Acórdão nº 0449/20.2BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1.

RTP – RÁDIO E TELEVISÃO PORTUGUESA, S.A., com sede na Avenida Marechal Gomes da Costa, n.º 37, 1849-030 Lisboa, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, contra o MUNICÍPIO de FARO, ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs. 113.º, nºs. 5 e 6 e 112.º, n.º 7, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e artºs. 104.º e segs. do CPTA, intimação judicial para a emissão de certidão de destaque, pedindo que se intime o requerido a, no prazo de 10 dias, passar essa certidão.

Foi proferida sentença, onde depois de se considerar verificado um erro na distribuição – dado “estar em causa uma acção de intimação nos termos do RJUE e não uma intimação para a passagem de certidões” –, determinando-se a respectiva correcção, julgou-se procedente a intimação, ordenando-se que, no prazo de 10 dias, fosse emitida a requerida certidão.

A entidade requerida interpôs recurso desta decisão para o TCA Sul, o qual, por acórdão de 18 de Março de 2021, concedeu-lhe parcial provimento, tendo revogado a sentença recorrida e intimado o recorrente a emitir a certidão de destaque requerida, se a tal nenhuma causa de nulidade do ato de deferimento tácito obstasse.

Deste acórdão, o Município de Faro interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: ” I - QUESTÃO PRÉVIA: ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA 1.

Dispõe-se no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA que “[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  1. No caso em apreço estão manifestamente preenchidos estes dois pressupostos de admissibilidade.

  2. Quanto ao PRIMEIRO PRESSUPOSTO, a extrema complexidade da questão deriva, desde logo, da existência de uma lacuna no RJUE – como o próprio acórdão recorrido reconhece – quanto à forma do processo de intimação para a emissão de uma certidão de destaque, que se tem revelado uma questão jurídica muito discutida pela doutrina e pela jurisprudência, sem que ainda se tenha conseguido alcançar uma solução jurídica e uma corrente doutrinária unanimemente aceite.

  3. Prova disso mesmo é o acervo doutrinário e jurisprudencial tão diverso quanto contraditório que pulula sobre esta matéria, a ponto de se verificar que nem mesmo no acórdão recorrido o coletivo de juízes alcançou entendimento unânime sobre esta matéria! 5.

    Verificando-se que, por um lado, dois dos membros do coletivo de juízes desembargadores entenderam que a intimação para a passagem de certidões seria o meio processual adequado para a emissão da certidão de destaque requerida pela Recorrida, e, por outro, no voto de vencido lavrado por uma terceira mm.ª juiz desembargadora, defendeu esta que tal meio processual jamais seria admissível e que o meio processual adequado só poderia ser, no caso concreto, a ação administrativa prevista nos artigos 37.º, n.º 1, al. j) do CPTA.

  4. Como se não bastasse, a discussão em torno da presente questão jurídica resulta, como se viu, da existência de uma lacuna no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, nomeadamente nos artigos 112.º e 113.º deste diploma, relativamente ao meio processual adequado para a emissão de certidão de destaque de parcela.

  5. Além disso - para complexificar ainda mais a questão jurídica em apreço -, o acórdão recorrido ainda levanta uma terceira sub-hipótese relativa ao meio processual aplicável a emissão de uma certidão de destaque de parcela, porquanto, veja-se que o Acórdão recorrido até corrobora até a tese do Recorrente de que o meio processual de intimação para a passagem de certidão não será, em tese, o meio processual adequado para um pedido de emissão de destaque, 8.

    Dizendo este Tribunal a quo que “o processo de intimação para a passagem de certidão não é o meio adequado perante o indeferimento de um pedido de certidão de destaque de parcela, porque se trata da prática de um ato administrativo de natureza verificativa e não da passagem de uma mera certidão” e ainda que “perante o indeferimento de um pedido de certidão de destaque, o pedido judicial adequado a formular seria o de condenação à prática do ato devido”. (negrito e sublinhado nossos) 9.

    Não obstante, o acórdão recorrido não declarou a verificação de exceção dilatória de impropriedade do meio processual porque, “no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de um deferimento tácito.”.

  6. Neste sentido, é evidente que a discussão adensa-se ainda mais, porque já não se trata só se saber se o meio processual de intimação para a passagem de certidão será adequado aos pedidos de emissão de certidão de destaque de parcela, mas trata-se também de saber se esse meio processual já será excecionalmente (!) adequado quando, como entendeu o acórdão recorrido, a emissão de certidão de destaque tenha subjacente a existência de deferimento tácito dessa pretensão.

