Acórdão nº 513/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução09 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 513/2021

Processo n.º 268/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 14 de janeiro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 358/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos foi apreciada e decidida pela 2.ª Secção deste Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 7/2019, justificando-se, por isso, a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).

Em tal aresto decidiu-se «[n]ão julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro». O juízo foi reiterado no Acórdão n.º 303/2021 e complementado no Acórdão n.º 301/2021, ambos da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional. Cabe decidir no mesmo sentido.»

3. Da Decisão Sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:

«A., S.A., Reclamante nos autos, notificada da Decisão Sumária neles proferida, melhor identificada em epígrafe, vem pelo presente, ao abrigo do n.° 3 do artigo 78.ª-A da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), dela deduzir RECLAMAÇÃO PARA ACONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional já apreciou a inconstitucionalidade das normas objeto do presente recurso no Acórdão n.° 7/2019, no qual se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2.° 3.º, 4.º, 11.º e 12.° do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético", criado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83.°-C/2013, de 31 de dezembro.

2. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.° 1 do artigo 78.°-A da Lei do Tribunal Constitucional: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma "questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal

3. Não é verdade.

4. A Reclamante não ignora que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, no Acórdão n.° 7/2019, sobre a conformidade do regime jurídico da CESE com o texto e princípios constitucionais, tendo aí julgado que o regime jurídico que criou o referido tributo não padecia de inconstitucionalidade.

5. Trata-se de um Acórdão proferido num processo de recurso interposto de uma Decisão de um Tribunal constituído no Centro de Arbitragem Administrativa, em que esteve em análise uma liquidação da CESE relativa ao ano de 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo).

6. O Acórdão em causa merece a maior discordância da Reclamante; porém, o que mais releva sublinhar nesta sede é que o seu conteúdo não é inteiramente transponível para o presente processo.

7. Com efeito, o Acórdão em causa não é um precedente válido porque limita o objeto do respetivo recurso ao ano de 2014, uma vez que o processo diz respeito a uma liquidação relativa à CESE desse ano (cfr. ponto 6, pág. 14, do Acórdão).

8. Ou seja, trata-se de uma liquidação que tem por base o regime do tributo que vigorou em 2014.

9. Nos presentes autos estão também causa outras duas liquidações relativas à CESE (aprovada ou criada pelo artigo 228.° da Lei n.° 83°-C/2013, de 31 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2014), uma relativa ao ano de 2015, para o qual o tributo foi prorrogado por forca do artigo 237.° da Lei n.° 82-B/2014, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), outra relativa a 2016, ano em que a CESE vigorou por prorrogação estabelecida no artigo 6.° da Lei n.° 159-C/2015, de 30 de dezembro (relativa à prorrogação de receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015).

10. O facto de os presentes autos dizerem respeito não só à CESE vigente em 2014 mas também às CESEs vigentes em 2015 e 2016 é claro desde o início do desenrolar dos autos, isto é, desde que o objeto do processo foi identificado na petição inicial entrada no TAF de Viseu, com identificação também daquelas leis.

11. Quando a Reclamante diz, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos artigos 152.º a 455.º da petição inicial que deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, e que foi tratada nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal Central Administrativo - Norte, concretamente nas páginas 15 a 33 e nas conclusões A a Q, está a referir-se à argumentação a que recorreu para pugnar pela inconstitucionalidade da CESE relativamente a 2014, 2015 e 2016. Não há qualquer dúvida quanto a isso.

ORA:

12 . É precisamente por o Acórdão n.° 7/2019 não ser um precedente válido para qualquer CESE posterior a 2014 que o Tribunal Constitucional não tem resolvido por Decisão Sumária os recursos relativos a qualquer um dos anos pós-2014, ordenando sempre a notificação dos recorrentes para produzirem alegações.

