Acórdão nº 323/17.0T8SRT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA e BB intentaram, por si e em representação dos seus filhos menores, CC e DD, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra EE e mulher, FF (1.ºs Réus), e Companhia de Seguros Tranquilidade, SA (que alterou a sua denominação para Seguradoras Unidas SA e, posteriormente, para Generali Seguros, SA), deduzindo o seguinte pedido: - condenação solidária dos Réus no pagamento de indemnização, no valor global de 31.636,00€ (sendo 21.636,00€ por danos patrimoniais e 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Fundamentaram a acção na responsabilidade civil dos Réus (sendo quanto aos 1.ªs, na qualidade de proprietários e locadores do imóvel e a Ré Seguradora, decorrente da transferência da responsabilidade por efeito de contrato de seguro celebrado) pelas consequências do incêndio que, em 18-11-2014, eclodiu na habitação onde residiam.

  1. Os Réus impugnaram as causas do incêndio (cuja eclosão os 1.ºs imputam aos Autores) e os danos dele resultantes. A Ré Seguradora invocou ainda que o contrato de seguro celebrado com os 1.ºs Réus (do ramo multirriscos habitação) não cobre os danos cuja reparação é pedida pelos Autores.

  2. Os Autores apresentaram resposta.

  3. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

  4. Inconformados apelaram os Autores impugnando a matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

  5. Por acórdão (de 10-12-2020), o tribunal a quo, dando procedência parcial à apelação, alterou a matéria de facto e julgou a acção parcialmente procedente, com a condenação dos Réus a pagarem aos Autores: “a) A quantia de quinze mil euros [€ 15 000,00], a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a citação até efectivo pagamento; b) A quantia de cem euros [€ 100] a cada um dos autores AA e BB, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data desta decisão até integral e efectivo pagamento.

    1. A quantia de duzentos e cinquenta euros [€ 250] ao autor CC, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data desta decisão até integral e efectivo pagamento;” Absolveu os Réus do mais que se encontrava pedido.

  6. Inconformados os Réus recorreram de revista.

    7.1.

    Concluiu (transcrição) a Ré Seguradora nas suas alegações: “1. O presente recurso versa sobre o Acórdão do Tribunal da Relação …. que revogou a decisão de 1ª instância e consequentemente determinou a condenação solidária dos Réus no pagamento aos Autores da quantia de € 15.350,00.

  7. O objecto do presente recurso prende-se com se seguintes decisões, (i) o apuramento dos danos, conforme determinado no ponto 10 dos factos assentes e consequente condenação em € 15.350,00; (ii) e a condenação solidária dos Réus, e em concreto da ora Recorrente, nos termos em que o Tribunal da Relação interpretou as cláusulas do contrato de seguro para assim concluir pela sua responsabilidade.

  8. O Tribunal da Relação decidiu condenar a ora Recorrente por entender que o seguro celebrado pelos proprietários deveria responder nos termos gerais da responsabilidade civil, uma vez que os Autores, na qualidade de inquilinos são terceiros ao contrato de seguro.

  9. No entender da Recorrente o Tribunal da Relação não fez a interpretação correcta da cláusula de Responsabilidade Civil do Proprietário ou Inquilino/Ocupante, pelos motivos que se passam a enunciar: 5. No entendimento da Recorrente, no n.º 1 da 1ª cláusula, os proprietários e os inquilinos são equiparados, sendo essa a razão para mencionar expressamente que fica garantida a responsabilidade extracontratual do proprietário ou do inquilino/ocupante.

  10. A redação da cláusula utiliza uma conjunção disjuntiva (ou), pelo que, importa analisar qual a consequência desta conjunção para determinar qual a interpretação que se deve dar à cláusula.

  11. As conjunções disjuntivas exprimem exclusão ou inclusão, e no entender da Recorrente o n.º 1 da cláusula 1ª pretende incluir o inquilino/ocupante na garantia da responsabilidade extracontratual. Se a conjunção disjuntiva fosse exclusiva a redação teria de ser diferente.

  12. O objectivo da cláusula é incluir o inquilino/ocupante na garantia, logo, a consequência é que o inquilino/ocupante não pode ser considerado terceiro para efeitos de seguro, conforme foi entendido pelo Tribunal da Relação.

  13. A cobertura essencial do contrato mencionado nos autos é a cobertura legal relativa ao risco de incêndio, sendo que tal significa que foi transferida para a ora Recorrente a responsabilidade por danos decorrentes de incêndio, danos esses sofridos pelo local do risco – ou seja, o imóvel.

  14. Sendo uma cobertura obrigatória, o que está previsto na lei é que o seguro de incêndio, cubra o risco de danos provocados no imóvel por incêndio, em edifícios em regime de propriedade horizontal. Este seguro deve cobrir cada fração autónoma e as partes comuns do edifício (telhado, escadas, elevadores, garagem, etc.).

