Acórdão nº 1803/18.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório M...

, com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa condenatória, com processo comum, contra: 1.º - J...

e 2.ª – A...

, estes também com os sinais dos autos, pedindo que «decretado o reconhecimento da qualidade sucessória do A.», seja «proferida sentença que:

  1. Condene os RR. a reconhecer que o prédio (…) de Rés do chão destinado a habitação, com 3 divisões, cozinha, casa de banho e logradouro (…), atualmente inscrito na matriz predial sob o art.º ... e descrito na CR Predial sob o nº ... pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de M... (em cumulação de bens de heranças distintas).

  2. Declare nula a partilha para separação de meações formalizada pelos Réus em escritura pública lavrada em 07/07/2017 no Cartório Notarial da ... bem como declare nulos todos os negócios subsequentes que, incidindo sobre o referido imóvel venham eventualmente a ser celebrados por qualquer um dos RR. após a interposição da presente ação.

  3. Ordene o cancelamento do registo de aquisição a favor dos RR. e de todos os registos a ele subsequentes.

  4. Ordene à Administração Tributária que averbe em nome da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C… o artigo matricial urbano n.º ...

  5. Ordene à Conservatória do Registo Civil de ... que – nomeadamente para efeitos de emissão de futuras certidões – elimine/considere não escrita na relação de bens comuns apresentada pelos Réus a verba sob a qual foi relacionado o referido imóvel.

  6. Condene os RR. a reporem os muros e vedação metálica (…) e o ramal de abastecimento de água ao prédio B tal como se encontravam à data do início das obras que efetuaram nos prédios da herança, e a absterem-se de realizar quaisquer outras obras nos prédios pertencentes à herança.».

    Para tanto, alegou, em síntese: - sendo o A. e o 1.º R. interessados na partilha daquela herança ilíquida e indivisa, os falecidos (pais do A.) possuíram diversos prédios, tendo consentido que a mãe do 1.º R. utilizasse uma casa construída em terreno pertencente à herança, como sua habitação própria e da sua família, da mesma forma que consentiram que, não estando a ser usada por ela, passasse a ser usada pelo filho dela e respetiva família; - após o falecimento dos pais do A., com o consentimento de todos os herdeiros, ambos os RR., então casados entre si, continuaram a habitar o referido imóvel (casa), que veio a ser ampliado, nomeadamente com a construção de um primeiro andar; - mostrando-se infrutíferos diversos procedimentos tendentes à partilha das heranças referidas, o 1.º R. executou um plano para registar o aludido imóvel em seu nome e resolver definitivamente a sua situação pessoal, em detrimento do A. e demais herdeiros, para o que se divorciou e declarou falsamente na relação de bens comuns do casal que o prédio pertencia a tal casal; - depois, munido da certidão da relação de bens comuns, procedeu, conjuntamente com a 2.ª R., à partilha desse bem por escritura pública, o que permitiu a primeira inscrição do prédio no registo predial, metade em nome do 1.º R. e metade em nome da 2.ª R; - os RR. têm vindo a realizar obras no prédio, com levantamento de um muro na estrema nascente do mesmo e demolição de um muro de suporte de terras e delimitação, causando danos em ramal de abastecimento de água, sendo que se trata de obras ilícitas, efetuadas em bens alheios (das heranças) sem o consentimento dos demais herdeiros.

    Os RR. contestaram (conjuntamente), excecionando a ilegitimidade do A. (por não estarem na ação todos os herdeiros) e concluindo, por isso, pela absolvição dos demandados da instância ou, assim não se entendendo, pela sua absolvição de todos os pedidos, para o que afirmaram, em síntese, que: - o prédio em causa foi objeto de doação verbal à mãe do 1.º R., que passou a possuí-lo, não sendo propriedade das aludidas heranças, antes pertencendo aos RR., por via de aquisição por usucapião; - beneficiam estes ainda da presunção prevista no art.º 7.º do Código do Registo Predial, uma vez que o prédio se encontra inscrito a seu favor, desde 07/07/2017.

    Respondeu o A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção deduzida.

    Admitida a intervenção principal – requerida pelo A. –, pelo lado ativo da instância, de M...

    e M...

    ([2]), também com os sinais dos autos, veio esta última declarar que confirma em absoluto o alegado pelos RR., concluindo pela improcedência da ação, enquanto aquela M... declarou fazer seus os articulados e prova oferecidos pelo A..

    Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando inútil, operada a intervenção principal aludida, o conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa, e procedeu-se à definição do objeto do litígio e dos temas da prova.

    Realizada depois a audiência final, foi proferida sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR. do contra si peticionado.

    De tal sentença vem a parte demandante, inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([3]): ...

    Os RR. contra-alegaram, pugnando pela total improcedência do recurso.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([4]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais ([5]) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe saber ([6]):

    1. Se a sentença padece de nulidade, por contradição, ambiguidade e/ou obscuridade [art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.]; b) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido (quanto aos impugnados pontos da factualidade julgada provada e da não provada, por se impor um diverso julgamento perante as provas convocadas), devendo ainda aditar-se novos factos ao quadro provado da sentença; c) Se ocorre erro de julgamento de direito, com referência às seguintes questões jurídicas: 1. - Inexistência de doação do solo, por haver mera autorização para construção; 2. - Ausência de inversão do título de posse, impedindo a aquisição por usucapião (a favor dos RR.); 3. - Inoperância no caso da presunção de propriedade derivada do registo predial; 4. - Invalidade da partilha subsequente ao divórcio dos RR./Recorridos, por ter por objeto bem alheio, sendo ainda que o bem discutido nunca poderia ser considerado um bem comum do casal.

    III – Fundamentação

  7. Da nulidade da sentença Invoca a parte recorrente, no seu iter impugnatório da sentença proferida, que esta encerra clara contradição, bem como ambiguidade e obscuridade, vícios que considera geradores da respetiva nulidade, o que resulta contestado pela contraparte e não foi acolhido pelo Tribunal a quo, que, por sua vez, deixou expresso não considerar haver tal nulidade.

    Argumenta aquela parte recorrente (cfr. conclusões 2.ª a 4.ª) que os vícios procedem de, tendo em conta a motivação e o que se afirmou ter ficado provado e não provado, ser “negada a pertença e propriedade de um imóvel a quem o doou, dando como provada essa doação”, sendo “absolutamente incompreensível” e “totalmente ajurídico e contraditório, que os de cujus tenham dado ou possam ter dado (após autonomização) o que não tinham (o direito de propriedade sobre a parcela)”.

    E finaliza a mesma parte expendendo que afirmar, relativamente a um bem concreto e determinado, não se ter provado a propriedade das pessoas que se afirma terem dado esse bem a outrem, usando-se essa doação para determinar o sentido da decisão, constitui ambiguidade e obscuridade inultrapassáveis, com contradição entre a fundamentação e os factos dados como provados.

    Ora, o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c), com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

    Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

    Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada.

    Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo legal citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente...

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