Acórdão nº 42/20.0JAGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Relatório 1.1 No Processo Comum Colectivo n.º 42/20…, da Comarca ..., foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de um crime de homicídio tentado dos arts. 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 23.º e 73.º, als. a) e b), do CP, com a agravação do art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, na pena de nove anos de prisão; um crime de furto do art.º 204.º, n.º 1, al. d) do CP na pena de três anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de onze anos de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “I. No crime de furto deu o Tribunal como provado que, Facto 5.º- arrancou-lhe a mochila que aquele trazia e que continha no seu interior: dois cartões de débito do …, dois carregadores de telemóvel (um de …), uma powerbank de cor castanha, rebuçados, pão indiano, água e um sumo (…) II. Não foi atribuído um valor aos bens furtados, nem na Acusação nem no douto Acórdão recorrido, III. mas diz-nos a experiência comum serem, no seu conjunto, de reduzido valor.

IV. E assim, face à ausência de elementos valorativos há-de concluir-se serem bens de valor não concretamente apurado.

V. Ora sendo bens de “valor não concretamente apurado” não podemos tirar daí a conclusão de que fossem bens de valor elevado meramente para atingir os propósitos da unidade de conta.

VI. Nos termos do artigo 204.º, nº 4 do Código Penal: “Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.” VII. Valor diminuto - é aquele que que não exceder uma unidade de conta no momento da prática do facto nos termos do disposto no art.º 202.º, alínea c) do C.P. ; ora a unidade de conta para 2020 é de 102 euros.

VIII. Desta forma temos que o crime deve ser desqualificado e punido o arguido com a pena prevista para o furto simples. Como bem refere a este respeito, entre muitos outros, o Ac. da Relação de Coimbra de 02.04.2014: IX. Sendo os bens furtados de valor diminuto, devia o arguido ter sido condenado pelo crime de furto simples, p. e p.º pelo art.º 203.º do Código Penal: 1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

X. O que, sem dúvida reduzirá a pena parcelar e como tal a medida da pena do cúmulo jurídico, o que desde já se requer.

XI. Da prova produzida em audiência verificou-se que o arguido voluntária e espontaneamente não deu seguimento à execução do crime de homicídio, uma vez que omitiu a prática de mais atos de execução.

XII. Como bem resulta da leitura do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Ac. STJ de 26-3-1998, tirado no Proc. n.º 1511/97- : (…) Assim, a desistência é relevante, quando o arguido, ainda que não se saibam os verdadeiros motivos subjetivos, retrocede no seu plano criminoso, podendo livremente optar por prosseguir na sua execução em vez de retroceder.

XIII. Nos termos do artigo 24.º, nº 1 do Código Penal: A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime (…).

Ora, decorre dos factos dados como provados que assim se verificou, pois que se deu como provado que o arguido, munido de arma, deixou o ofendido ausentou-se do local.

XIV. Ora, ainda que considerando que existe dolo direto sempre temos que perante este circunstancialismo existe uma desistência voluntária da tentativa! XV. Os crimes de furto e homicídio tentado de que o arguido vem condenado têm autonomia jurídica e merecem penas parcelares próprias; na sua avaliação conjunta descortina-se uma “unidade” de ação que se deve refletir numa menor censura quanto à pena única.

XVI. Resulta do Relatório Social junto aos autos: que o arguido sofrerá de doença do foro psiquiátrico e de adições, necessitando de toma de medicação adequada e de vigilância da mesma toma.

XVII. Não se afigura justo punir o arguido com 11 anos de prisão; punição muito grave, próxima daquela que em muitos casos é aplicada em homicídios simples, efetivamente concretizados! XVIII. As exigências de prevenção geral e especial de ressocialização, bem com a necessidade de proteção dos bens jurídicos violados, não implicam no caso sub judice, que ao mesmo deva ser aplicada uma pena de prisão efetiva; XIX. Realiza de forma mais adequada e suficiente as finalidades da punição a condenação do arguido como inimputável sujeito a medida de internamento em instituição adequada ao seu tratamento.

XX. O acórdão do douto Tribunal a quo violou assim, entre outras, as disposições previstas nos artigos: 410.º, nº 2 a) c) , 374.º, 375.º e 171º todos do C.P.P. ; 32. nº 1 ambos C.R.P.; e 14.º, nº 3, 22.º nº 2 b) , 22 nº. 1, 23.º, nº.2, 24.º, 1; 132.º, nº. 1, 204.º nº. 4 , 40.º nº 1, 2 e 3, 71.º n.º, alínea f),72.º, n.º 1, 77.º, n.º 4 e 91.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal.

NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao Recurso interposto, nos termos exarados, revogando-se o Douto Acórdão recorrido, substituindo-o por um que julgue não provado que o arguido tenha cometido um crime de homicídio qualificado na forma tentada, antes simples, na forma tentada, e não provado igualmente o cometimento de um crime de furto qualificado, antes na sua forma simples, com as legais consequências, e declarando a sujeição do arguido a uma Medida de Segurança com sujeição a tratamento da sua doença psiquiátrica em substituição da pena de 11 anos de prisão a que foi condenado. Sem prescindir, antes por mera cautela de patrocínio, Entendendo-se que é de manter a pena de prisão efetiva, então deve a mesma ser reduzida na medida da redução das respetivas penas parcelares, também elas respetivamente reduzidas de harmonia com os termos supra expostos.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1. A qualificação jurídica do crime de furto qualificado é ajustada aos factos provados, inexistindo assim qualquer erro na apreciação da prova, ou insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  1. No que respeita ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, da prova produzida resulta inequívoco que há dolo e também que há actos de execução, tendo em conta desde logo a concreta actuação levada a cabo pelo arguido – disparo com arma de fogo – e a zona do corpo da vítima atingida por tal disparo.

  2. Desta actuação, nos termos em que foi dada como provada, temos que o arguido praticou actos de execução (do crime que decidiu cometer), actos ainda enquadráveis na al. b), mas no mínimo, ou muito seguramente, actos da categoria prevista na al. c), do nº 2, do art. 22º, do CP. Pois o arguido, através do comportamento executado, pôs realmente em marcha um processo causal para levar ao resultado morte.

  3. E, a circunstância de o arguido, após ter atingido o ofendido com o disparo efectuado com arma de fogo, e já com aquele caído no chão, ter abandonado o local, colocando-se em fuga, tal não configura qualquer desistência, como defende o recorrente, inviabilizando qualquer ponderação de aplicação do art. 24º do Código Penal.

  4. Diferentemente, do contexto global dos factos provados resulta apodítico que o arguido não pôde deixar de admitir, teve de admitir, a possibilidade de o ofendido morrer na sequência da actuação que desenvolveu sobre o mesmo, sendo que tal conformação com o resultado morte é quanto basta para se configurar como punível a tentativa.

  5. Nos termos do art. 91º, do Código Penal “Quando um facto descrito num tipo legal de crime for praticado por indivíduo inimputável nos termos do art. 20º, será este mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança sempre que, por virtude de anomalia psíquica e da natureza e gravidade do facto praticado houver fundado receio que venha a cometer outros factos típicos graves” .

  6. Ora, face à conclusão vertida no relatório pericial junto aos autos, não tendo o recorrente sido considerado inimputável não poderia o tribunal a quo sujeitá-lo a uma medida de segurança.

  7. a pena única de 11 (onze) anos de prisão imposta ao arguido não excede a culpa e satisfaz suficientemente as exigências preventivas, afigurando-se-nos, assim, justa e adequada.

  8. Por tudo o exposto entendemos não assistir qualquer razão ao recorrente nas questões que formula devendo ser o recurso julgado improcedente, mantendo-se o douto acórdão proferido.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: “O arguido AA, mediante acórdão proferido em 27 de Outubro de 2020, no Juízo Central Criminal-J…- de ..., vem condenado, como melhor se colhe da sua leitura, pela prática em autoria material e em concurso real: • De um crime de homicídio simples, agravado por uso de arma de fogo, na forma tentada, na pena de nove anos de prisão; • De um crime de furto qualificado, na forma consumada, na pena de três anos de prisão; • Na pena única de onze anos de prisão.

  9. O arguido recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra. Neste, por decisão sumária de 7 de Abril de 2021, considerou-se que o recorrente apenas visava o reexame de matéria de direito, pelo que visto o disposto no art.º 432º, n º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e em conformidade com o Ac. de fixação de jurisprudência de 14 de Março de 2007, in DR IS-A, de 4/6/ 2007, considerou que a apreciação do recurso cabia ao Supremo Tribunal de Justiça.

    2.1. Vista a motivação de recurso, verifica-se que no seu corpo se referem dois erros-vícios: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, com assento legal, no art.º 410º, n º 2, alíneas a) e c), respectivamente.

    O objecto do recurso é definido pelas conclusões, sem prejuízo dos poderes de cognição ex officio da instância de recurso, nos quais cabem «os vícios indicados no artigo 410º, n º 2, do Código de Processo Penal, vide Ac. n º 7/95, in DR I SA, de 28-12 1995.

    Verdade se diga, que apenas o vício referido na alínea c) do...

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