Acórdão nº 750/18.5T8VNF-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução06 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA deduziu oposição por embargos à execução que BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II lhe moveram para obterem o pagamento da quantia de 65.461,00 € e juros vincendos, com base na sentença homologatória da partilha efectuada no processo de inventário n.º 62/..., invocando aquela uma sentença posterior, proferida na acção de prestação de contas apensa que instaurou contra os exequentes, onde lhe foi reconhecido um crédito a seu favor, alegadamente extintivo do invocado débito, e erro sobre as circunstâncias que constituíram a base da celebração da transacão naquele inventário.

Os exequentes contestaram, pugnando pela improcedência dos embargos.

Após a realização de uma tentativa de conciliação que se frustrou, foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e, conhecendo do mérito, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar os embargos procedentes com a consequente extinção da execução.

Inconformados, apelaram os exequentes/embargados pugnando, no que ora interessa, pela existência do crédito exequendo.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 4/3/2021, julgando a apelação “parcialmente procedente”, revogou a sentença recorrida e julgou a oposição à execução improcedente determinando o prosseguimento da execução.

Não conformada, desta feita, a executada/embargante interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação que terminou com as seguintes conclusões: “A - sucessão que deu azo ao processo de Inventário que está na génese da Execução, foi aberta com a morte do pai dos que são partes no presente processo, verificada a 6 de Janeiro de 2005.

B - Por sua vez, a aqui Recorrente foi, através de douto Despacho de 8 de Julho de 2013, ou seja, mais de 8 anos depois sobre aquele evento, nomeada cabeça de casal nos autos de Inventário, removendo-se, então, do cabeçalato, o aqui também Recorrido, II.

C - Por esse facto, não corresponde à verdade o que se afirma a fls. 35 do douto aresto, onde se lê que: “[…] a ação da prestação de contas instaurada pela cabeça de casal ou pelos herdeiros do inventariado contra a última, destina-se a aprovar as contas da cabeça casal durante o período temporal em que exerceu o cargo de cabeça de casal, isto é, enquanto a herança permaneceu indivisa e em que, por conseguinte, estava incumbida de a administrar.”, D - Esta última ideia, muito embora corresponda à quase totalidade das situações que se verificam no domínio dos processos de Inventário, não se verificou no caso vertente em virtude do desfasamento temporal vindo de mencionar, daí resultando que a administração em apreço não se iniciou desde o momento em que a herança permaneceu indivisa.

E - Umbilicalmente, também ao contrário do que se escreveu a fls 36 e 37 do douto acórdão, não corresponde à realidade, o que ali se afirma, ou seja, que a opoente (agora Recorrente) terá alegado, em sede de Oposição à Execução, que na ação de prestação de contas relacionou como “receitas” as quantias em dinheiro [+] que existiam no património jurídico-patrimonial do de cujus à data do falecimento deste.

F – É que, por um lado, jamais a aqui Recorrente, nomeadamente em sede de Oposição à Execução, alegou que relacionara como “receitas” as quantias em dinheiro.

G - Aliás, essas quantias nunca poderiam ser perspectivadas como “receitas”, uma vez que não advieram (como crédito) ao património hereditário após a assunção do cabeçalato da Recorrente.

H – E, por outro lado, também não alegou, nem teria qualquer lógica que o fizesse, que essas quantias fossem as que existiam no património jurídico-patrimonial do de cujus à data do respectivo falecimento.

I - Aquelas quantias em dinheiro eram, isso sim, as que existiam no acervo hereditário no momento em que a aqui Recorrente iniciou a administração do património da herança aberta por morte do de cujus e não, repita-se, aquele que existia à época da abertura da sucessão.

J - Elas constituíam, assim, uma existência, um património, que a cabeça de casal recebeu em “herança” da precedente administração, o qual lhe foi confiado, ou transmitido, volvidos mais de 8 anos sobre essa abertura da sucessão.

K – Deste modo, aquelas duas conclusões constituem, inelutavelmente, erros de apreciação, de julgamento, da parte do Tribunal a quo.

L - No âmbito da Ação de Prestação de Contas concluiu-se, através de douta sentença transitada em julgado, como seja sob a epígrafe dos “factos provados” e no subsequente dispositivo, que no momento em que a cabeça de casal, ora Recorrente, assumiu as suas funções como cabeça de casal (8 de Julho de 2013) existiam “apenas” duas contas bancárias cujos valores pertenciam à herança a partilhar, com os valores, respectivamente, de 136.000,00€, e 1.145,22€ em "depósitos à ordem" (valores aferidos em 9 de Julho desse ano).

