Acórdão nº 504/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 504/2021

Processo n.º 300/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 27 de janeiro de 2021, que: (i) recusou a aplicação «da norma contida no artigo 3.º, n.º 1 do regime do FGS quando estabelece como critério de fixação do limite de garantia (plafond legal) a retribuição do trabalhador», por determinar «um nível de proteção quantitativamente inferior aos trabalhadores com salário menor», em violação do «princípio da igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP)»; e (ii) em consequência dessa recusa, anulou o despacho impugnado pelo ora recorrido, condenando o Fundo de Garantia Salarial (doravante «FGS») no pagamento, para além do montante já deferido, do valor ilíquido de € 1.800,00.

2. O ora recorrido, cuja entidade empregadora foi declarada insolvente em 27.12.2019, apresentou junto do FGS requerimento destinado a obter o pagamento dos respetivos créditos laborais, que discriminou da seguinte forma: i) retribuição e formação respeitantes ao mês de dezembro de 2019, nos valores de € 180,00 e € 262,50, respetivamente; ii) férias do ano de 2019 (proporcional), no valor de € 563,84; iii) subsídio de férias do ano de 2019 (proporcional), no valor de € 563,84; iv) subsídio de natal do ano de 2019, no valor de € 600,00; v) subsídio de alimentação respeitante ao mês de dezembro de 2019, no valor de € 40,67; e vi) indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho, no valor de € 12.609,53, num total de 14.820,38.

No despacho que incidiu sobre tal requerimento, o FGS recalculou a indemnização «por força do estatuído na Lei 69/2013, de 30 de agosto»; «[o] subsídio de natal foi recalculado em função do tempo de serviço prestado (cessação a 09/12/2019)»; «[n]ão foi assegurado o montante requerido a título de formação uma vez que não se encontra titulado por sentença judicial»; «[a]penas foi considerado o período de qualificação na empresa de 01/04/2003 a 09/12/2019»; «[o]s créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do n.º 1 do artigo 3º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril».

O FGS recalculou, assim, (i) o valor das retribuições que fixou num valor ilíquido de € 1.800,00 e num valor líquido de € 1.602,00; (ii) o valor da indemnização que fixou num valor de € 7.200,00, o que perfez um valor total ilíquido de € 9.000,00 e ilíquido de € 8.802,00.

3. Por sentença de 27 de janeiro de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a ação procedente, anulando o despacho impugnado na parte desfavorável ao autor e condenou o FGS no pagamento ao ora recorrido do acréscimo ilíquido de € 1.800,00, para além do montante já deferido.

Com relevo para a decisão a proferir, lê-se na referida sentença:

«[…]

IV.2.2 – Valores peticionados

O autor discorda do facto de não lhe ter sido assegurado o montante requerido a título de formação.

Vejamos então.

[…]

O autor começa por discordar do facto de a entidade demandada não ter reconhecido as quantias peticionadas nos montantes de € 262,50 a título de formação

A entidade demandada, como resulta da decisão impugnada, entendeu não reconhecer esses montantes dada a inexistência de uma sentença judicial que os titule.

Conforme resulta dos autos, a entidade empregadora do autor foi declarada insolvente a 27.12.2019 no âmbito do processo 4124/19.2T8STS. O autor reclamou créditos no montante de € 31 085,85. O administrador da insolvência reconheceu créditos no montante de € 140820,38, encontrando-se os restantes créditos como não reconhecidos e aguardando decisão quanto aos mesmos.

O requerimento apresentado pelo autor a 27.05.2020 apenas se reporta ao montante de créditos reconhecidos, ou seja, à referida quantia global de € 14 820,38.

Portanto, o crédito relativo à formação, e agora em apreciação, encontra-se reconhecido no âmbito do processo judicial de insolvência.

Ora, afigura-se que não cabe nas competências da entidade demandada questionar os valores reclamados pelo autor.

Dos normativos referidos supra resulta que a entidade demandada apenas pode verificar três aspetos: se os créditos reclamados são emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação; se os créditos se venceram nos 6 meses anteriores à propositura da ação; e se os créditos respeitam os limites legais.

Ora, tendo sido reconhecido no processo de insolvência a existência deste crédito, não pode a entidade demandada exigir que o mesmo esteja titulado por decisão judicial.

