Acórdão nº 51/14.8T8VPA-G.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA, Recorrente e Requerido na acção especial de atribuição da casa de morada da família intentada por BB, vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), da decisão da relatora que não conheceu do objecto do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …… que, dando procedência à apelação interposta pela Autora e alterando a matéria de facto, revogou a decisão de 1.ª instância atribuindo àquela a utilização da casa de morada de família até à partilha.

O Recorrente reitera o seu entendimento quanto à admissibilidade da revista invocando estar em causa no recurso uma questão de direito, que se reconduz à apreciação da existência dos pressupostos legais fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, no caso, a inexistência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração do decidido quanto à atribuição da casa de morada de família.

Considera ainda que ocorrendo violação do caso julgado (alteração do acordo das partes quanto ao destino da casa de morada de família, homologado por sentença), a revista teria de ser sempre admissível. 2. A Recorrida defende a manutenção da decisão reclamada por a revista não se mostrar admissível.

  1. A decisão reclamada tem o seguinte teor: “1. Conforme consignado no despacho que determinou o cumprimento do artigo 655.º, do CPC, estando em causa processo considerado de jurisdição voluntária, a admissibilidade de recurso para o Supremo encontra-se sujeita à limitação prevista no artigo 988.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual as decisões proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Constitui assim pressuposto da admissibilidade de recurso que a decisão impugnada assente em critérios de legalidade estrita.

    Como tem vindo a ser repetidamente asseverado neste Tribunal, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos processos com natureza de jurisdição voluntária, – onde se inclui o processo de atribuição da casa de morada de família – confina-se à análise das decisões tomadas de acordo com critérios de legalidade estrita e, sem embargo de lhe caber verificar, nomeadamente, a observância dos pressupostos, processuais ou substantivos, dos critérios da escolha da medida mais conveniente aos interesses a tutelar, bem como do respeito pelo fim com que os correspondentes poderes foram atribuídos aos tribunais, não lhe compete ajuizar sobre a conveniência ou a oportunidade da aludida opção. Na verdade, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação.

  2. Resulta evidenciado do teor do acórdão recorrido que a revogação da decisão de 1.ª instância relativa ao acordo sobre a atribuição da casa de morada de família pelo tribunal a quo decorreu da alteração à matéria de facto a que procedeu (com base no depoimento de uma testemunha e em face da convicção formada em função da ponderação dos meios de prova produzidos nos autos) pois que considerou não provado o ponto n.º 14 que a 1.ª instância havia entendido provado (residir o Requerido actualmente na referida habitação) dando como provada a matéria que a 1ª instância considerou não provada (n.ºs 16 e 17: encontrar-se a casa actualmente desabitada e o Requerido residir habitualmente com a mãe).

    Entende o Recorrente que se trata de erro de julgamento, quer da matéria de facto, quer ainda de direito, porque não demonstrada a alteração das circunstâncias que poderiam legitimar a alteração da resolução anterior (sentença de homologação do acordo firmado entre as parte quanto ao destino da casa de morada de família até à partilha).

    Todavia, como já referido e o Recorrente, aliás, invoca nas conclusões do recurso, a alteração da factualidade provada decidida pelo tribunal da Relação encontra-se ancorada em prova testemunhal.

    Ora, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” Com base neste preceito, se é certo que o STJ, em sede de recurso de revista, pode sindicar a matéria de facto, tal sindicância mostra-se porém limitada ao campo da designada prova tarifada ou vinculada tratando-se, no fundo, de aplicar normas de direito probatório material (cfr. Acórdão do STJ de 17-05-2017, Processo n.º 2329/11.3TBPDL.L1.S1, a cujo sumário se pode aceder por de https://www.stj.pt/?page_id=4471) o que, de todo, não é a situação dos autos.

    Importa ter presente que a acção foi intentada pela aqui Recorrida peticionando a atribuição da casa de morada de família com base na alteração dos pressupostos em que assentou o acordo (homologado) que havia celebrado com o aqui Recorrente (na sequência do seu divórcio e em que a casa de morada de família foi atribuída provisoriamente a este até à partilha) alteração decorrente do mesmo se encontra a residir de forma permanente com a mãe.

    O acórdão recorrido, alterando a matéria de facto fez constar na fundamentação que revogou a decisão de 1.ª instância, após a ponderação de todas as circunstâncias relevantes na averiguação das necessidades de habitação de cada uma das partes em confronto: “Não se afigura legítimo que a apelante que também é proprietária da casa, tenha de residir com o filho numa casa com muito poucas condições, sem banheira e sem chuveiro, com apenas dois quartos para três pessoas, quando a casa em questão reúne condições para receber a apelante e o filho de ambas as partes que entretanto atingiu a maioridade, se encontra fechada, sem ser utilizada regularmente. Não se deixou também de se ponderar que, não obstante a alteração do acordo e até à partilha, o apelado tem residência onde ficar, dispondo a casa da sua mãe de condições para o acolher e que ambas as partes dispõem de fracos recursos económicos, não se podendo considerar que a situação económica da apelante seja superior à do apelado. Nenhuma das partes aufere rendimentos que lhes permita arrendar uma habitação”.

    Este excerto evidencia que o critério em que assentou encontra-se radicado na solução mais conveniente. Ou seja, está subjacente ao acórdão recorrido um juízo indubitavelmente casuístico, incidindo sobre a situação de facto de cada uma das partes, ou seja, numa valoração puramente factual, estranha a uma qualquer definição do direito, fazendo apelo a considerações de oportunidade e de conveniência para a escolha da solução mais adequada.

    Assim sendo, uma vez que o acórdão recorrido optou por solução que considerou mais ajustada em face da apreciação da realidade fáctica apurada, a mesma mostra-se nesse sentido arredada do controle deste Tribunal por imposição dos artigos 988.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, ambos do CPC.” 4. O entendimento da decisão proferida não pode deixar de ser reiterado II – Apreciando 1. Em causa está acção intentada por BB, aqui Recorrida, contra AA, aqui Recorrente, por apenso ao...

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