ao Recorrente e pelo qual vem condenado, enquadrado pelos art.s 7.º 389.º, n.º 1, alínea a), e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Valores Mobiliários, ou seja, os que permitem localizar na linha temporal a divulgação censurada]:
Em 16 de março de 2013, a Portugal Telecom divulgou no SDI da CMVM a proposta de relatório e contas consolidadas relativa a 2012, que foi aprovada na reunião da Assembleia Geral Anual de Acionistas de 19 de abril de 2013. (fls. 1841, 4035; 2629- 2648) facto n.º 91.179; e
Em 16 de março de 2013, a Portugal Telecom divulgou no SDI da CMVM o relatório de governo societário relativo a 2012 facto n.º 91.206;
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