Acórdão nº 5281/19.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1. J..., residente em Viseu, intentou ação contra M..., residente na Suíça, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 60.657,11€, acrescida da que se venha a apurar em liquidação de sentença.

Alegou ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, ou estar em risco de sofrer, como consequência de cativação de saldos e valores mobiliários comuns, requerida pela ré em sede de procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do ex-casal formado por ambos, e subsequente desvalorização, mais custos de inventário para partilha de bens na Suíça, mais outros custos de uma ação judicial que corre em Portugal, que são responsabilidade da ré na proporção de 50%, e ainda risco de incumprimento de contrato promessa, com consequente perda do sinal prestado e repercussão em metade do valor desse sinal como prejuízo do autor.

A ré contestou, suscitando a exceção de caso julgado, abuso de direito e litigância de má fé do autor, impugnando os danos alegados e pugnando, a final, pela improcedência da pretensão do autor.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caso julgado.

* A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a R. de tudo o peticionado.

  1. O A. apelou, tendo formulado as seguintes conclusões: ...

  2. A R. contra-alegou, concluindo que: ...

    II - Factos Provados ...

    III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objetivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

    Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

    - Nulidade processual.

    - Nulidade da sentença.

    - Alteração da matéria de facto.

    - Responsabilidade civil da R., em consequência da providência cautelar decretada anteriormente.

    - Em caso afirmativo, montante de indemnização a atribuir ao A.

  3. Defende o recorrente que a omissão de pronúncia do tribunal sobre o seu requerimento probatório de 11.12.2020 importa uma nulidade processual, arguível em recurso (conclusões de recurso 6/ a 11/). Enquanto a recorrida entende estar-se perante uma mera irregularidade.

    Importa distinguir. Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, que é um vício referente aos limites (vide a límpida exposição de Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais…, 4ª Ed., págs. 23/29). Tão pouco se confundindo a dita nulidade processual com um erro material da decisão ou com um erro de julgamento.

    Ainda, sobre o conceito de nulidade processual, no dia 17 de Abril de 2018, no blogue do IPPC, Teixeira de Sousa inseriu o seguinte “post”: “O que é uma nulidade processual? “1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).

  4. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas: -- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual; -- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.

    No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.

  5. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.

    Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.

    É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar: -- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); …; -- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.

  6. Em conclusão: -- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte; -- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.

    ”.

    No sentido de a omissão de conhecimento de um requerimento probatório constituir não constituir uma nulidade processual secundária, no dia 21 de Setembro de 2020, no referido blogue do IPPC foi publicado um “post”, com comentário desfavorável de Teixeira de Sousa: “Omissão de pronúncia; nulidade da sentença, ao Ac. da R. Guimarães de 19.3.2020, Proc.305/15.6T8MNC-E, disponível em www.dgsi.pt, sobre situação semelhante à dos autos, no qual o dito comentador conclui tratar-se de um típico caso de omissão de pronúncia da decisão recorrida.

    Dos ensinamentos de tais professores, dimana que o nosso caso não cai, obviamente, na categoria de nulidade processual, podendo, sim, cair na de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia do tribunal, relativamente ao requerimento probatório apresentado pelo A./recorrente (com oposição à sua junção pela R./recorrida). Portanto, o que o A. devia ter feito era arguir nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, e não nulidade processual, esta apenas de conhecimento do tribunal recorrido, segundo o velho brocardo “das nulidades reclama-se, dos despachos...

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