Acórdão nº 01549/05.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

Município de Lisboa (ML), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 28.05.2020, que concedeu provimento ao recurso interposto pela A…………, SA (A…………, SA) [sociedade incorporante da B…………, SA] da sentença proferida pelo TAC de Lisboa. Sentença que julgou improcedente a acção administrativa comum contra si deduzida pela A…………, SA, condenando esta última a pagar-lhe a “quantia de 61.834,42 € (sessenta e um mil, oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento”.

  1. Inconformado, o Município de Lisboa recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo nos seguintes termos (cfr. alegações de fls. 1064 a 1082 – paginação SITAF): “1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 1549/05.4BELSB, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Recorrente B…………, SA e, procedeu à revogação da sentença recorrida, condenando o Recorrido a pagar à Recorrente, a quantia de 61.834,42€ (sessenta e um mil, oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento.

  2. O Recorrente entende que no presente recurso está em causa uma questão jurídica complexa, que tem dividido a doutrina e a jurisprudência, justificando-se a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.

  3. Com efeito, no caso dos autos está em causa a problemática em torno da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, sendo que a discussão em torno de se saber se qualquer desconformidade do acto administrativo à lei e ao direito equivalia ao preenchimento do pressuposto ilicitude, àquela data, era já ganha por uma maioria evidente na doutrina e também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, considerando o disposto nos artigos 2º e 6º daquele diploma legal, defendia que a violação de preceitos jurídicos não era, por si só, fundamento bastante para responsabilizar a Administração, exigindo a ofensa de direitos subjectivos ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses materiais do lesado.

  4. No caso dos autos está em causa um acto consubstanciado numa ordem de despejo que foi revogada pela Administração na pendência de uma ação de impugnação interposta pela Autora e ora recorrida, por vício de forma, que terminou por decisão de inutilidade superveniente da lide.

  5. A problemática à volta do caso e que suscita divisões na jurisprudência e na doutrina, prende-se com a questão de saber se este acto é um acto ilícito para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, bem como, se o dano, neste quadro é indemnizável por atingir um direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva.

  6. Por outro lado, estamos perante duas decisões judiciais totalmente contraditórias: A sentença proferida pelo TACL julgou a ação improcedente e, em consequência absolveu o Réu dos pedidos, pois considerou não estarem verificados os pressupostos geradores da responsabilidade civil extracontratual do Estado; 7. O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul julgou verificados todos os pressupostos legais da responsabilidade extracontratual e revogou a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, condenou o Réu Município de Lisboa a pagar à Autora a quantia de 61.834,42 Euros, acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

  7. Face aos motivos supra, o Recorrente entende que o presente recurso de revista encontra-se justificado, devendo por isso, ser admitido nos termos e para os efeitos do artigo 150º do CPTA.

  8. O acórdão recorrido deu como verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do Estado e demais pessoas colectivas públicas, e, consequentemente, condenou o R. ao pagamento à A. da supra referida indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais decorrentes do acto que determinou o despejo do Teatro ………….

  9. Para fundamentar a sua total discordância com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sustenta o Acórdão a quo que “ (…) Ao caso em apreço, atendendo à data da prática dos factos, aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei nº 48.051, de 21.11.1967, que regia a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, sendo que a discussão em torno de se saber se qualquer desconformidade do acto administrativo à lei e ao direito equivalia ao preenchimento do pressuposto ilicitude, àquela data, era já ganha por uma maioria evidente na doutrina e também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, considerando o disposto nos artigos 2º e 6º daquele diploma legal, defendia que a violação de preceitos jurídicos não era, por si só, fundamento bastante para responsabilizar a Administração, exigindo a ofensa de direitos subjectivos ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses materiais do lesado.

  10. Porém, não basta seguirmos uma linha de subjectivação da ilicitude para resolve a nossa questão, é necessário ainda olhar para o tipo de vício ou norma violada pelo acto impugnado, ilegal, para poder concluir definitivamente, se o mesmo é ilícito.

  11. De facto, aos que, na doutrina (A) defendem que a violação de normas instrumentais/formais (por oposição a normas substantivas/materiais) não constitui, em caso algum, acto ilícito, por não visarem aquelas a proteção de interesses materiais dos particulares, cuja esfera jurídica sempre poderia ter sido afectada por acto (expurgado do vício externo) com conteúdo decisório idêntico, (B) opõem-se os que não afastam do conceito de ilicitude a violação de normas de índole instrumental, por considerarem inserir-se no escopo ou fim de proteção destas (também) interesses subjectivos dos destinatários do acto administrativo anulado com fundamento na sua infração.

  12. Porém, o Tribunal Constitucional, através do seu acórdão nº 154/2007 – P. 65/02-, teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, tendo afirmado, numa situação em que estava em causa um acto anulado por falta de fundamentação sem que se tivesse verificado a respectiva renovação, como ocorreu no caso em apreço, que “ (…) não é compatível com o artigo 22º da Constituição uma interpretação do artigo 2º do Decreto – Lei nº 48.051 que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um acto administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo acto, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do acto, tendo cautelosamente acrescentado que “ (…) isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil”.

  13. Concluindo assim o Acórdão Recorrido: “ (…) no caso em apreço, temos um acto praticado com preterição da audiência prévia da Recorrente, conforme resulta do fundamento invocado pelo Recorrido para a sua revogação (facto nº 6), sendo que o direito de audiência prévia consubstancia uma manifestação impar dos princípios da participação e do contraditório/defesa dos administrados (…).

  14. Este entendimento enferma de erro de julgamento, por errada aplicação do direito, bem como, de uma distorcida subsunção dos factos ao direito, porquanto: 16. A sentença revogada pelo acórdão objecto do presente recurso, não se limitou a concluir pela não verificação da ilicitude, pelo facto de o acto ter sido revogado “tout court”.

  15. Com efeito, prossegue a sentença proferida pelo TACL, referindo assim: “Mas ainda que se entenda em sentido contrário, dir-se-á que outros pressupostos legais aqui também não se verificam, tais como os danos alegados – e até provados (…)”.

  16. Ou seja, a decisão judicial revogada em nada contraria o invocado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 154/2007, que, “julgou inconstitucional, por violação do princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, consagrado no artigo 22º da Constituição, a norma constante do artigo 2º, nº 1, do Decreto – Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, interpretada no sentido de que um acto administrativo anulado por falta de fundamentação é insusceptível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um acto ilícito, para efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito (…) sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil.”- A sentença prossegue a apreciação dos pressupostos geradores de responsabilidade civil extracontratual do Estado, concedendo na verificação da ilicitude do acto.

  17. Por esse motivo, o Acórdão Recorrido errou ao revogar a sentença, no pressuposto de que esta julgou, sem mais considerações, não existir acto ilícito.

  18. Mais errou o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul ao julgar o acto de despejo ilícito, por vício de forma, para efeitos indemnizatórios.

  19. Ao perfilhar tal entendimento, este acórdão afasta-se totalmente da tese defendida pela doutrina e jurisprudência de que, um vício de forma não constituirá ilicitude para efeitos de responsabilidade civil da Administração.

  20. Tanto mais que, no caso dos autos, o acto foi revogado pelo ora recorrente no decurso do processo judicial nº 37/05.3BELSB, acto revogatório este que não foi impugnado pela autora.

  21. E quanto à não renovação do acto pela Administração, entendeu o Tribunal Central Administrativo...

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