  7. Urge, pois, definir e uniformizar a solução para a presente discussão jurídica, sobretudo tendo em conta que a resposta à presente questão jurídica se prende também necessariamente com o segundo pressuposto de admissibilidade do presente recurso de revista, ou seja, a necessidade de uma melhor aplicação do direito nesta matéria.

  8. O presente recurso de revista tem também subjacente a necessidade de uma melhor aplicação do direito nesta matéria porquanto a questão de saber se o meio processual de intimação à passagem de certidão é ou não legalmente adequado para a condenação da Administração Pública à emissão de certidão de destaque de uma parcela não tem efeitos só do ponto de vista formal, mas também do ponto de vista substantivo do ato administrativo da certidão de destaque, 13.

    Pois importa perceber como é que, com recurso à aplicação analógica de um processo de intimação para a passagem de certidão, poderá ser praticado pela Administração Pública um ato administrativo de natureza verificativa como o é o ato administrativo de emissão de certidão de destaque.

  9. Com efeito, ao concluir-se, como o acórdão recorrido concluiu, que o processo de intimação para a passagem de certidão poderá ser adequado para a emissão desta certidão de destaque de parcela, o Tribunal a quo está, na verdade, a reduzir a emissão desta certidão de destaque (originariamente um ato administrativo verificativo do ponto de vista da sua legalidade) a uma mera passagem de certidão em que, por si só, se assume que tal ato administrativo não se encontra ferido de qualquer vício invalidante, mas sem que, efetivamente, essa apreciação jurídica da legalidade do ato tenha sido realizada.

  10. A segurança jurídica do ordenamento jurídico-administrativo impõe, portanto, esta questão jurídica seja objeto de apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça e, desse modo, passe a ser alvo de tratamento unívoco não só por parte da Administração Pública mas também por parte da jurisprudência dos tribunais administrativos, sem o que se continuará a assistir à defesa de posições díspares e conflituantes que em nada contribuem para a rápida e pacífica resolução destes tipo de litígios entre os particulares e a Administração.

  11. Termos em que, salvo o devido respeito por posição contrária de V. Exas, entende o Recorrente que a complexidade e relevância jurídica e social da questão jurídica sob apreciação no presente recurso de revista é inegável e incontornável, impondo-se manifestamente a prolação de acórdão por parte deste Supremo Tribunal que, revogando o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nesta matéria, proceda a uma melhor aplicação do direito nesta matéria, 17.

    Só assim sendo possível pôr termo à divergência de decisões jurídicas que têm vindo a ser defendidas e proclamadas nesta matéria, sob pena de se criar uma circunstância de manifesta incerteza jurídica no que diz respeito ao preenchimento da presente lacuna.

    II - DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À VERIFICAÇÃO DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL ADOPTADO PELA RECORRIDA 18.

    Declarou o douto Tribunal Central Administrativo Sul que, ao adotar a forma de processo de intimação para a emissão de certidão de destaque para obrigar o Recorrente à emissão da certidão de destaque em apreço, a Recorrida seguiu “a forma e tramitação processual correta.

    ”.

  12. Não obstante, é este mesmo Tribunal que, no mesmo acórdão, também declara que “o processo de intimação para a passagem de certidão não é o meio adequado perante o indeferimento de um pedido de certidão de destaque de parcela, porque se trata da prática de um ato administrativo de natureza verificativa e não da passagem de uma mera certidão”, (negrito e sublinhado nosso) 20.

    Tendo julgado improcedente a exceção dilatória de impropriedade do processual que foi invocada pelo Recorrente com o exclusivo argumento de que, “no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de deferimento tácito.”.

  13. Assim, é manifesto que, na essência do seu raciocínio jurídico, o Tribunal a quo perfilha o entendimento jurídico defendido pelo Recorrente, lavrando apenas em erro no que diz respeito à exceção por si admitida para as situações em que existe deferimento tácito do ato administrativo.

  14. Sucede que o fundamento da inadmissibilidade deste meio processual não perde sentido pelo simples facto de se estar perante um deferimento tácito do ato administrativo, conforme seguidamente se demonstrará.

  15. De resto, a decisão plasmada no acórdão recorrido não mereceu acolhimento por parte de todos os membros do coletivo de juízes, a ponto de um dos membros do coletivo de Juízes, a Mm.ª Juiz Desembargadora Ana Cristina Lameira, ter votado de vencido no sentido da impropriedade de tal meio processual...

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