  15. No caso em apreço, foi celebrado um contrato multirrisco habitação e o contrato de seguro em causa cobre danos ao imóvel decorrentes do incêndio sendo essa génese do contrato por ser também uma decorrência legal.

  16. A par de tal cobertura obrigatória, foram ainda contratadas outras coberturas facultativas, discriminadas nas condições particulares. Entre tais coberturas não se encontram os danos causados ao recheio, sendo que o objecto seguro é, apenas e só, o imóvel.

  17. Nos termos do contrato e de acordo com a redação da Cláusula de Responsabilidade Civil do Proprietário ou Inquilino/Ocupante, o imóvel não deixa de estar garantido só pelo facto de ter sido celebrado um contrato de arrendamento sobre o mesmo.

  18. Para efeitos do contrato de seguro o Inquilino/Ocupante é equiparado ao proprietário e tomador. Assim a cláusula visa proteger também o Inquilino/Ocupante.

  19. De igual modo, nos termos do n.º 2 da cláusula 1ª, o Inquilino/Ocupante é equiparado ao proprietário, na eventual responsabilidade por danos patrimoniais ou não patrimoniais, diretamente decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros.

  20. Se o objectivo desta cláusula fosse considerar o Inquilino/Ocupante como terceiro, conforme foi entendido pelo Tribunal da Relação, nunca poderia referir “bem como decorrentes da sua qualidade de inquilino ou ocupante do local de risco.” 17. O Tribunal da Relação andou mal, ao considerar que a cláusula de Responsabilidade Civil do Proprietário ou Inquilino/Ocupante teria aplicação ao caso em apreço, pois a mesma está pensada para danos causados exclusivamente a terceiros.

  21. Da matéria assente não resulta que no imóvel estariam bens que tenham ficado destruídos e que fossem da propriedade de um terceiro, caso em que a referida cláusula teria aplicação.

  22. No caso dos autos importa apreciar se as cláusulas em vigor no contrato de seguro aqui em causa garantem ou não os danos que os Autores reclamam e conforme já se viu anteriormente a cláusula que o Tribunal da Relação usou para condenar a ora Recorrente não tem aplicação ao caso em apreço.

  23. Face ao anteriormente exposto, a Recorrente requer que este douto tribunal altere a decisão do Acórdão da Relação e em consequência determine a absolvição da Recorrente, por se entender que o contrato de seguro em causa não responde perante os danos reclamados pelos Autores.

  24. Com respeito ao valor dos danos, o Tribunal da Relação decidiu alterar a resposta à matéria de facto e desta forma passou a constar como facto provado que: “Em consequência do incêndio os autores sofreram a perda dos objectos indicados na relação junta com a petição sob o n.º 7, cujo valor, embora não tenha sido concretamente apurado, não é inferior a dez mil euros (€ 10 000,00).” 22. O Tribunal da Relação admite como possível que os bens tenham ficado destruídos ou danificados.

  25. O Tribunal apresenta várias considerações, que na ótica da Recorrente se limitam a justificar a recusa do recurso dos Autores, mas ainda assim e sem enunciar qualquer critério dá como assente que os bens teriam um valor mínimo de € 10.000,00.

  26. Se forem analisados os depoimentos das testemunhas e da Autora sobre os valores que cada uma atribuiu aos bens, vamos encontrar valores diferentes para cada bem e ainda assim tudo somado não teríamos o valor de € 10.000,00.

  27. Assim, a Recorrente entende que o Tribunal andou mal ao decidir que os bens teriam um valor mínimo de € 10.000,00 sem que tenha explicado porque escolheu tal valor e quando do processo não existem mais elementos que permitam chegar a tal quantia.

  28. Acresce que o Tribunal da Relação após decidir neste sentido com respeito à matéria de facto, quando tomou posição sobre o valor da indemnização não respeitou a matéria de facto provada e não foi coerente com o que tinha mencionado anteriormente, senão vejamos: 27. O Tribunal da Relação começa por admitir que não há prova da diferente entre a situação patrimonial que existia antes do incêndio e depois do incêndio. Em seguida, reafirma que não é possível determinar a situação em que os Autores se encontravam antes do incêndio.

  29. No seguimento da apreciação sobre as modalidades de condenação, reitera que não existe prova sobre o valor dos bens e depois concluiu que com recurso à equidade os Autores devem ser ressarcidos em € 15.000,00.

  30. A Recorrente não concorda com esta conclusão, em primeiro lugar, toda a matéria de facto e fundamentação do Acórdão, vai no sentido que não foi produzida prova dos danos alegados pelos Autores e que os Autores não conseguiram demonstrar o que tinham alegado, tanto assim é que o recurso dos Autores foi julgado improcedente a este respeito.

  31. Ora, tais conclusões devem culminar com a aplicação do artigo 414.º do CPC e não com a atribuição de uma indemnização de forma arbitrária.

  32. Repare-se que o Tribunal começou por entender que os bens podiam ter ficado destruídos ou...

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