M - Por sua vez, ainda em sede de dispositivo, decidiu-se ali o seguinte: “Pelo exposto, nas contas apresentadas pela cabeça-de-casal, AA, por apenso aos autos de inventário; aprovadas que ficaram uma despesa de € 41.724,84 e uma receita de € 143.117,61, apura-se um saldo credor de 101.397,77, a dividir pelos interessados na proporção das suas meações.” N – Posto isso, tendo a cabeça de casal/Recorrente recebido de outrem um determinado património hereditário, correspondente ao único dinheiro nele existente, deveria era essa mesma “herança”, depois de apuradas as receitas e despesas que sobrevieram, que lhe caberia distribuir por todos os herdeiros.

O - Ou seja, seria esse dinheiro existente nas contas bancárias no momento em que assumiu o cabeçalato que competia à Recorrente administrar, sendo o resultado dessa administração, que teve por exclusivo cerne essas verbas, que, naturalmente, lhe competia entregar aos herdeiros no final da sua administração.

P – Por sua vez, a potencial possibilidade da ora Recorrente socorrer-se do recurso extraordinário de revisão, ou da anulação ou emenda à partilha (aludidos no douto acórdão recorrido como potenciais instrumentos - exclusivos - de concretizar alguma “correção” no âmbito do processo de Inventário), não seriam passíveis de sucesso no contexto concreto do processo de Inventário, tudo pelos motivos supra explanados nas alegações.

Q – Também por isso, a única forma prefigurada pela aqui Recorrente no sentido de fazer prevalecer a verdade material e, dessa forma, obter a sempre expectável Justiça, veio a ser agilizada no contexto da Oposição à Execução, tendo-se então por principal alvo a concreta possibilidade oferecida pela alínea g), do artigo 779º, do CPC.

R – Ora, essa possibilidade propiciada pela “janela” normativa decorrente daquela alínea g), a vingar a tese do douto acórdão recorrido, não representaria mais do que uma mera ilusão, uma inutilidade jurídica, na hipótese de inexistirem situações concretas susceptíveis de preencher a verificação dos requisitos ali elencados.

S – Na verdade, apenas se perspectiva a hipótese de tal alínea dar “ganho de causa” numa situação, verdadeiramente académica, como fosse a de existir um documento subscrito pelos Exequentes dando quitação dos valores que lhes fossem atribuídos em função das operações de partilha.

T - É que mesmo a eventual existência de uma qualquer Compensação (art. 847º do CC), segundo o que se aprende pela leitura da nossa jurisprudência a propósito de tal possibilidade, ficaria a aqui excluída do beneplácito daquela alínea.

U - Por isso, a douta sentença proferida na acção de Prestação de Contas é, objectivamente, aquele documento, que constitui, simultaneamente, um facto (jurídico), que extingue a obrigação de entrega dos montantes resultantes da partilha, em virtude de demonstrar que quanto ao dinheiro que existia para partilhar e que a cabeça de casal “herdou” e administrou volvidos mais de 8 anos sobre a abertura da sucessão, foi ele, tempestivamente, distribuído entre os herdeiros.

V – Por outro lado, a ter-se por boa a interpretação veiculada pelo douto aresto recorrido, da qual resulta que a douta sentença proferida na acção de prestação de contas não terá acolhimento no contexto da alínea g), do art. 729º do CPC), para além traduzir uma violação directa do que ali se estatui, ainda faculta a que se “escancare a porta” a uma duplicação da iniquidade que a Recorrente se vem esfalfando, processualmente, para tentar evitar.

W – Isto porque, partindo-se da interpretação contida no douto acórdão de que aquele dinheiro constituiria um “crédito” no âmbito da prestação de contas, franqueia-se, tal como, aliás, ali se sublinha, uma significativa majoração do prejuízo que se tem procurado evitar.

X – Na verdade, aquilo a que o douto acórdão mais uma vez apelida de “receita”, estará, consequentemente, tal como ali se explica, sujeita a ser agora distribuída pelos herdeiros em virtude de constituir, em teoria, um crédito destes.

Y – No entanto, essa “receita”, vem antes a ser o dinheiro da herança que existia aquando do término da administração do cabeçalato por parte da aqui Recorrente, dinheiro esse que, inquestionavelmente, foi já distribuído por todos os herdeiros.

Z - Deste modo, objectiva-se que o douto acórdão recorrido, ao veicular tal entendimento, amplifica uma clara ofensa do que sejam o Direito e a Justiça, mormente os princípios que os deverão nortear em termos de bons costumes, da moral social, excedendo, assim, de forma manifesta, os...

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