Acórdão nº 545/21 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 545/2021

Processo n.º 356/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Fernando Vaz Ventura

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Primeiro-Ministro requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea c) da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral:

a) Da norma do artigo 3.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, que aditou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, na parte em que modifica os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março e, ainda, por conexão instrumental, da norma do artigo 2.º da Lei n.º 16/2021, na parte em que adita a alínea b) ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, com fundamento em violação do disposto no artigo 169.º, n.º 1 e no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição;

b) Da norma do artigo 2.º da Lei n.º 16/2021, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, com fundamento em violação do disposto no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição;

c) Da norma do artigo 2.º da Lei n.º 15/2021, de 7 de abril, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 3.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 6-E/2021, de 15 de janeiro, com fundamento em violação do disposto nos artigos 13.º e 167.º, n.º 2, da Constituição.

O Primeiro-Ministro requereu ainda, a título subsidiário, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, das mesmas normas, com fundamento em «violação da Lei do Orçamento do Estado, na qualidade de lei com valor reforçado», invocando a conjugação entre os artigos 112.º, n.º 3 e 281.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

2. Juntou três documentos: «Relatório sobre o impacto orçamental das alterações aprovadas na Assembleia da República aos apoios sociais», emitido pelos Ministérios das Finanças e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sem data (documento n.º 1), «Dados do Sistema de Informação da Segurança Social», emitido pelo Instituto de Informática I.P., sem data (documento n.º 2) e «Nota – Conceito de rendimento médio anual mensualizado – Artigo 3.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 6-E/2021, de 7 de abril», emitido em 8 de abril de 2021 pela Direção Geral da Segurança Social (documento n.º 3).

3. O pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição parcial, sem destaques e notas de rodapé):

«1.1. Da violação do art.º 169.º, n.º 1, da CRP

11.º A norma impugnada, no que tange à nova redação que, por via do novo art.º 4.º-C do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, confere aos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, resulta ser inconstitucional por violação do prazo fixado no art.º 169.º, n.º 1, da CRP para a admissibilidade de propostas de apreciação parlamentar de decretos-leis, nos termos do qual:

"Os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo, podem ser submetidos a apreciação da Assembleia da República, para efeitos de cessação de vigência ou de alteração, a requerimento de dez Deputados, nos trinta dias subsequentes a publicação, descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República."

Sucede que,

12.º Pese embora o facto de, no plano puramente imediato e instrumental, a alteração legislativa operada por apreciação parlamentar através do art.º 3.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril recair sobre o Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, na observância do prazo do art.º 169.º, n.º 1, da CRP, é incontornável que, no termo deste recurso legislativo indireto ou interpolado, acabou por ser o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o ato legislativo que, nos seus artigos 23.º e 24.º, foi objeto principal de uma alteração substancial e constitutiva, sendo certo que:

a) O mesmo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, pela circunstância de ter sido publicado no dia 13 de março de 2020, já não poderia ser submetido a apreciação parlamentar, por ter há muito ter transcorrido o prazo de 30 dias estipulado para o efeito no art.º 169.º, n.º 1, da CRP;

b) O Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, que é objeto imediato da apreciação parlamentar, constitui um mero trampolim ou instrumento intercalar da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, para que esta viesse a aditar-lhe, “tempestivamente”, à luz do art.º 169.º, n.º 1, da CRP, o art.º 4.º-C, destinado a modificar dois preceitos de outro decreto-lei, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o qual pelas razões expostas na alínea precedente já não podia diretamente ser sujeito a essa apreciação.

