Acórdão nº 1761/20.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO S.........

, natural do Gana, devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 07/02/2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de condenação a tramitar o pedido de asilo e/ou o pedido de autorização de residência por proteção subsidiária.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.

A Fundamentação da Douta Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: i) “por consulta na base de dados do Eurodac o SEF constatou a existência de um pedido de asilo, formulado pelo requerente em 05/11/2016, em Brindisi, Itália (…)”; ii) “Em 02/09/2020, o SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Requerente às autoridades italianas (…)”; iii) “As autoridades italianas nada disseram (…)”; iv) “Em 30/09/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados – SEF notificou o Requerente que determinou que a Itália é o Estado responsável (…)”.

  1. A mesma Fundamentação não deu como provada a realização de qualquer tipo de diligência prévia por parte do SEF no sentido de apurar a capacidade do Estado Italiano para acolher condignamente o A., com integral respeito dos direitos humanos.

  2. O A. entrou em Itália, vindo de Benghazi, em 22.12.2016 e durante toda a sua estadia em Itália, viveu no campo de refugiados de Restinco, Brindisi, Puglia, durante quase quatro anos.

  3. O A. tem receio de voltar para a Itália, porque os seus direitos humanos não foram convenientemente acautelados por este Estado Membro da União Europeu, no período em que ali viveu, submetido às condições desumanas de vida do campo de refugiados e à exploração da sua força de trabalho, em condições muito próximas do que conhecemos como escravatura, tendo igualmente medo de ao regressar a Itália, vir a ser devolvido ao seu país de origem, onde se encontra ameaçado de morte e é perseguido.

  4. A decisão de transferência da responsabilidade não é um acto estritamente vinculado.

  5. O regime resultante das normas, conjugadas, contidas nos artigos 37.º/2 e 19.º-A/1/a) da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, tem de ser articulado com o disposto no artigo 3.º/2 do Regulamento, no qual se estabelece que «[c]aso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável».

  6. São factos notórios a pressão migratória a que a Itália tem sido submetida e a degradação que, naquele país, se tem registado ao nível das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, em termos que sustentam fortemente a possibilidade de se verificarem, como refere o artigo 3.º/2 do Regulamento, «falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia».

  7. Tais factos – notórios, como se referiu – não poderiam deixar de ser do conhecimento do SEF.

  8. Deveria o SEF ter instruído oficiosamente o procedimento especial que lhe incumbia decidir, nele fazendo constar informação fidedigna e atualizada sobre o procedimento de asilo e condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, por forma a verificar se, no caso concreto, existiam motivos que determinassem a impossibilidade da transferência do A., nos termos do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin, recorrendo, para o efeito, a fontes credíveis, obtidas, designadamente, junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo do ACNUR e de pertinentes organizações de direitos humanos.

  9. Essa instrução não foi feita. Ou seja, nada averiguou o SEF.

  10. Tal averiguação não dependia de qualquer alegação do então requerente, ora A.

  11. O simples facto de um determinado Estado deter a qualidade de Estado Membro da União Europeia, não o isenta de ter internamente deficiências sistémicas no acolhimento de migrantes, refugiados e no procedimento de asilo.”.

    Pede a revogação da sentença recorrida e a condenação do SEF a reconstituir o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo Recorrente, de modo a apurar se se verificam, relativamente à Itália, os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3.º/2 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013.

    * A Entidade Demandada, ora Recorrida, não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

    * O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

    A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por falta de instrução procedimental quanto às condições de acolhimento do requerente de proteção internacional em Itália e quanto à possibilidade de transferência, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos: “A) O Requerente é nacional de Kimtampo, Gana, onde nasceu em 01/01/1991 (cfr. PA apenso a fls. 1 que ora se da por integralmente reproduzido); B) Em 22/07/2020, o Requerente apresentou um pedido de protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (cfr. PA apenso a fls. 25 que ora se da por integralmente reproduzido); C) Por consulta na base de dados do Eurodac o SEF constatou a existência de um pedido de asilo, formulado pelo Requerente em 05/11/2016, em Brindisi, Itália e outro em Malta, em 30/10/2019 (cfr. fls. 3 a 4 do PA apenso, ibidem); D) Em 25/08/2020, o Requerente prestou declarações perante o SEF, quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte «imagem no original» E) Em 02/09/2020, o SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Requerente às autoridades italianas, nos termos do instrumento de fls. 40 a 44 do PA, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido; F) As autoridades italianas nada disseram (cfr. PA apenso a fls. 45, ibidem); G) O Director Nacional Adjunto do SEF, proferiu decisão com o seguinte teor: «imagem no original» cfr. processo administrativo apenso aos autos, a fls. 53, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H) Na informação 1942/GAR/2020 referida na alínea anterior, consta nomeadamente, o seguinte: (…) «imagens no original» (…) (cfr. processo administrativo apenso aos autos, de fls. 48 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I) Sobre a Informação referida na alínea anterior recaiu Proposta datada de 18/09/2020 com o seguinte teor: “PROPOSTA Com base na presente informação, propõe-se à consideração superior que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.s 1, do artigo 199-A, da Lei n.9 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n9 26/2014 de 05 de maio, o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a ITÁLIA do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 25 n9 2 do Regulamento (CE) N.9 604/2013 do Conselho, de 26 de Junho”.

    (cfr. idem); J) Em 30/09/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados - SEF notificou o Requerente da decisão que determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua tomada a cargo (cfr. fls. 56, do processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    * Com interesse para a decisão da presente causa não se mostram provados quaisquer...

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