É que é importante não esquecer face à jurisprudência do STJ é aí que deveriam ser discutidas essas matérias – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, Procs. 170/08.0TTALM.L1.S1. Ou seja, na linha desta jurisprudência o autor nunca obteria uma decisão judicial: tal matéria, discutida numa ação laboral, redundaria em inutilidade da mesma, já que à luz da jurisprudência referida, após a declaração de insolvência, os créditos laborais passa a ser discutidos como reclamação de créditos no processo de insolvência, determinando a inutilidade dos processos laborais correspondentes; e no processo de insolvência, estando os créditos reconhecidos, não há decisão judicial que os titule especificamente.

De acordo com o artigo 134.º do CT o autor tem direito ao pagamento das horas de formação, o que significa que estando este crédito laboral reconhecido é devido ao autor também a quantia de € 262,50.

O autor discorda também relativamente ao valor da indemnização.

Como resulta dos autos, o autor peticionava o montante de € 12 609,53 a título de indemnização/compensação pela cessação do contrato de trabalho.

A entidade demanda deferiu-lhe a quantia de € 7200,00. O ato impugnado justifica esta diferença invocando que «a indemnização foi recalculada por força do estatuído na Lei 69/2013, de 30 de agosto».

Em primeiro lugar há que assinalar que não se perceve a referência na decisão impugnada à redução de valores com mera indicação da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto. A entidade demandada não refere concretos normativos, mas limita-se a fazer referência a um diploma legal sem concretização da norma especificamente aplicada. Um normal destinatário da decisão impugnada, fica, pois, na frágil contingência de não perceber qual o concreto fundamento legal que a entidade demandada pretende invocar para a operação que diz ter realizado de recálculo do montante de indemnização.

Em segundo lugar, como já se aludiu, não cabe nas competências da entidade demandada questionar os valores reclamados pela autora. Dos normativos referidos supra resulta que a entidade demandada apenas pode verificar três aspetos: se os créditos reclamados são emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação; se os créditos se venceram nos 6 meses anteriores à propositura da ação; e se os créditos respeitam os limites legais. Não é atribuída à entidade demandada competência para discutir qual o valor da indemnização devida à autora em decorrência da cessação do contrato de trabalho. Repare-se que tendo a autora reclamado os montantes nos valores que reclamou, e tendo estes sido reconhecidos, não pode a entidade demandada negar-se, por entender que o valor da indemnização deveria ser inferior, a que a sub-rogação legal abranja o montante reclamado nos limites legalmente estabelecidos. Na verdade, é no processo de insolvência (ou em processo laboral prévio) que a autora tem que demonstrar ter direito à indemnização no valor reclamado, apenas tendo que demonstrar no procedimento junto da entidade demanda que está em causa um valor relativo a indemnização emergente da violação ou cessação do contrato de trabalho. De outro modo, estaríamos a transformar o procedimento junto da entidade demandas numa instância laboral, sendo que tal possibilidade constitui uma violação dos limites ao disposto nos artigos 387.º, n.º 1 e 388, n.ºs 1 do CT que impõem que as matérias da regularidade, licitude ou ilicitude dos despedimentos só possam ser apreciadas por tribunal judicial, ou seja, a admitir-se a possibilidade de a entidade demandada questionar os valores de indemnização, colocar-se-ia a autora perante uma situação de total desproteção jurídica, já que os Tribunais Administrativos não poderiam verificar ou reconhecer, por exemplo, a ilicitude do despedimento para efeitos de determinação do valor de indemnização devida. E de qualquer modo, o reconhecimento dos créditos laborais, incluindo o valor da indemnização, sempre tem lugar junto de Tribunal Judicial, e não tendo tal valor sido questionado não pode, por imposição dos normativos referidos, colocar-se agora em causa esses montantes.

Ora, resulta dos autos que o valor reclamado pela autora junto da entidade demanda é o mesmo que lhe foi reconhecido no âmbito do processo de insolvência. Não resulta dos autos, efetivamente, que essa parte reconhecida tenha sido colocada em crise no processo de insolvência onde foram reclamados. E face à jurisprudência do STJ é aí que deveriam ser discutidas essas matérias – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, Proc. 170/08.0TTALM.L1.S1. Não tendo sido colocadas em causa a existência efetiva dos créditos reclamados, não pode a entidade demanda proceder a recálculos desses montantes. Não cabe nas suas competências específicas essas...

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