13.º Não se diga, deste modo, que o referido prazo constitucional do art.º 169.º, n.º 1, foi observado, pelo facto de, entre a data de publicação do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, objeto imediato da referida apreciação parlamentar, ocorrida no dia 22 de janeiro, e a data de entrada do requerimento originário de apreciação parlamentar desse decreto-lei, que teve lugar no dia 2 de fevereiro, terem transcorrido apenas 11 dias, já que:

a) O Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, ao qual foi aditado o art.º 4.º-C pelo art.º 3.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, aprovada mediante o instituto de apreciação parlamentar, não estabeleceu a se nenhuma disciplina própria, mas antes operou como expediente formal ou manipulatório para a alteração reflexa de normas de outro decreto-lei que regulava uma matéria distinta e que já não podia ser objeto de apreciação parlamentar por transcurso do prazo revisto para o efeito;

b) A ser juridicamente admissível o referido aditamento, ficaria aberto o caminho para, no futuro, se passar a defraudar repetidamente o prazo-limite para a apreciação parlamentar constante do art.º 169.º, n.º 1, da CRP;

c) Para tanto, bastaria que esse prazo fosse acatado aquando da apresentação de uma proposta de apreciação parlamentar de um qualquer decreto-lei, de modo a introduzir, neste último, aditamentos destinados a modificar sorrateiramente outros decretos-leis que, nos termos do mesmo preceito constitucional, já não fossem suscetíveis de emendas por via da mesma apreciação parlamentar, defraudando-se toda a teleologia deste instituto e respetivos limites.

14.º Assim:

a) A norma do art.º 3.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, é inconstitucional, por violação do prazo do art.º 169.º, n.º 1, da CRP, no respeitante as normas dos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que foram efetiva e substancialmente objeto principal da alteração realizada já depois do transcurso do prazo constitucional previsto para o efeito e por desvio evidente ao fim que subjaz aos limites do instituto de apreciação parlamentar; e

b) Por mera conexão instrumental, a norma do artigo 2.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, é inconstitucional, na parte em que confere uma nova redação à alínea b) do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, a qual se reporta ou menciona a alteração inconstitucional feita ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, nos termos referidos na alínea anterior do presente número do Requerimento.

1.2. A questão da desconformidade com o art.º 167.º, n.º 2, da CRP

15. A mesma disposição normativa, por força da redação que conferiu as normas dos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 24.º no Decreto-Lei n.º- 10-A/2020, de 13 de março, implica uma majoração do valor do apoio excecional a família para trabalhadores independentes, a qual importa uma despesa pública adicional não inscrita no Orçamento do Estado, estimada em um milhão e quatrocentos mil euros mensais, tendo em conta os trabalhadores abrangidos e os montantes mensais processados multiplicados por três – por passar de 1/3 para 100% –, de acordo com os dados constantes da base de dados da Segurança Social, disponibilizados pelo Instituto de Informática, I. P., e também refletidos nos documentos anexos que se juntam como Documento 1 e Documento 2 para os devidos e legais efeitos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos:

a) Ao invés de o apoio pago pela segurança social ser de 1/3, passará a ser de 100 % da base de incidência contributiva, sendo ainda ampliado o valor máximo elevado de 2,5 IAS para 3 IAS;

b) Esta alteração implica, por conseguinte, um claro desequilíbrio em face da solução estabilizada para os trabalhadores por conta de outrem, uma vez que, em regra, nesses casos, a segurança social suporta 1/3 da remuneração, e para os trabalhadores independentes passa a suportar a totalidade da remuneração;

c) Em suma, o alargamento à totalidade da base da incidência contributiva fará quase triplicar a despesa prevista e orçamentada.

16.º O regime consignado neste artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, insere-se no conjunto de medidas excecionais e temporárias criadas pelo Governo no âmbito do combate a pandemia da doença Covid-19, em resultado da evolução do contexto pandémico que se iniciou em março de 2020.

17.º Tal regime visa prever um mecanismo social que permita continuar a dar resposta célere e eficaz aos constrangimentos e dificuldades sociais e económicas que decorram das medidas adotadas no âmbito da pandemia, cuja evolução, apesar de aparentemente mais controlada, permanece desconhecida, sendo este apoio aplicável e pago sempre que verificados os respetivos pressupostos, como sucede atualmente e não pode excluir-se que volte a suceder em diferentes momentos ao longo do presente ano, à semelhança do que aconteceu na primavera de 2020 e novamente no começo de 2021.

18.º Face ao exposto, tal como se observará infra na Parte III do presente Requerimento, resultando a apreciação parlamentar em análise de uma iniciativa oriunda de deputados que se traduziu numa alteração realizada a dois decretos-leis, dela...

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