13. Veja-se, a título de exemplo do que se acaba de dizer, o que se passou nos seguintes autos de recurso no Tribunal Constitucional:

n.° 965/20:

n.° 82/21;

n.° 93/21; e

n.° 101/21 (este último, aliás, respeitante à ora Reclamante).

14. O que vem dito aplica-se igualmente aos Acórdãos n.°s 301/2021 e 303/2021, que também concernem apenas a liquidações de 2014.

POIS BEM:

15. Apesar de, por lei, apresente Reclamação não servir de alegação, importa dizer que o Acórdão n.° 7/2019 (aquele que está essencialmente aqui em causa), na medida em que o Tribunal se julgou limitado a 2014, não teve em consideração qualquer elemento da realidade jurídica ou factual posterior àquele ano.

16. E isso implicaria que não pudesse ter baseado a Decisão Sumária reclamada.

17 . É que, desde logo, o Acórdão não atribui relevo, nessa sede,

(i) às sucessivas prorrogações da CESE;

(ii ) ao facto de não existir ainda um horizonte de vigência definido; ou

(iii) à circunstância de, até ao momento - quando vamos já no oitavo ano de vigência da medida -, a receita da CESE não ter praticamente sido utilizada para os fins legalmente previstos (sendo certo que em 2015 e 2016, ano a que também respeitam os presentes autos, a CESE não cumpriu, de todo, nenhum dos seus objetivos legais)

18. Assim, não se debruça sobre algumas das questões mais problemáticas para a conformidade constitucional da CESE.

19. É obrigatório, portanto, considerar que a argumentação utilizada pelo TC, designadamente aquela que é utilizada reconhecidamente para compensar os riscos de inconstitucionalidade da medida, não é válida quando em causa está uma liquidação de qualquer outro ano posterior a 2014, como acontece nos presentes autos ,

20. O que determina que o Acórdão n.° 7/2019 está seguramente muito longe de ser uma decisão última sobre a constitucionalidade da CESE.

VEJAMOS MELHOR:

a) Primeiro exemplo: o TC não quis saber se, de facto, a receita da CESE tem servido ou não para os fins legalmente prescritos

21. O TC entende que a CESE a) é uma verdadeira contribuição e b) respeita o princípio da equivalência porque a sua receita serve para financiar medidas de que os sujeitos passivos são presumíveis beneficiários (políticas de sustentabilidade do sector energético, incluindo a redução da dívida tarifária).

22. No entanto, o TC não considera a circunstância de a receita da CESE praticamente nunca ter sido transferida para o Fundo de Sustentabilidade do Sector Energético (nos termos da obrigação legal de que adiante melhor daremos conta), ou seja, que praticamente nunca serviu para a redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) nem para o financiamento de outras políticas de sustentabilidade do sector energético.

23. Ou seja, durante basicamente toda a sua vigência, a CESE serviu praticamente apenas para financiar as despesas gerais do Estado, como qualquer imposto, devendo ser considerada, nessa medida, um verdadeiro imposto.

24. Aliás, em até ao fim de 2016, o último ano aqui em questão, nada tinha sido transferido.

25 . Este facto é público e notório, e é reconhecido expressa e publicamente pelo Governo, pela ERSE e pelo Tribunal de Contas.

26 . Note-se, por exemplo, que a 1 de janeiro de 2018 (quatro anos depois da entrada em vigor do tributo), do terço da receita da CESE (estimado em € 50.000.000,00 por ano) que deveria ser transferido para o Fundo, nos termos legais, no montante total de cerca de € 200.000.000,00, apenas haviam sido transferidos (na totalidade dos 4 anos, sublinhe-se) cerca de € 29.200.000 (e apenas em dois dos anos - 2016 e 2017).

27. Assim se comprova que, aquando da criação da CESE em 2014, o Governo nunca teve realmente a intenção de afetar a respectiva receita ao objetivo de redução da dívida tarifária do SEN.

28. Como nota exemplar do que vem dito, veja-se que no...

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